No mosteiro, usando conhecimentos de agricultura dos monges realizou uma série de experiências, adotando metodologia científica criteriosa. Podem-se destacar alguns dos procedimentos adotados por Mendel que permitiram a produção de resultados robustos e a inferência das leis da hereditariedade:

  • escolheu um bom modelo biológico de estudo: as ervilheiras-de-jardim
  • analisou uma característica de cada vez garantindo que os resultados responderiam a cada hipóteses colocada
  • realizou um grande número de cruzamentos, eliminando o fator acaso, e introduzindo uma visão estatística de população
  • utilizou a análise matemática para provar que os resultados confirmavam as hipóteses
  • realizou cruzamentos recíprocos

Os trabalhos de Mendel

As ervilheiras-de-jardim (Pisum sativum) são plantas monoicas (a flor apresenta os órgãos reprodutores femininos e masculinos), em que pode ocorrer auto-polinização ou polinização cruzada (entre indivíduos diferentes). Também importante é o facto de apresentarem características que se manifestam com fenótipos (propriedades observáveis de um individuo que resultam da expressão do seu genótipo e da ação do ambiente) contrastantes e facilmente identificáveis.

Mendel selecionou sete características: cor da corola (conjunto de pétalas), posição das flores, comprimento do caule, forma da vagem, cor da vagem, forma da semente e cor do cotilédone.


MONOHIBRIDISMO

Para cada uma destas características Mendel obteve linhagens puras – quando por autopolinização apenas origina descendentes todos iguais entre si e ao progenitor. Depois de obter as linhagens puras, iniciou então as suas experiências de monohibridismo, ou seja, analisou a transmissão de apenas um único carácter. A partir das linhagens puras efetuou cruzamentos parentais (P) – cruzamentos entre indivíduos pertencentes a linhas puras diferentes em que cada um dos progenitores tem para o carácter em estudo fenótipos antagónicos. Por exemplo, cruzamento entre um individuo de flor púrpura com um de flor branca. Mendel efetuou polinização cruzada entre os indivíduos, efetuando cruzamentos recíprocos, ou seja, e utilizando o exemplo da cor das flores, os cruzamentos foram:

Polén de flor púrpura ♂ em flor branca ♀

Polén de flor branca ♂ em flor púrpura ♀

Verificou que se um dos progenitores tiver flor púrpura e o outro flor branca todos os descendentes surgem com flor púrpura. Ou seja, a primeira geração de híbridos (F1, do inglês ‘first filial generation’) é toda igual a uns dos progenitores, manifestando-se apenas um dos fenótipos parentais.

Numa segunda experiência Mendel permitiu que as plantas F1 se auto-polinizassem e observou que a maioria dos descendentes manifestava o fenótipo flor púrpura, mas surgiam alguns com o fenótipo cor branca. Após observar milhares de cruzamentos, verificou que na F2 (2a geração de híbridos) os descendentes surgiram numa proporção aproximada de 3:1, três indivíduos flor púrpura para um de flor branca.

Para explicar estes resultados Mendel usou os termos dominante e recessivo para descrever o fenómeno sem no entanto explicar o mecanismo. Resumindo:

1.existem fatores responsáveis pela hereditariedade dos caracteres

2.cada carácter é determinado por dois fatores: um dos fatores será dominante e outro recessivo.

3.Principio da segregação dos caracteres. Os membros de cada par de fatores segregam-se (separam-se) de tal modo que cada gâmeta contem uma cópia de cada progenitor.


Mendel ao realizar estas experiências apercebeu-se que não podia distinguir se os indivíduos de fenótipo dominante eram heterozigóticos ou homozigóticos dominantes. Planeou então uma outra série de experiências recorrendo ao cruzamento-teste e retrocruzamento. No retrocruzamento o individuo cujo genótipo é desconhecido é cruzado com um indivíduo duma linha pura seja ela dominante ou recessiva. Nos cruzamentos-teste, cruzam-se indivíduos com fenótipo dominante cujo genótipo se desconhece com um homozigótico recessivo para o mesmo carácter. Nos cruzamentos-teste podem surgir dois resultados:

1.toda a descendência com fenótipo igual ao do progenitor com genótipo desconhecido se este for homozigótico dominante

2.se o progenitor com genótipo desconhecido se este for heterozigótico a descendência terá 50% fenótipo dominante e 50% fenótipo recessivo.


DIHIBRIDISMO

Mendel efetuou também experiências de transmissão simultânea de duas características, dihibridismo. Desenvolveu mais uma vez linhas puras, mas agora diferiam entre si em duas características. Pretendia agora perceber se a informação de uma dada característica era segregada independentemente de outra ou se eram transmitidas em bloco.

