A Serra da Leba encontra-se no flanco ocidental do Planalto da Humpata na fronteira entre as províncias da Huíla e do Namibe. Os contrastes geomorfológicos desta região combinam com a “Estrada da Leba” (Figura 1), uma notável obra de engenharia que liga a cidade do Lubango à zona costeira do Namibe, região que se faz representar com a sua exclusiva Welwitschia mirabilis, e os não menos famosos caranguejos que dão nome à antiga Moçâmedes e deliciam os paladares mais exigentes! Este, é um percurso com um desnível de mais de 2000 metros de altitude, serpenteado na sua parte mais somital, e que, até chegar à margem do Atlântico, atravessa várias impressões climáticas preconizadas no sistema Köppen-Geiger. Em termos geológicos, a subida desta estrada permite validar o Princípio da Sobreposição a toda uma sucessão estratigráfica proterozoica com cerca de 600 metros de espessura do chamado Grupo da Chela e da Formação da Leba2, conjunto que, por inconformidade, se sobrepõe a granitos com cerca de 2000 milhões de anos. São anos muito longínquos da história do nosso planeta registados nas rochas, ainda mais com um empilhamento sedimentar praticamente intocável do ponto de vista orogénico. Aliás, este é um ótimo exemplo do conceito de cratão, neste caso, do “velho” cratão do Congo.

Figura 1. A imagem clássica do miradouro da Serra da Leba, conjugando aspetos da geomorfologia com a famosa “Estrada da Leba”.

Entre toda a sucessão sedimentar, dominantemente siliciclástica e com algumas intercalações vulcanoclásticas ácidas (rochas ígneas onde predomina a sílica, o sódio e o potássio)3, sobressai a Formação da Leba de natureza carbonatada e que tem um dos seus melhores registos exatamente na Serra com o mesmo nome. Esta unidade é composta essencialmente por estratos dolomíticos, dada a abundância de um mineral de carbonato de cálcio e magnésio, a que se sobrepõe forte silicificação (Figura 2). A dolomite, que é um “quebra-cabeças” para o sedimentólogo, dada a sua raridade nos ambientes sedimentares atuais, contrastando com a sua grande abundância no registo geológico antigo. Como é o caso, por exemplo, da Formação de Coimbra, da base do Jurássico português, de onde provém a rocha (dolomia ou dolomito) que edifica a Sé Velha e grande parte da Igreja de Santa Cruz, vultos arquitetónicos da cidade de Coimbra. Na Serra da Leba, apesar da pequena expressão métrica, o conjunto rochoso carbonatado do Proterozoico mostra diversos processos de carsificação subterrâneos (grutas, com claros sinais de ocupação humana primitiva) e superficiais, fenómenos típicos destas litologias. Embora esteja a algumas centenas de metros da escarpa que melhor caracteriza os contornos do Planalto da Humpata, é notório o registo desta unidade na paisagem, facilmente identificada pela vegetação espinhosa que a individualiza, cujas raízes se prolongam por profundas fraturas.

Figura 2. Gruta na Serra da Leba em rochas dolomíticas silicificadas com forte laminação de origem microbiana (Formação da Leba). De notar a vegetação espinhosa tão característica desta unidade carbonatada.

Mas, entre todo este gigantesco enquadramento mesoscópico, é à escala macro e microscópica que se evidencia, numa perspetiva mais global, a geologia sedimentar da Formação da Leba. Tudo, “por culpa” da ocorrência de magníficas estruturas estromatolíticas (Figuras 3 e 4), testemunhos de atividade microbiana que terão dominado os ambientes marinhos proterozoicos, muito antes de se assistir à grande “explosão” da vida na Terra, a que marca o início do Fanerozoico. Com estromatólitos para diversos gostos, considerando as diferentes morfologias e aspetos diagenéticos fossilizados, estes corpos sedimentares são acompanhados de marcas de ondulação e por outros registos de um ambiente marinho muito superficial (oncólitos e oólitos), fazendo lembrar - com as devidas diferenças -, através do incontornável Princípio do Uniformitarismo, a célebre Baía dos Tubarões, na Austrália Ocidental: o “paraíso” dos estromatólitos atuais. Não fosse este, um dos Princípios da Geologia que melhor permite ao geólogo entender o passado a partir da observação e interpretação dos sistemas sedimentares atuais.

Figura 3. Cúpulas estromatolíticas muito bem preservadas em sedimentos de natureza dolomítica (Formação da Leba, Planalto da Humpata).

Sem fósseis-índice, desde logo porque estaremos ainda pelo Pré-Câmbrico, e sem qualquer outro registo sedimentar visível acima da Formação da Leba, de modo a estabelecer limites temporais, o grande dilema é saber a verdadeira idade destas rochas. Uma incerteza que subsistirá, devido aos longos processos erosivos que terão afetado esta região ao longo de centenas de milhões de anos, e que terão “apagado” tudo o que eventualmente se tenha depositado sobre esta unidade. Um processo favorecido pelo soerguimento da crosta terrestre, desde alguns metros abaixo do nível do mar até à altitude atual dos mais de 2000 metros do Planalto da Humpata. É, afinal, o Planeta a funcionar ao longo de muitos milhões de anos, mas no sentido inverso ao da gravidade, a força que fez desaparecer de vez a garrafa de coca-cola do Bosquímano Xi!

Figura 4. Fotomicrografia da laminação de origem microbiana que caracteriza as rochas dolomíticas, silicificadas, da Formação da Leba (Proterozoico).