Asimov andava também preocupado com a escrita da sua tese, que estava para breve. Como escrevia profissionalmente havia nove anos, e procurava sempre escrever o melhor possível, temia que não fosse capaz de escrever suficientemente mal para produzir uma tese com um estilo aceitável pela academia. Com estas ideias a fervilhar na cabeça resolveu escrever um falso artigo científico (com gráficos, tabelas e falsas citações) de modo a praticar o estilo de escrita necessário para a tese.


Nesse falso artigo descreveu um composto imaginário, a que chamou tiotimolina, tão solúvel que se dissolvia 1,12 segundos antes de a água ser adicionada. Enviou-o para a revista Astounding Science Fiction, com a condição de que fosse publicado sob pseudónimo, pois receava que o júri de doutoramento não tivesse sentido de humor. Infelizmente esta condição não foi respeitada pelo editor, que publicou o artigo com o nome do autor. No entanto, o seu júri de doutoramento teve mais sentido de humor do que supunha. Não só a sua tese foi aprovada, como ainda respondeu a uma pergunta sobre a tiotimolina na parte final da defesa.


Alguns anos mais tarde Asimov regressou ao tema com um novo artigo intitulado “As aplicações micro-psiquiátricas da tiotimolina”. Neste, defendia que se poderia usar a tiotimolina para fazer uma avaliação quantitativa de determinadas perturbações mentais. Explicava como a solubilidade da tiotimolina dependia da determinação da pessoa que adicionava a água. No caso de pessoas com personalidades múltiplas, algumas partes da tiotimolina dissolviam-se antes das outras, como reflexo das várias determinações das diferentes personalidades. Apresentava ainda uma explicação para as estranhas propriedades cronológicas da tiotimolina: a estrutura da molécula era tão compacta que algumas ligações químicas eram forçadas a entrar pela dimensão do tempo, pois não podiam coexistir em simultâneo.


Em 1959 publicou um terceiro artigo com o título “Tiotimolina na era espacial”, que assumiu a forma de uma comunicação ao 12º Encontro Anual da Sociedade Cronoquímica Americana, uma organização que evidentemente ainda não existe. Neste trabalho, Asimov descrevia como uma equipa de investigadores escoceses tinha conseguido interligar 77 mil “endocronómetros” de modo a dissolver uma amostra de tiotimolina um dia antes de a água ser adicionada. Expressava ainda a sua preocupação de que a União Soviética pudesse ter instrumentos ainda mais sofisticados e fosse capaz de antecipar ainda mais a dissolução de grandes quantidades de tiotimolina.


Há uma longa tradição de cruzamentos do humor com a ciência, de que os falsos artigos de Asimov são um exemplo. O biólogo Ralph A. Lewin (1921-2008) disse que há pelo menos tantas pessoas com sentido de humor na ciência como em qualquer outra disciplina. E adiantou uma explicação: talvez seja porque haja tantas criaturas engraçadas na natureza, como os rinocerontes e os flamingos, já para não falar de alguns protozoários absolutamente ridículos.


Lewin fez uma recolha1 de humor na literatura científica publicada entre 1923 e 1983. Encontrou várias descrições de espécies imaginárias, descrições humorísticas de espécies verdadeiras e até mesmo um artigo de revisão sobre veterinária dos animais empalhados. Na esfera médica descobriu um artigo2 de 1965, publicado numa revista científica respeitável, acerca da “armipitina”, que seria um poderoso contracetivo olfativo. Os autor não revelava a estrutura completa da molécula, pois como afirmava no artigo pretendia “fazer uma fortuna”. Apresentava apenas uma parte das ligações químicas, que consistiam numa longa cadeia com vários NO (átomos de azoto ligados a átomos de oxigénio) e explicava que tinha recolhido várias provas testemunhais de que uma sucessão de “NO’s” pode ser bastante eficaz na prevenção de gravidezes. Lewin encontrou ainda um artigo que descrevia estudos psicanalíticos do ursinho Pooh.


Poderíamos acrescentar a esta lista um artigo publicado numa respeitável revista de neurocirurgia3 em 2011, que faz uma avaliação dos traumatismos cranianos nos 34 livros do Asterix, através da análise de sinais indiretos, como olhos esbugalhados. Os autores concluem, sem surpresa, que o grupo sócio-cultural mais atingido são os romanos (63,9 por cento das vítimas) e que os gauleses causam a maioria dos traumatismos cranianos (87,1 por cento), metade dos quais da responsabilidade da dupla Asterix e Obélix. O artigo não era para ser levado a sério e foi publicado com uma nota do editor, que justifica a sua publicação com a necessidade de alertar para os fatores de risco associados a traumatismos cranianos, nomeadamente a importância do uso de capacete. Toda a gente percebeu a ideia. Toda? Não. Um irredutível grupo de jornalistas ingleses resolveu levar o artigo a sério. Os jornais Daily Telegraph e The Guardian, assim como a cadeia de televisão BBC acharam por bem fazer notícias sobre o artigo, como se fosse mesmo a sério. Vários leitores indignados deixaram comentários chocados com a perda de tempo e o desperdício de dinheiro dos contribuintes em tão disparatada pesquisa. O primeiro autor do artigo, o médico Marcel Kamp, veio a público esclarecer a questão. Mas ninguém ligou e a notícia acerca dos cientistas idiotas que fazem investigação sobre assuntos inúteis acabou por correr o mundo, reproduzida de forma acrítica por vários orgãos de comunicação social. Em Portugal a agência noticiosa Lusa não deixou passar a novidade e os jornais i, DN, Destak, Correio da Manhã, os sítios da SIC e da RTP e a revista Lux fizeram questão de dar esta importante notícia de ciência. Neste caso as coisas não terão corrido como os autores do artigo esperavam. No entanto, é bem demonstrativo do potencial do humor como recurso de comunicação.


