Em Portugal, o Cretácico está bem representado na Bacia Lusitaniana (litoral Centro-Oeste). A Bacia Lusitaniana inclui depósitos marinhos, litorais, salobros e continentais, desde o Berriasiano ao Albiano correspondentes ao enchimento progressivo da Bacia entre a Arrábida e a Nazaré, e entre o Turoniano e o Maastrichtiano numa vasta área litoral entre Nazaré e Aveiro. Rey et al, em 2006, apresentaram síntese detalhada que contribuiu para o conhecimento da estratigrafia e ambientes deposicionais do Cretácico português, bem como, para a interpretação dos processos envolvidos na dinâmica da Bacia Lusitaniana.

A Bacia Lusitaniana é excecionalmente rica de jazidas de vegetais fósseis. Algumas tornaram-se célebres nos anais de Paleobotânica (FIGURA 1). Os afloramentos fossilíferos ali existentes contêm arenitos com intercalações de lentículas argilosas escuras com restos de vegetais. Nestes corpos argilosos tem sido recolhido grande número de fósseis de plantas (FIGURA 2), cujo estudo tem contribuído para ampliar os conhecimentos sobre a flora mesozoica de Portugal.


FIGURA 1. Localização geográfica das principais jazidas de mesofósseis: 1- Catefica, 2- Torres Vedras, 3- Cercal, 4- Nazaré, 5- Juncal, 6- Vale de Água, 7- Famalicão, 8- Buarcos, 9- Tavarede, 10- Vila Verde, 11- Vila Verde de Tentugal, 12- Ançã, 13- Vila Flor, 14- Mira, 15- Presa, 16- Esgueira.

A partir de 1990, a descoberta de mesofloras constituídas por estruturas reprodutoras de angiospérmicas, em excelente estado de preservação, permitiu obter informações detalhadas sobre as primeiras angiospérmicas do Cretácico. As mesofloras portuguesas são conhecidas do Berriasiano ao Campaniano-Maastrichtiano. As primeiras angiospérmicas, bem caracterizadas, ocorrem no Barremiano superior-Aptiano inferior (≈ 125 Ma). A excelente preservação destas mesofloras permite comparações detalhadas com plantas da flora moderna, possibilitando estudos taxonómicos, estabelecer relações filogenéticas e conhecer a biologia reprodutora das angiospérmicas do Cretácico, incluindo a evolução da flor e das suas funções e modos de dispersão polínica.

A mesoflora de Torres Vedras (recolhida em depósitos fossilíferos com mesofósseis de angiospérmicas mais antigas de Portugal, situada a NE do Forte da Forca) é muito rica de mesofósseis de angiospérmicas: flores, frutos, sementes, inflorescências e estames dispersos no sedimento. Entre as monocotiledóneas destaca-se o género Mayoa Friis, Pedersen & Crane atribuído à família Araceae e um outro pólen monocolpado, caracterizado por possuir um colpo curto e um teto contínuo, muito semelhante aos pólenes do atual género Acorus L. (Acoraceae). Outros, incluindo Pennipollis, podem ter sido produzidos por angiospérmicas da ordem Alismatales (FIGURA 3 A-B).

A maior parte das estruturas frutíferas da mesoflora de Torres Vedras são pequenas e unicarpelares. Tipicamente, estas estruturas têm uma única semente, embora, também, ocorram frutos com várias sementes.


FIGURA 2. Jazida fossilífera do Cretácico Inferior de Catefica em que se observam níveis argilosos escuros intercalados no seio de arenitos.

Uma das características da rica mesoflora de Torres Vedras é a presença de sementes cujas paredes anticlinais apresentam células tipicamente onduladas muito semelhantes às observadas nas Nymphaeales da flora moderna.

Ocorrem fragmentos de anteras com pólenes in situ e coprólitos com pólenes de um único ou diferentes tipos. A grande maioria dos pólenes são monoaperturados e afins de monocotiledóneas, e talvez, de eumagnolídeas (dicotiledóneas), tais como Piperales. Surgem outras plantas relacionadas com o “grado” ANITA (Amborella, Nymphaeaceae, Illicium, Trimeniaceae e Austrobaileyaceae).

Os vários táxones atribuíveis a Chloranthaceae, incluindo plantas semelhantes a Hedyosmum, muito abundantes na mesoflora de Torres Vedras, também, estão representados pelos pólenes dispersos no sedimento, nomeadamente, por Asteropollis, que podem corresponder a plantas polinizadas pelo vento.

