FIGURA 1. Pêndulo de Foucault no Departamento de Física da Universidade de Coimbra.

O pêndulo também pode ser posto a rodar em torno da vertical, um movimento que tantas vezes observamos quando, distraidamente, fazemos girar as chaves de casa ou do automóvel suspensas por uma fina corrente. Estes dois tipos de movimento - oscilação e rotação - correspondem aos dois graus de liberdade que o pêndulo apresenta, por exemplo, o ângulo θ que o fio faz com a vertical e o ângulo ϕ que o plano do pêndulo, definido pelo fio e pela vertical passando pelo ponto de sustentação, faz com um outro plano vertical fixo. Estes dois movimentos só em situações simples se apresentam separados - no caso geral, eles interferem mutuamente originando uma riqueza de comportamentos que nos surpreende.

Se a Terra não rodasse, um pêndulo manteria invariante (i.e., imóvel) o seu plano de oscilação. Mas a Terra roda, o que torna o movimento do pêndulo ainda mais interessante porque somos obrigados a considerar a força de Coriolis originada por a Terra não ser um referencial inercial. Uma imediata consequência deste facto é a rotação do plano do pêndulo. Este pêndulo de Foucault, como passou a ser conhecido, permite-nos determinar a latitude do lugar onde o pêndulo se situa.

É interessante observar que o movimento do pêndulo é inteiramente equivalente ao movimento de uma pequena esfera rígida na superfície interior de uma esfera oca, de raio igual ao comprimento do fio.

Neste artigo, é apresentada a análise genérica, mas detalhada, do movimento do pêndulo simples, ignorando, primeiro, a rotação da Terra, para, depois, se estudar o pêndulo de Foucault.


Descrição mecânica

A FIGURA 2 mostra a caracterização dos dois graus de liberdade do pêndulo e as forças que sobre ele atuam. Consideramos um sistema tri-rectangular de eixos Oxyz com origem no ponto de suspensão, eixo z vertical. Este eixo e o fio, de comprimento ℓ, definem o plano do pêndulo e permitem a sua caracterização mecânica através dos ângulos θ que o fio faz com a vertical e ϕ que o plano do pêndulo faz com um outro plano vertical fixo, contendo a origem (na figura, o plano x,z). Indicamos, também, as forças que se fazem sentir sobre a massa m presa na extremidade livre do fio: o seu peso, mg, vertical e a tensão τ exercida pelo fio. Daqui resulta uma imediata e importante consequência: o fio pode puxar a massa, mas não a pode empurrar, pelo que:


τ0            (1)


Se esta condição não se verificar, o fio deixa de estar esticado e o movimento tem que passar a incluir a distância à origem como uma nova variável dinâmica, i.e., o sistema terá três graus de liberdade.


FIGURA 2.

Posto isto, a lei fundamental da dinâmica escreve-se:


ma=mg+τ            (2)


Note-se que a energia mecânica conserva-se: o peso deriva de um potencial e a tensão não realiza trabalho, com o fio esticado, e desaparece se ele deixar de estar esticado. Há três incógnitas no problema: os dois ângulos θ e ϕ e a tensão τ. É conveniente usarmos uma base local definida por três versares ortonormados (FIGURA 3):


FIGURA 3.

er: aponta da origem para a massa

eϕ: perpendicular ao plano do pêndulo, com o sentido em que ϕ cresce

eθ: no plano do pêndulo, perpendicular ao eixo, com o sentido em que θ cresce

O conjunto (er, eϕ, eθ), nesta ordem, forma um referencial


direto:


er×eϕ=eθ            (3)


Da figura, obtém-se facilmente as componentes cartesianas destes versares:


er=(sen θ cos ϕ,sen θ sen ϕ,cos θ)

eθ=(cos θ cos ϕ,cos θ sen ϕ,sen θ)=erθ

eϕ=(sen ϕ,cos ϕ,0)


