A consistência dos resultados obtidos através do estudo da radiação cósmica de fundo, que é um remanescente do Universo 375 mil anos após o Big Bang, com observações da abundância de elementos leves (hidrogénio, deutério, hélio isótopos 3 e 4, e lítio isótopo 7) em estrelas e outros objetos astronómicos, indica que só cerca de 5% do conteúdo energético do Universo (em termos de densidade relativa dos constituintes) pode ser identificado com a matéria que nós conhecemos, isto é, matéria constituída por protões, neutrões, eletrões e outras partículas elementares conhecidas.

Recordemos que a radiação cósmica de fundo na região de micro-ondas, detetada em 1965 por Penzias e Wilson1,2 e estudada por várias missões espaciais3-5, é extremamente rica em informação e permite determinar muitas propriedades do Universo e do seu conteúdo.

Estas observações aliadas aos estudos da recessão de supernovas em galáxias distantes e da coesão de enxames de galáxias indicam que a maior parte do conteúdo energético cósmico é dominada por duas componentes escuras: cerca de 27% de matéria escura, responsável por efeitos dinâmicos diversos, e cerca de 68% de energia escura, responsável pela atual expansão acelerada do Cosmos. Este resultado é surpreendente, pois revela que desconhecemos cerca de 95% da constituição do Universo!

Na verdade, no que diz respeito à matéria escura, esta conclusão é corroborada por observações a várias escalas de distância. Estudos da rotação de galáxias do tipo espiral revelam que a matéria usual que se manifesta no espectro eletromagnético, corresponde só a cerca de 10% da massa total inferida pela dinâmica da rotação. Ou seja, nas galáxias espirais há cerca de 10 vezes mais matéria do que aquela que se pode inferir por meio da observação da radiação eletromagnética em todos os comprimentos de onda. Há evidências que o mesmo ocorre em galáxias com outra morfologia, isto é, galáxias elípticas e irregulares.

FIGURA 1. Curva de rotação da galáxia NGC 3198. Dados observacionais (curva superior) em comparação com as expectativas (halo e disco). A linha da curva superior corresponde a um ajuste dos dados experimentais indicando a presença de matéria extra6.
FIGURA 2. Enxame de galáxias 1E 0657-56, que resultou da colisão de dois enxames. Consegue-se distinguir duas regiões: a vermelha corresponde à emissao de raios-X devida à colisão de matéria luminosa e a azul à matéria escura. As cores são simplesmente indicativas7.

As escalas da ordem de centenas de vezes maiores que a de galáxias individuais (escalas da ordem de dezenas a centenas de milhões de anos-luz), a coesão gravitacional e a dinâmica de enxames e super-enxames de galáxias só pode ser compreendida se a massa detetada através de observações astronómicas das diferentes regiões do espectro eletromagnético for também da ordem de 10% da massa total inferida dinamicamente.

Uma técnica de observação de grande relevância na determinação da presença de matéria escura é a das lentes gravitacionais. Segundo a Teoria da Relatividade Geral (TRG) de Einstein, a luz é curvada por concentrações apreciáveis de matéria dada a curvatura que imprimem no espaço-tempo, isto é, a magnitude do desvio relativamente ao da propagação retilínea é indicativo da quantidade de matéria presente. A utilização deste método tem-se generalizado na observação astrofísica e tem descortinado uma imagem do Universo que é consistente com a que se deduz dos métodos acima descritos: a matéria conhecida corresponde apenas a uma pequena fração da matéria inferida por métodos dinâmicos.

Assim, compreensivelmente, um dos grandes enigmas da Física no início do século XXI é o da natureza da energia escura e da matéria escura. Várias hipóteses têm sido sugeridas. No que se refere à matéria escura, assumindo que esta matéria é a manifestação macroscópica duma substância constituída por partículas elementares ainda por descobrir, os candidatos mais discutidos incluem partículas que surgem no contexto de modelos de física de partículas, tais como os axiões, um conjunto especial de partículas supersimétricas neutras designados por neutralinos8, partículas “adamastor”, isto é, partículas escalares que acoplam com o bosão de Higgs9-11, etc. Uma das grandes esperanças dos físicos é que vestígios destas partículas possam ser detetados no LHC (Large Hadron Collider), o grande acelerador de protões do Centro Europeu de Investigação Nuclear situado em Genebra, ou em outros detetores passivos localizados em minas profundas (tal precaução é necessária para evitar o efeito de falsas deteções causadas pela interação dos detetores com as partículas dos raios cósmicos).

Em geral, a matéria escura pode classificar-se como fria, morna ou quente, isto é, em ordem crescente em termos da velocidade com que se propagam aquando do desacoplamento do plasma cósmico. De acordo com as observações astrofísicas e cosmológicas, esta matéria não pode ser quente. Contudo, há espaço para que seja fria ou morna, sendo que a primeira é a que melhor se adequa com o chamado modelo cosmológico padrão, embora não esteja completamente livre de deficiências como a previsão, em simulações computacionais, de galáxias satélites que não são observadas.

Os físicos teóricos também veem como natural uma hipotética ligação entre a energia escura e a matéria escura. Segundo algumas propostas, não é impossível que estas duas entidades sejam manifestações, a escalas distintas, de uma única partícula ou um campo mais fundamental.

Pela natureza e abrangência destas questões, a Cosmologia e a Gravitação suscitam grande interesse. Os físicos teóricos também discutem alternativas à existência de matéria escura e de energia escura, designadamente, por meio de teorias de gravidade para além da de Einstein. Por exemplo, existem as teorias MOND (Modified Newtonian Dynamics)12, ou a generalização das chamadas teorias f(R) 13-14 com um acoplamento não-mínimo entre matéria e curvatura15, ou a gravidade emergente16-17, no contexto das quais, o plateau na curva de rotação galática surge devido à dinâmica gravitacional da teoria e não devido à presença de matéria escura.


FIGURA 3. Conteúdo energético do Universo segundo a missão Planck5,18.