A fórmula de Planck
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- Universidade do Porto
Referência Lage, E., (2020) A fórmula de Planck, Rev. Ciência Elem., V8(4):057
DOI http://doi.org/10.24927/rce2020.057
Palavras-chave radiação térmica, intensidade espectral, corpo negro, Boltzmann, Planck
Resumo
O estudo da radiação térmica foi iniciado por Kirchhoff (1860) que introduziu dois conceitos fundamentais: a intensidade espectral – a energia transportada, em cada segundo, por radiação com uma dada frequência ν em equilíbrio térmico com matéria à temperatura absoluta T - que provou só depender da frequência e da temperatura, Iν(T), e a noção de corpo negro, um corpo ideal que absorve toda a radiação que nele incida. A determinação desta intensidade Iν(T) foi um problema central da Física, teórica e experimental, durante toda a segunda metade do séc. XIX. Boltzmann (1884) mostrou que a intensidade total da radiação emitida por um corpo negro é proporcional a T4, e Wien (1893) reduziu a intensidade espectral à forma Iν(T)=ν3f(νT). Todas as tentativas para encontrar esta função universal f, dentro das teorias clássicas, mostrar-se-iam não só infrutíferas como conduziam a resultados em desacordo com dados experimentais e absurdos tais como a catástrofe ultravioleta. A resolução definitiva destes problemas seria encontrada por Planck (1900) com a introdução de conceitos sem qualquer cabimento em teorias clássicas, inaugurando, dessa forma, a moderna teoria quântica.
A teoria da radiação térmica tinha aberto, em 1900, uma profunda crise na Física Clássica. Havia, por um lado, resultados que se deveriam considerar exactos como a lei de Wien para a intensidade espectral da radiação emitida por um corpo negro, à temperatura absoluta T:
Iν=ν3f(νT) (1)
A intensidade espectral é a energia transportada, em cada segundo, pelas ondas eletromagnéticas, de frequência ν, que constituem a radiação e, na eq. (1), a função f(x) era desconhecida. Não obstante, esta expressão para a intensidade espectral reproduzia a lei de Stefan-Boltzmann: a intensidade total radiada por um corpo negro é proporcional T4, um resultado verificado experimentalmente numa ampla gama de temperaturas. E também originava a lei de deslocamento de Wien: o máximo da intensidade radiada ocorre para uma frequência proporcional à temperatura absoluta. A referida crise situava-se na determinação da função f(x) quando se usavam modelos realistas, embora simplificados, para o átomo considerado como um oscilador harmónico capaz de emitir e absorver radiação. Relembremos dois importantes resultados obtidos para a densidade espectral de energia, i.e., a energia eletromagnética, por unidade de volume, associada com as ondas de frequência ν:
uν(T)=4πcIν(T)=4πcν3f(νT) (2)
1º: A fórmula de Wien que parecia ajustar-se bem aos resultados experimentais para “altas” frequências:
uν(T)∝ν3e−bνT
onde b é uma constante ajustável.
2º: A relação de Planck entre a densidade espectral e a energia média ⟨E⟩, de um oscilador harmónico que troca energia com o campo de radiação:
uν=8πν2c3⟨E⟩ (3)
Este último resultado origina a fórmula de Rayleigh-Jeans e a consequente catástrofe ultravioleta se usarmos ⟨E⟩=kBT como determinado pela Física Estatística Clássica: a radiação seria tanto mais intensa quanto maior a sua frequência sem limite superior!
