Era convicção geral que os desvios de partículas \(\alpha\) (experiências de Geiger e Marsden1) e de partículas \(\beta\) (trabalhos de Crowthers2) quando feixes destas partículas atravessavam finas lâminas metálicas (por exemplo, de ouro, com espessura de cerca de 0,00004 cm) resultavam de uma série de sucessivos pequenos desvios.


Thomson havia concluído, baseado nos resultados experimentais de Crowthers com partículas \(\beta\) e em cálculos realizados sobre o seu modelo de “bolo de passas”, que os ângulos de cada desvio deveriam ser pequenos e resultantes da interação sucessiva com N eletrões. Crowthers, em experiências de deflexão com vários metais, calculou até o número de eletrões, N, que seria responsável pelos sucessivos desvios e que diferia do número de eletrões atualmente conhecido (Al. 27 em vez de 13, Cobre 42 em vez de 29, prata 78 em vez de 47, etc.).

No entanto, alguns dos desvios de partículas \(\alpha\) ao atravessarem finas láminas de ouro eram mesmo superiores a 90º, o que era dificil de explicar com base na existência de pequenos desvios sucessivos, pois o cálculo da probabilidade de ocorrência de desvios sucessivos conduzia a valores extremamente baixos.


Rutherford pensou que era razoável supor que os desvios elevados das partículas \(\alpha\) se deviam a um único encontro da partícula com uma zona de intenso campo elétrtrico e não a uma série sucessiva de pequenos desvios. Assim, considerou um modelo, sobre o qual efetuou alguns cálculos, com a seguinte estrutura: “...um átomo que contém uma carga elétrtrica \(\pm\)Ne no seu centro rodeada por uma esfera eletrificada de carga -Ne (ou +Ne) uniformemente distribuída numa esfera de raio R, em que e é a unidade fundamental de carga e N a carga central do átomo.”

Por comodidade, Rutherford considerou a carga central positiva, +Ne, rodeada por carga negativa -Ne. Considerou que os desvios das partículas \(\alpha\), carregadas positivamente, se deviam somente à carga central do átomo.


Aqui surge o verdadeiro modelo de Rutherford: uma zona central - o núcleo - com carga positiva e uma zona difusa à sua volta, com carga negativa - a nuvem eletrónica.


Com base neste modelo, Rutherford determinou as trajetórias hiperbólicas das partículas \(\alpha\) no seu percurso através dos átomos que constituíam as folhas de ouro e calculou os ângulos de desvio quando os feixes de partículas passavam na vizinhança do centro do átomo (à distância p). Para valores de p pequenos, os ângulos de desvio podiam alcançar valores tão elevados como 120º ou 150º.


Para lâminas tão finas como 0,0001 cm, deduziu que a probabilidade de uma segunda interação com outro átomo era diminuta (da ordem de 0,000001). Geiger, realizando experiências com diferentes lâminas metálicas, concluiu que o valor de N era aproximadamente proporcional aos seus pesos atómicos.


Tanto para a deflexão de partículas \(\alpha\) como \(\beta\), a carga central Ne é proporcional ao peso atómico da partícula. Verificou que a carga positiva do núcleo era aproximadamente igual a 1/2 de Ae, em que A é o peso atómico (referido ao hidrogénio). Quer dizer que o número de eletrões do átomo é cerca de metade do respetivo peso atómico.


Curiosamente, Rutherford conclui neste célebre artigo “The deductions from the theory so far considered are independent of the sign of the central charge, and it has not so far been found possible to obtain definitive evidence to determine whether it is positive or negative.”


No seu segundo artigo, de março de 1914 (Philosophical Magazine and Journal of Science, Série 6, Volume 27, pag. 488-498), com o título "The Structure of the Atom", Rutherford começa por referir que o artigo vai tratar de alguns pontos ligados à teoria do "núcleo" do átomo que tinha deliberadamente omitido no artigo anterior (1911).


