A teoria da radiação térmica tinha aberto, em 1900, uma profunda crise na Física Clássica. Havia, por um lado, resultados que se deveriam considerar exactos como a lei de Wien para a intensidade espectral da radiação emitida por um corpo negro, à temperatura absoluta T:


Iν=ν3f(νT) (1)


A intensidade espectral é a energia transportada, em cada segundo, pelas ondas eletromagnéticas, de frequência ν, que constituem a radiação e, na eq. (1), a função f(x) era desconhecida. Não obstante, esta expressão para a intensidade espectral reproduzia a lei de Stefan-Boltzmann: a intensidade total radiada por um corpo negro é proporcional T4, um resultado verificado experimentalmente numa ampla gama de temperaturas. E também originava a lei de deslocamento de Wien: o máximo da intensidade radiada ocorre para uma frequência proporcional à temperatura absoluta. A referida crise situava-se na determinação da função f(x) quando se usavam modelos realistas, embora simplificados, para o átomo considerado como um oscilador harmónico capaz de emitir e absorver radiação. Relembremos dois importantes resultados obtidos para a densidade espectral de energia, i.e., a energia eletromagnética, por unidade de volume, associada com as ondas de frequência ν:


uν(T)=4πcIν(T)=4πcν3f(νT) (2)


1º: A fórmula de Wien que parecia ajustar-se bem aos resultados experimentais para “altas” frequências:


uν(T)ν3ebνT


onde b é uma constante ajustável.

2º: A relação de Planck entre a densidade espectral e a energia média E, de um oscilador harmónico que troca energia com o campo de radiação:


uν=8πν2c3E (3)


Este último resultado origina a fórmula de Rayleigh-Jeans e a consequente catástrofe ultravioleta se usarmos E=kBT como determinado pela Física Estatística Clássica: a radiação seria tanto mais intensa quanto maior a sua frequência sem limite superior!

Em Outubro 1900, Planck toma conhecimento dos resultados de dois grupos experimentais, em Berlim, que parecem indicar que a expressão de Wien se aproxima da previsão de Rayleigh-Jeans para “baixas” frequências. Perante estes dois limites, Planck encontra uma fórmula de interpolação que se ajusta com perfeição a todos os resultados experimentais,


uν(T)=8πc3ν3ehνkBT1, (4)


surgindo, aqui, h como uma verdadeira constante, embora de valor desconhecido, mas que serve para definir o que são “altas” temperaturas ou “baixas” frequências, antes referidas: hνkBT1. Mas qual o significado físico desta fórmula que tão bem se ajusta aos dados experimentais? Usando a eq. (3), obtemos o valor médio da energia de um oscilador mecânico:


E=hνehνkBT1 (5)


Suponhamos, agora que temos N1 destes osciladores – a energia média desta coleção é:


U=NE=NhνehνkBT1


Os osciladores trocam energia através da radiação – mas o acoplamento é feito através da carga do eletrão, quantidade suficientemente pequena para a podermos ignorar (ela não aparece na fórmula anterior) e, assim, podemos considerar o sistema de osciladores como estando praticamente isolado, com aquela energia U. Qual a entropia desta coleção de osciladores? Sabemos que SU=1T; assim, eliminando T através da expressão da energia U e integrando, obtemos:


S(U,N)=kB[(N+Uhν)log(N+Uhν)Uhνlog(Uhν)NlogN] (6)


[O último termo nesta expressão, embora irrelevante para o que se segue, é metido “à mão” para garantir a extensibilidade da entropia: S(xU,xN)=xS(U,N) para qualquer x>0]