Em Outubro 1900, Planck toma conhecimento dos resultados de dois grupos experimentais, em Berlim, que parecem indicar que a expressão de Wien se aproxima da previsão de Rayleigh-Jeans para “baixas” frequências. Perante estes dois limites, Planck encontra uma fórmula de interpolação que se ajusta com perfeição a todos os resultados experimentais,
uν(T)=8πc3ν3ehνkBT−1, (4)
surgindo, aqui, h como uma verdadeira constante, embora de valor desconhecido, mas que serve para definir o que são “altas” temperaturas ou “baixas” frequências, antes referidas: hνkBT≪1. Mas qual o significado físico desta fórmula que tão bem se ajusta aos dados experimentais? Usando a eq. (3), obtemos o valor médio da energia de um oscilador mecânico:
⟨E⟩=hνehνkBT−1 (5)
Suponhamos, agora que temos N≫1 destes osciladores – a energia média desta coleção é:
U=N⟨E⟩=NhνehνkBT−1
Os osciladores trocam energia através da radiação – mas o acoplamento é feito através da carga do eletrão, quantidade suficientemente pequena para a podermos ignorar (ela não aparece na fórmula anterior) e, assim, podemos considerar o sistema de osciladores como estando praticamente isolado, com aquela energia U. Qual a entropia desta coleção de osciladores? Sabemos que ∂S∂U=1T; assim, eliminando T através da expressão da energia U e integrando, obtemos:
S(U,N)=kB[(N+Uhν)log(N+Uhν)−Uhνlog(Uhν)−NlogN] (6)
[O último termo nesta expressão, embora irrelevante para o que se segue, é metido “à mão” para garantir a extensibilidade da entropia: S(xU,xN)=xS(U,N) para qualquer x>0]
Passou, então, a ser este o problema de Planck: como obter esta entropia? Para o resolver, Planck vai socorrer-se da interpretação estatística de Boltzmann (que antes não aceitava): a entropia é o logaritmo (multiplicado pela constante de Boltzmann) do número de maneiras de distribuir a energia U pelos N osciladores. E faz duas hipóteses, ambas ao arrepio de qualquer interpretação clássica. Primeiro, admite que a energia U é constituída por um certo número (n) de elementos finitos de energia (ε), todos iguais (pelo que U=nε), a que Planck deu o nome de elemento de energia (mais tarde, chamou-lhe “quantum” de energia). Isto é, Planck considera a energia disponível como se tivesse uma “estrutura atómica”, atribuindo a cada oscilador um certo número destes “átomos de energia” [O leitor não deixará de notar o “desespero” a que Planck chegara – ele tinha sérias reservas à teoria atómica da matéria!]. Segundo, embora os osciladores sejam distinguíveis, estes elementos de energia são indistinguíveis, um conceito totalmente inexistente na Física Clássica. Então, o número de maneiras de distribuir os n elementos de energia pelos N osciladores é:
WN=(N+n−1)!n!(N−1)!
[Este é o número de maneiras de distribuir n pontos idênticos por N caixas contíguas – cada estado possível é obtido permutando os n pontos e as N−1 paredes que dividem, internamente, as caixas, não contando como distintos quer as permutações dos pontos entre si, quer as permutações dessas paredes]. Considere-se, agora, que N e n são números grandes; usando a fórmula de Stirling para calcular o logaritmo de WN e eliminar n em favor de U , obtém-se:
SkB=(N+Uε)log(N+Uε)−UεlogUε−NlogN
Comparando com a expressão obtida para a entropia dos osciladores, eq. (6), vemos que deve ser:
ε=hν (7)
Quer dizer, cada oscilador só pode ter a energia 0,hν,2hν,...,nhν,... - tal é a hipótese de Planck que não encontra qualquer explicação na Física Clássica mas que se ajusta perfeitamente aos resultados experimentais relativos à intensidade espectral de um corpo negro!
A FIGURA 1 compara as expressões para a intensidade espectral obtidas por Wien, Rayleigh-Jeans e Planck. A FIGURA 2 exibe o perfeito ajuste da intensidade espectral de Planck aos resultados experimentais obtidos em 1900. E a FIGURA 3 mostra o perfeito acordo da intensidade da radiação cósmica de fundo com a fórmula de Planck para uma temperatura T=2,74K.



Mas como determinar a constante de Planck? Relembrando a eq. (4), obtemos a forma definitiva da intensidade espectral:
Iν(T)=c4πuν(T)=2c2hν3ehνkBT−1 (8)
Planck tem a sua disposição dois resultados que lhe permitem calcular as constantes h e kB, nomeadamente, a constante de Stefan-Boltzmann e a lei de deslocamento de Wien). Obtém
h=6,55×10−34 Js (hoje, aceita-se 6,63×10−34 Js),
que passou a ser conhecida por constante de Planck; e
kB=1,34×10−23J/K (hoje, aceita-se 1,38×10−23 J/K).
A partir deste valor da constante de Boltzmann, Planck determina o número de Avogadro e, usando a constante de Faraday (F=96,500C), deduz a carga do eletrão qe=−1,56×10−19C (hoje, aceita-se 1,60×10−19C). Esta observação é importante: em 1897, apenas 3 anos antes, Thomson encontrara qe=−2,16×10−19C para a carga do eletrão. Só em 1908, com a determinação, por Rutherford, da carga de uma partícula α se tornou notório como era excelente o resultado de Planck.
Apesar destes excelentes resultados, apresentados em Dezembro de 1900, a hipótese de Planck foi encarada, apenas, como uma habilidade matemática, pouco convincente como teoria física. Teria que se aguardar por 1905, quando Einstein usa a teoria de Planck para conceber o “quantum” de luz, e por 1913, quando Bohr incorpora o quantum no seu modelo atómico. Cada um destes desenvolvimentos merece um tratamento próprio a considerar em futuras publicações.
Referências
- 1 LAGE, E. A radiação térmica, Rev. Ciência Elem., V8(3):032. (2020). DOI: 10.24927/rce2020.032.
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