Dentro das publicações humorísticas de ciência, destaco ainda o The Journal of Irreproducible Results4, fundado em 1955, e o Journal of Universal Rejection (JofUR)5. Este último garante que todos os artigos submetidos, independentemente da sua qualidade, serão rejeitados. Os editores defendem que esta desvantagem é só aparente e apontam várias razões para escolher o JofUR: a redução da ansiedade, uma vez que é 100 por cento garantido que o artigo será rejeitado, e a possibilidade de poder dizer que o artigo foi submetido à revista mais prestigiada do mundo (a julgar pela taxa de aceitação).


Todos os exemplos anteriores são de falsos artigos deliberadamente escritos para serem engraçados. Por vezes também acontece que artigos científicos verdadeiros tenham bastante piada. A revista humorística Annals of Improbable Research atribui, desde 1991, os Prémio IgNobel, para galardoar trabalhos de investigação que primeiro nos fazem rir e depois fazem pensar. Por exemplo, o Prémio IgNobel da Economia de 2008 foi para uma equipa de investigadores que descobriu6 que as bailarinas de strip-tease que fazem danças no colo (lap dance) ganham gorjetas mais elevadas quando estão na ovulação. Importa referir ainda o insólito caso do físico russo Andre Geim, que ganhou o IgNobel da Física no ano 2000 “pela levitação magnética de um sapo” e que em 2011 ganhou o Prémio Nobel da Física pela descoberta do grafeno, uma forma de carbono que consiste numa monocamada de grafite.


Há também alguma tradição, principalmente nos países anglo-saxónicos, de stand-up comedy sobre temas científicos. Exemplo disso é o norte-americano Brian Mallow, que se autointitula o primeiro comediante científico do planeta. O gato de Schrödinger entra num bar... e não entra. No Reino Unido o Bright Club produz regularmente espetáculos de stand-up comedy, nos quais atuam cientistas e comediantes profissionais, de modo intercalado. Na Nova Zelândia o grupo KinShip faz espetáculos humorísticos sobre ciência com uma qualidade artística e técnica bastante elevada, recorrendo ao canto, à dança e à representação.


Quando comecei a usar o humor para fazer comunicação de ciência não conhecia a maior parte dos exemplos que aqui descrevi. Tal como Asimov estava a fazer o meu doutoramento em bioquímica e já escrevia profissionalmente há vários anos (as semelhanças, terminam aqui, não pretendo de modo nenhum comparar-me a Asimov). Nessa altura, em 2003, fazia parte da redação do Inimigo Público, que é um suplemento satírico publicado com o jornal Público. Escrevia sobre vários temas da atualidade noticiosa, mas tinha muita ideias de ciência na cabeça, e por causa disso comecei a escrever falsas notícias de ciência. Como exemplo posso dar uma cujo título é “A Segunda lei da termodinâmica trama as autarquias nacionais”, que dava conta de um estudo científico, supostamente publicado no Boletim Anual da Associação Termodinâmica e Sociedade, segundo o qual os municípios tendem para a corrupção por razões relacionadas com a entropia. Noutro artigo dei a falsa notícia da descoberta de um manuscrito com a lista das compras de Einstein, que revelava que este apenas comprava um item de cada coisa, mas usava uma notação rocambolesca e variada para significar “1”. Comprava cos(0) pacotes de arroz ou log(10) latas de salsicha, ou seja um de cada. Tirando partido do meu doutoramento em biologia estrutural fiz ainda uma falsa notícia a propósito do Prémio Nobel da Medicina de 2009, afirmando que a estrutura do ribossoma (a máquina de fazer proteínas na célula) parece um molho de brócolos. Para isso fiz uma imagem, na qual sobrepus a estrutura molecular do ribossoma (que obtive no Protein Data Bank), com uma fotografia de um molho de brócolos (que obtive no frigorífico). Foram largas centenas as falsas notícias de ciência que escrevi no Inimigo Público durante vários anos. E foi muito divertido. A ciência e o humor são duas das minhas coisas preferidas.


Mais tarde fundei, juntamente com o ator Romeu Costa, um grupo de stand-up comedy formado por cientistas, chamado Cientistas de Pé7. Já atuaram em teatros, anfiteatros, centros de investigação, museus de ciência, jardins e para muitos polícias de trânsito, na esperança de verem perdoada uma multa de estacionamento abusivo de velocípede.


Outro formato que tenho explorado é o da falsa conferência humorística, interpretada por atores profissionais. Por exemplo, em 2009 escrevi “Stupid Design”, um espetáculo em que um conferencista defende uma teoria alternativa à evolução para explicar o mundo e a biodiversidade: o desenho estúpido. É uma sátira às teorias pseudocientíficas do desenho inteligente (segundo as quais, terá que ter havido um grande arquiteto inteligente a guiar a evolução das espécies, ou seja criacionismo mascarado de ciência). O falso conferencista descreve, no entanto, os principais conceitos da evolução, para que não o acusem de “falar por ignorância”, embora afirme não concordar com eles.


A ciência e o humor têm algumas coisas em comum, como a criatividade e a necessidade de ver realidade através de novas perspectivas. O uso do humor na comunicação de ciência não será certamente uma solução universal, capaz de chegar a toda a gente. Mas o humor é uma poderosa ferramenta de comunicação e tem certamente o seu lugar no leque das abordagens da comunicação de ciência.