Escreve "Para explicar os grandes desvios angulares das experiências de dispersão das partículas \(\alpha\), supuz que o átomo consistia num núcleo de pequenas dimensões carregado positivamente no qual se concentrava praticamente toda a massa do átomo. Considerei o núcleo rodeado de eletrões, de modo a tornar o átomo eletricamente neutro, distribuidos a distâncias comparaveis ao que se considera ser o raio do átomo". Note-se que nada adianta sobre o modo como os eletrões se moveriam em torno do núcleo.


Concentra-se novamente em experiências de deflexão de Geiger e Marsden3 realizadas em 1913, que continuam a substanciar o seu modelo atómico. Rutherford 4 estendeu a sua análise à interação de partículas \(\alpha\) com átomos menores, como hidrogénio e hélio, concluindo que o núcleo do átomo de hidrogénio teria uma só carga positiva e o núcleo de hélio (partícula \(\alpha\) teria duas.


Previu que, dada a carga e massa do átomo de hidrogénio, a aproximação das partículas \(\alpha\) levaria os átomos de hidrogénio a moverem-se com uma velocidade 1,6 vezes maior do que a das partículas \(\alpha\), devendo ser possível detetar a ejeção destes átomos de hidrogénio. A frase de Rutherford "Mr Marsden has kindly made experiments for me to test whether the presence of such hydrogen atoms can be detected" mostra a sua íntima colaboração com estes experimentalistas.

Refere a diferença entre o comportamento das partículas \(\alpha\) e \(\beta\), notando que estas, por terem carga contrária à carga do núcleo, são aceleradas na sua aproximação ao núcleo, podendo mesmo ser apanhadas numa órbita em espiral, acabando por cair no núcleo, o que explicava o desaparecimento de partículas \(\beta\) na sua passagem através da matéria.

Sobre as dimensões do núcleo escreve: "Para explicar a velocidade adquirida pelos átomos de hidrogénio nas suas "colisões" com partículas \(\alpha\), é possível verificar por cálculo que que os centros dos núcleos de He e de H se devem aproximar a cerca de 1,7 × 10-13 cm. Isto é uma quantidade muito pequena, um pouco menor do que o valor geralmente aceite para o diâmetro do eletrão, cerca de 2 × 10-13 cm".

Rutherford interroga-se se existirão eletrões no núcleo, questão já levantada por Bohr, que também concluiu que as partículas \(\beta"\) provinham do núcleo.

Segundo as palavras de Rutherford "é claro na base da teoria do núcleo que as propriedades físicas e químicas dos elementos dependem inteiramente da carga nuclear, que determina o número e a distribuição dos eletrões que o rodeiam".


A existência de isótopos é claramente prevista, pois "deve ter-se em mente que não é impossível, com base na teoria do núcleo, que os átomos possam diferir no seu peso atómico mas terem a mesma carga nuclear". O mesmo sucede com a existência de isóbaros: "Se o núcleo for considerado uma mistura de núcleos de hidrogénio com carga + e núcleos de hélio com carga 2+, pode conceber-se que a existência de atomos com a mesma carga nuclear mas diferentes pesos atómicos".

Este segundo artigo termina referindo os trabalhos de Bohr "Bohr chamou a atenção para as dificuldades de construir átomos baseados na teoria do "núcleo" e mostrou que as posições estáveis dos eletrões não podem ser deduzidas da Mecânica Clássica. Por introdução de conceitos relacionados com o quantum de Planck, Bohr mostrou que, sob simples suposições, é possivel construir átomos simples e moléculas.(...) Embora haja muitas opiniões acerca da validade das suposições em Bohr que se baseia, não há nenhuma dúvida de que as suas teoprias são de grande interesse e importância para todos os físicos, como primeira tentativa de construir simples átomos e moléculas e explicar os seus espectros."


Materiais relacionados disponíveis na Casa das Ciências:


  1. Modelo de Rutherford, de Jean-Jacques Rousseau;
  2. Experiência de Rutherford, de Gilbert Gastebois;
  3. Dispersão de Rutherford, de Michael Fowler;
  4. Modelos atómicos, de Michael Fowler;
  5. O átomo, de Michael Fowler.