Posto isto, partindo do vector de posição da massa:


r=er            (4)


obtemos a expressão da velocidade derivando em ordem ao tempo:


v=derdt=[erθθ.+erϕϕ.]=[θ.eθ+ϕ. sen θ eϕ]            (5)


e, com um pouco mais de trabalho, a sua aceleração:


a=[(˙θ2+˙ϕ2sen2θ)er+(¨θ˙ϕ2sen θ cos θ) eθ+(2 ˙ϕ˙θ cos θ + ¨ϕ sen θ)eϕ]            (6)


Notando que τ=τer e g=g ez=g (sen θ eθcos θ er), podemos reescrever as eqs. (2) sob a forma das três seguintes equações para as suas componentes na base local:


m [˙θ2+˙ϕ2 sen2θ]=τ+mg cos θ             (7a)

m [¨θ+˙ϕ2 sen θ cos θ]=mg sen θ            (7b)

m [2 ˙ϕ˙θ cos θ +¨ϕ sen θ]=0            (7c)


Esta última equação reescreve-se como:


1sen θddt(˙ϕ sen2 θ)=0


Encontramos, assim, um integral primeiro:


˙ϕsen2θ= constante            (8)


Qual a origem física deste resultado? Observando a FIGURA 1, vemos que, se se considerar o momento das forças com pólo na origem, apenas o peso contribui, sendo, pois nula, a sua projeção vertical. Então, pelo teorema dos momentos cinéticas, deverá ser constante a componente Lz . Ora:


L=r × (m v)=m2[˙θ eϕ +˙ϕ sen θ eθ]            (9)


Assim, introduzindo as componentes cartesianas dos versores eθ e eϕ, obtemos:


Lz=m 2 ˙ϕ sen2 θ= constante


o que justifica a eq. (8).

Este sistema também conserva a energia mecânica: a tensão do fio não realiza trabalho e o peso deriva de uma energia potencial. Ora, a energia mecânica é:


E=12mv2 + mgz=12m 2 (˙θ2 + ˙ϕ2 sen2 θ)mg cos θ             (10)

dEdt=0m 2 ˙θ (¨θ +˙ϕ2 sen θ cos θ) + m 2 ˙ϕ ¨ϕ sen2 θ+mg ˙θ sen θ=0


Eliminando ¨ϕ pela eq. (7c), e simplificando o resultado, obtemos a eq. (7b).

Estes dois resultados mostram que as equações do movimento (7b) e (7c) são equivalentes, respetivamente, às conservações da energia mecânica e da componente vertical do momento cinético. Poderiamos, até, partir destas leis de conservação para deduzir rapidamente as equações do movimento. Não obteríamos, contudo, a eq. (7a) que fornece a tensão do fio, submetida à desigualdade expressa na eq. (1). É precisamente daqui que decorre uma grande riqueza de comportamentos do pêndulo como, a seguir, se analisa com alguns casos particulares.


a) Solução θθ0= constante 0 (θ0=0 não corresponde a qualquer movimento!)


A eq. (7c) dá:


¨ϕ sen θ0=0  ¨ϕ=0


O pêndulo executa uma rotação circular em torno da vertical. Mas nem todas as configurações para tais rotações são possíveis; de facto, a eq. (7a) mostra que:


τm=g cos θ0 +˙ϕ2 sen2 θ0=g (cos θ0+sen2 θ0cos θ0)=gcos θ0


onde se usou a eq. (7b) para eliminar ˙ϕ2. Assim, a condição (1) exige:


τ0θ0π2


A FIGURA 4 exibe este movimento para o qual ˙ϕ2=gl cos θ0.


FIGURA 4.