Por exemplo, considere-se a cor da semente amarela A e verde a e a textura lisa L e rugoso l. efetuou cruzamentos entre ervilheiras de sementes amarelas lisas e verdes rugosas. Como se consideram duas características, o genótipo dos indivíduos da geração parental terá dois pares de alelos: um para a cor e outro para a textura. No quadro abaixo resume-se essa informação.


Geração Parental (P)
Fenótipo Amarelo liso AL Verde rugoso al
Genótipo AALL aall
Gâmetas AL al

Para determinar a descendência da geração parental é necessário determinar os gâmetas produzidos. Cada gâmeta possui um alelo de cada gene. Sabendo estas combinações é possível determinar o genótipo da geração F1: AaLl, correspondendo a um fenótipo amarelo liso. Tal como nos cruzamentos monoibridos, Mendel promoveu a autopolinização entre os indivíduos da F1 e obteve uma geração F2 com quatro fenótipos diferentes: sementes amarelas lisas amarelas rugosas, verdes lisas e verdes rugosas.

Os resultados de Mendel evidenciam que ocorre segregação independente dos alelos dos dois genes. É possível formar quatro tipos diferentes de gâmetas: AL, Al, aL e al a partir de progenitores com o genótipo AaLl da F1. Combinando estes quatro tipo de gâmetas verificamos a presença de 16 diferentes combinações genotípicas e dos 4 fenótipos que Mendel observou.


F2

Combinações dos alelos dos gâmetas femininos

Combinações dos alelos dos gâmetas masculinos

AL

aL

Al

al

AL

AALL

AaLL

AALl

AaLl

aL

AaLL

aaLL

AaLl

aaLl

Al

AALl

AaLl

AAll

Aall

al

AaLl

aaLl

Aall

aall


Na geração F2 obteve então 9 genótipos diferentes numa proporção 9:3:3:1 tivamente, sementes amarelas lisas, amarelas rugosas, verdes lisas e verdes rugosas.

Destes resultados Mendel enunciou o segundo Princípio (ou segunda Lei de Mendel) o da segregação independente dos caracteres: na formação dos gâmetas, a segregação dos vários pares de alelos é realizada independentemente.

Para determinar quais os genótipos dos indivíduos com fenótipos dominantes Mendel efetuou cruzamentos-teste como anteriormente. Ao cruzar indivíduos homozigóticos recessivos aall com os indivíduos de fenótipo dominante (AALL, AALl, AaLL e AaLl) obteve a descendência toda igual no caso do progenitor ser homozigótico dominante e combinações em iguais proporções nos casos de heterozigotia para pelo menos um dos genes.


De Mendel aos nossos dias:

  • os fatores responsáveis pela transmissão dos caracteres hereditários denominam-se genes
  • os genes podem apresentar formas alternativas responsáveis por fenótipos antagónicos. As formas alternativas de um mesmo gene são os alelos. Os alelos dominantes são representados por uma letra maiúscula e os recessivos uma letra minúscula, por exemplo M e m, respetivamente.
  • o genótipo é a constituição genética de um individuo em relação a uma determinada característica. Quando os pares de alelos são idênticos, o individuo é genotipicamente homozigótico (MM ou mm); se o par de alelos for diferente então o indivíduo é geneticamente heterozigótico (Mm)
  • a zona do cromossoma onde se localiza o gene é o locus (no plural, loci).

Mendel selecionou características nas quais existe uma dominância clara de um alelo de um gene em relação ao outro. Mas existem casos em que tal não ocorre e em vez de existirem apenas dois fenótipos possíveis existem três.


Codominância

Não se verifica dominância de um alelo de um gene sobre o outro, assim num heterozigótico, ambos os alelos se expressam simultânea e completamente. Neste caso a nomenclatura utilizada é toda com as mesmas letras mas com índices diferentes. Um caso bem conhecido de codominância é a dos tipos de sangue (ABO).



Neste caso existem 3 alelos que se combinam em 6 genótipos, mas que originam apenas 4 fenótipos diferentes.


Dominância incompleta

Neste caso, a interação entre os alelos de um gene origina, nos indivíduos heterozigóticos, um terceiro fenótipo. Este caso de monohibridismo pode ser observado numa planta comum em Portugal, as bocas de lobo. Cruzando duas plantas homozigóticas, uma para a cor branca e outra para a cor vermelha, obtém-se na F1 indivíduos cuja cor das plantas é uniforme e rosa. A simbologia utilizada neste caso é igual à utilizada nos cruzamentos tipo de Mendel.



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