Passou, então, a ser este o problema de Planck: como obter esta entropia? Para o resolver, Planck vai socorrer-se da interpretação estatística de Boltzmann (que antes não aceitava): a entropia é o logaritmo (multiplicado pela constante de Boltzmann) do número de maneiras de distribuir a energia U pelos N osciladores. E faz duas hipóteses, ambas ao arrepio de qualquer interpretação clássica. Primeiro, admite que a energia U é constituída por um certo número (n) de elementos finitos de energia (ε), todos iguais (pelo que U=nε), a que Planck deu o nome de elemento de energia (mais tarde, chamou-lhe “quantum” de energia). Isto é, Planck considera a energia disponível como se tivesse uma “estrutura atómica”, atribuindo a cada oscilador um certo número destes “átomos de energia” [O leitor não deixará de notar o “desespero” a que Planck chegara – ele tinha sérias reservas à teoria atómica da matéria!]. Segundo, embora os osciladores sejam distinguíveis, estes elementos de energia são indistinguíveis, um conceito totalmente inexistente na Física Clássica. Então, o número de maneiras de distribuir os n elementos de energia pelos N osciladores é:


WN=(N+n1)!n!(N1)!


[Este é o número de maneiras de distribuir n pontos idênticos por N caixas contíguas – cada estado possível é obtido permutando os n pontos e as N1 paredes que dividem, internamente, as caixas, não contando como distintos quer as permutações dos pontos entre si, quer as permutações dessas paredes]. Considere-se, agora, que N e n são números grandes; usando a fórmula de Stirling para calcular o logaritmo de WN e eliminar n em favor de U , obtém-se:


SkB=(N+Uε)log(N+Uε)UεlogUεNlogN


Comparando com a expressão obtida para a entropia dos osciladores, eq. (6), vemos que deve ser:


ε=hν (7)


Quer dizer, cada oscilador só pode ter a energia 0,hν,2hν,...,nhν,... - tal é a hipótese de Planck que não encontra qualquer explicação na Física Clássica mas que se ajusta perfeitamente aos resultados experimentais relativos à intensidade espectral de um corpo negro!

A FIGURA 1 compara as expressões para a intensidade espectral obtidas por Wien, Rayleigh-Jeans e Planck. A FIGURA 2 exibe o perfeito ajuste da intensidade espectral de Planck aos resultados experimentais obtidos em 1900. E a FIGURA 3 mostra o perfeito acordo da intensidade da radiação cósmica de fundo com a fórmula de Planck para uma temperatura T=2,74K.


FIGURA 1. Comparação da intensidade espectral para três teorias.


FIGURA 2. O acordo da fórmula de Planck com resultados experimentais para várias temperaturas.


FIGURA 3. Ajuste do espectro da radiação cósmica de fundo à fórmula de Planck para T=2,74K.

Mas como determinar a constante de Planck? Relembrando a eq. (4), obtemos a forma definitiva da intensidade espectral:


Iν(T)=c4πuν(T)=2c2hν3ehνkBT1 (8)


Planck tem a sua disposição dois resultados que lhe permitem calcular as constantes h e kB, nomeadamente, a constante de Stefan-Boltzmann e a lei de deslocamento de Wien). Obtém


h=6,55×1034 Js (hoje, aceita-se 6,63×1034 Js),


que passou a ser conhecida por constante de Planck; e


kB=1,34×1023J/K (hoje, aceita-se 1,38×1023 J/K).


A partir deste valor da constante de Boltzmann, Planck determina o número de Avogadro e, usando a constante de Faraday (F=96,500C), deduz a carga do eletrão qe=1,56×1019C (hoje, aceita-se 1,60×1019C). Esta observação é importante: em 1897, apenas 3 anos antes, Thomson encontrara qe=2,16×1019C para a carga do eletrão. Só em 1908, com a determinação, por Rutherford, da carga de uma partícula α se tornou notório como era excelente o resultado de Planck.

Apesar destes excelentes resultados, apresentados em Dezembro de 1900, a hipótese de Planck foi encarada, apenas, como uma habilidade matemática, pouco convincente como teoria física. Teria que se aguardar por 1905, quando Einstein usa a teoria de Planck para conceber o “quantum” de luz, e por 1913, quando Bohr incorpora o quantum no seu modelo atómico. Cada um destes desenvolvimentos merece um tratamento próprio a considerar em futuras publicações.