Que aconteceria se tentássemos fazer rodar o pêndulo acima do plano horizontal passando pelo ponto de suspensão, i.e., θ0>π2 ? A eq. (1) seria violada: o fio não permaneceria esticado e a massa “cairia” para o interior da esfera imaginária, de centro naquele ponto e raio l, o que nos obrigaria a discutir o movimento subsequente com mais um grau de liberdade (a distância à origem).


b) Solução ϕ  ϕ0= constante Lz=0


Agora, o plano do pêndulo é invariante, mas diversos comportamentos dinâmicos são possíveis, dependendo das condições iniciais. Reescrevamos as equações básicas sob a forma:


τml=ω20 cos θ +˙θ20

¨θ+ω20 sen θ=0E=m2(˙θ22ω20 cos θ)


onde:


ω20gl            (11)


   (i) Para oscilações de pequena amplitude (θ<<1), é sempre τ>0 e a equação de movimento reduz-se à equação de um oscilador harmónico de frequência natural ω0:


¨θ+ω20 θ=0            (12)


Trata-se de um movimento oscilatório com aquela frequência.

   (ii) Consideremos, agora as seguintes condições iniciais:


˙θ(0)=0          θ(0)=θ00


O pêndulo é largado com velocidade nula na posição θ0, mas esta não pode ser qualquer porque o valor inicial da tensão, τ(0)=ml ω20 cos θ0, exige θ0π2 o pêndulo não pode ser largado acima do plano horizontal passando pela origem. Uma vez assegurada esta condição, a conservação da energia mecânica dá, imediatamente, a velocidade:


˙θ22=2 ω20(cos θ  cos θ0)


Assim, a oscilação dá-se no intervalo θ0θθ0, como se representa na FIGURA 5.


FIGURA 5.

   (ii) Analisemos, agora, o que se passa com as condições iniciais:



˙θ(0)=˙θ00          θ(0)=0


Tal corresponde a dar um impulso ao pêndulo quando este se encontra na posição de equilíbrio. Da conservação da energia mecânica resulta:


˙θ2=˙θ202 ω20 (1cos θ)            (13a)


Há várias hipóteses a considerar devido à condição sobre a tensão do fio:


τml=˙θ2ω20 (23cos θ)            (13b)


1ª Se ˙θ205 ω20 o pêndulo gira no plano vertical, efetuando um movimento circular (FIGURA 6). Com efeito, mesmo para θ=π, é τ0 , tendo o pêndulo velocidade no seu ponto mais alto: ˙θ2=˙θ204 ω20 para θ=π. Trata-se, pois, de um rotação do pêndulo.


FIGURA 6.

2ª Se 2 ω20 < ˙θ20 < 5 ω20, o movimento pendular não é possível porque a tensão anula-se numa posição θ na qual o pêndulo ainda se move.

Com efeito, θ, para o qual é τ=0, é determinado por cos θ=13(2˙θ20ω02), vindo θ real para ˙θ20 no intervalo considerado. Mas, nesse ponto, é: ˙θ2=13(˙θ202  ω20)>0. O anulamento da tensão, com o pêndulo ainda em movimento, significa que o fio deixa de estar esticado e a massa “cai” para o interior da esfera de raio l, passando a ter de ser descrito com os três graus de liberdade já referidos.


3ª Se 0θ.202 ω20, o pêndulo executa um movimento oscilatório situado no intervalo θMθθM, onde θM é o ponto onde se anula a velocidade, i.e.,


cos θM=1˙θ202ω200    0<θMπ2


Nesse ponto, a tensão é não negativa:


τml=ω20 cos θM0


Este caso contem, evidentemente, as pequenas oscilações atrás tratadas.



O pêndulo de Foucault

Qual o efeito da rotação da Terra no movimento de um pêndulo? Para um observador terrestre, somos obrigados a considerar as forças inerciais, destas, a única que importa é a força de Coriolis:


Fc=2m ωT ×v            (14)


onde ωT é o vector rotação instantânea da Terra (Com efeito, a rotação da Terra pode ser considerada uniforme e com eixo fixo em escalas de tempo da ordem de milhares de anos; os outros termos das forças inerciais, exceto Coriolis adicionam a força centrífuga à força da gravidade, originando a definição de g e a sua dependência na latitude). Vemos já, embora qualitativamente, que o plano de oscilação de um pêndulo não é mais invariante: a força de Coriolis, perpendicular à velocidade, obriga este plano a rodar. Procedamos à análise quantitativa considerando o caso habitual de pequenas oscilações, o que nos irá garantir que o fio permanece tenso. Para isso, é conveniente considerar, agora, um referencial cartesiano com origem no ponto de suspenção do pêndulo e com os eixos assim definidos (FIGURA 7):