A ocorrência de coprólitos ricos de pólenes, incluindo Clavatipollenites (Couper), sugere que algumas plantas do Barremiano superior-Aptiano inferior eram visitadas por insetos.

Apenas são conhecidos dois tipos de pólenes tricolpados que evidenciam a presença de eudicotiledóneas na mesoflora de Torres Vedras.

Muitos dos pólenes de angiospérmicas observados in situ não ocorrem dispersos no sedimento. Talvez sejam de plantas polinizadas por insetos, com baixa produção polínica, com distribuição limitada. Foram reconhecidos muitos pólenes dispersos no sedimento atribuíveis a dois tipos de Retimonocolpites (FIGURA 3 C-D). São frequentes a partir do Hauteriviano e eram produzidos por diferentes tipos de plantas. As afinidades sistemáticas de muitos destes pólenes permanecem incertas. No entanto, alguns eram produzidos, provavelmente, por monocotiledóneas e foram documentados em inflorescências de aráceas.


FIGURA 3. Imagens de microscopia eletrónica de varrimento de pólenes de angiospérmicas. A-B – Cluster de pólenes de tipo Pennipollis do Cretácico Inferior de Torres Vedras. C-D – Grãos de pólen de tipo Retimonocolpites do Cretácico Inferior do Juncal. Escala: A – 20 µm; B – 10 µm; C – 25 µm; D – 10 µm.

Numa das mesofloras de Juncal foi identificada e descrita, pela primeira vez na Europa, uma flor da família Lardizabalaceae (Ranunculales) – Kajanthus lusitanicus Mendes, Grimm, Pais & Friis. Trata-se de flor bissexual, actinomórfica (simetria radial), com pólenes tricolpados in situ, próxima de Sinofranchetia (Diels) Hemsley endémica na China. Foram igualmente descritas três novas espécies do novo género Canrightiopsis Friis, Grimm, Mendes & Pedersen de frutos com pólenes de tipo Clavatipollenites. Corresponde a género em posição evolutiva intermédia entre o género fóssil Canrigthia Friis & Pedersen e os géneros atuais Ascarina Frost & Frost, Sarcandra Swartz e Chloranthus Swartz. Recentemente, foi descrita nova flor bissexual, actinomórfica e com ovário semi-inferior atribuível ao género Saportanthus Friis, Crane & Pedersen. Estas flores são comuns na mesoflora de Catefica e apresentam conjunto de caracteres que sugere estreita relação com as Laurales da flora moderna.

As floras do Cretácico Superior são caracterizadas pela rápida diversificação das eudicotiledóneas nucleares que passam a dominar a partir do Cenomaniano. Os Normapolles (Fagales) são particularmente abundantes e característicos das floras ibéricas. Foram descritas flores com Normapolles associados nas mesofloras de Mira e de Esgueira, embora os táxones de Normapolles não sejam dominantes. As plantas produtoras de Normapolles têm características (morfologia, dimensões) que mostram que eram polinizadas pelo vento. Deviam ser pequenas árvores, crescendo em espaços abertos, num ambiente com frequentes fogos florestais sob clima sazonalmente seco.


FIGURA 4. Imagens de microscopia eletrónica de varrimento. A- Fruto de Canrightiopsis dinisii do Cretácico Inferior do Juncal no qual de observa área estigmática pronunciada e circular. B- Área estigmática de Canrightiopsis dinisii com grãos de pólen envolvidos em substância amorfa. C- Flor de Kajanthus lusitanicus do Cretácico Inferior da jazida de Chicalhão (Juncal) em que se observam restos do perianto, estames e carpelos. D- Pólenes tricolpados observados in situ. E-F- Flor de Saportanthus parvus do Cretácico Inferior da jazida de Catefica em que se observa o perianto indiferenciado. Escala: A – 500 µm; B – 50 µm; C – 250 µm; D – 20 µm; E – 1 mm; F – 500 µm.

A sucessão das mesofloras do Cretácico Inferior do Grupo de Potomac e do Cretácico Superior de outras regiões têm padrão semelhante ao das associações portuguesas. Há táxones comuns no Cretácico Inferior de Portugal e dos Estados Unidos da América. Todavia, no Cretácico Superior, parece haver divergência na composição das floras de cada lado do Atlântico, o que reflete a diferenciação geográfica que prosseguiu no Cenozoico.

Existem, também, diferenças significativas entre as floras portuguesas e as do Centro e Norte da Europa de acordo com o registo dos conjuntos polínicos e provavelmente dos ambientes e zonação climática.