FIGURA 7.

eixo z: vertical do lugar (dirigido para cima)

eixo y: tangente ao meridiano do lugar, apontando para Norte

eixo x: tangente ao paralelo do lugar, apontando para Este.


Deste modo, o vector ωT situa-se no plano (yz) fazendo um ângulo λ (latitude do lugar) com o eixo y.

Para a análise do movimento, basta-nos estudar a evolução do momento cinético:


dLdt=M=r × (mg)2mr × (ωT × v)=r ×(mg)+2m rωT v


onde se atendeu a que rv=0 (fio permanece esticado). Usando a expressão do momento cinético atrás obtida, eq. 9, é imediato escrever as equações do movimento:


¨θ˙ϕ2 sen θ cos θ=ω20 sen θ2 (erωT) ˙ϕ sen θ            (15a)

2 ˙ϕ ˙θ cos θ + ¨ϕ sen θ=2 (erωT) ˙θ            (15b)


estas equações generalizam as eqs. (7b) e (7c) ao incluírem os efeitos da rotação da Terra.


Ora, ωT tem as componentes cartesianas ωT=ωT (0,cos λ,sen λ), pelo que:



er ωT=ωT (cos λ sen θ cos ϕ sen λ cos θ)


Para pequenas amplitudes de oscilação do pêndulo (θ<<1), vem:


er ωT ωT sen λ


pelo que a eq. (15b) admite a solução:


ϕ.= ωT sen λ = constante             (16)


(Para uma dedução mais simplificada deste resultado, ver “Pêndulo de Foucault”)
Quer dizer, o plano do pêndulo roda, em torno da vertical, no sentido dos ponteiros do relógio no hemisfério Norte (λ>0) e no sentido contrário no hemisfério Sul (λ<0). Esta rotação é uniforme e informa diretamente sobre a latitude do lugar, como se mostra na FIGURA 8.


FIGURA 8. As primeiras oscilações do pêndulo, para os seguintes dados: Para os seguintes dados: λ = 42º N; ωT/ω0=5×103; posição inicial x=1, y=0.

Finalmente, a eq. (15a) mostra que o período de oscilação do pêndulo é alterado:


ω0            ˙ϕ2+ω20


Porém, esta alteração é, praticamente, impercetível para as condições experimentais habituais ( ω0>>ωT).


Tem interesse, neste contexto, analisar o valor de ωT. Como a Terra efetua uma rotação completa em 24h, poder-se-ia pensar que ωT2π24×3600s1.Mas não é assim! Com efeito, um dia, i.e., 24 h é o tempo que decorre, para um observador na Terra, para o mesmo ponto do planeta se encontrar alinhado com o Sol. Mas, durante esse tempo, a Terra também se deslocou no seu movimento de translação em torno do Sol, que também é uma rotação. Para simplificar, aceitemos que este movimento é circular uniforme, realizando-se no mesmo sentido que a rotação da Terra (FIGURA 8). Então, ao fim de 24 h, a Terra rodou um pouco mais que 2π e este excesso acumula-se exatamente em 2π ao fim de um ano, quando a Terra regressa à sua posição inicial. Quer dizer, para um observador no Sol, considerado como observador inercial para quem ωT é definido, a Terra rodou 366 vezes no tempo correspondente a 365 dias terrestres, i.e., 366365 vezes po dia terrestre, pelo que:


ωT2π24×3600×366365s17.3×105 s1


FIGURA 9. Em 24h, a Terra não só rodou em torno do seu eixo como rodou, ligeiramente, em torno do Sol.