O oscilador harmónico
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- Universidade do Porto
Referência Lage, E., (2019) O oscilador harmónico, Rev. Ciência Elem., V7(2):033
DOI http://doi.org/10.24927/rce2019.033
Palavras-chave oscilador harmónico; ondas; Física; teoria da elasticidade;
Resumo
O oscilador harmónico está omnipresente em Física porque é um modelo simples para fenómenos simplesmente periódicos. Aqui é estudado como objeto mecânico, o que permitirá estender muitas dos resultados ao eletromagnetismo, teoria da elasticidade, dinâmica de fluidos e, mais genericamente, ao estudo de ondas.
O oscilador harmónico é o dispositivo mais simples capaz de exibir um fenómeno periódico, ainda mais simples que um pêndulo, pois que este àquele se reduz para pequenas amplitudes de oscilação. Experimentalmente, é fácil construir um oscilador: uma mola suspensa verticalmente, presa no extremo superior e tendo uma pequena massa agarrada à extremidade inferior, como se exibe na FIGURA 1. Esticando a mola, aquela massa entra em oscilações periódicas tornando possível estudar e medir muitas das propriedades que, aqui, serão apresentadas.

Mas o oscilador harmónico é, também, um modelo simples para a descrição de muitos fenómenos em Física. Numa molécula diatómica, por exemplo, os átomos interagem através de um potencial que apresenta um mínimo (ver FIGURA 1 em “Equação de estado de van der Waals”), pelo que, para energias ligeiramente superiores ao mínimo, a molécula comporta-se como um oscilador harmónico. E mesmo uma molécula poliatómica pode ser modelizada como uma coleção de osciladores harmónicos, designados por modos normais de vibração, quando a energia mecânica da molécula, soma das energias cinéticas dos seus átomos com as energias de interação entre os átomos, se situa próxima do seu mínimo. O mesmo se passa num sólido que, para os efeitos aqui descritos, pode ser visualizado como uma molécula gigante. Um outro exemplo é um circuito LC, uma bobina e um condensador eletricamente conectados: o condensador descarrega carga e a consequente corrente elétrica induz uma f.e.m. na bobina, originando, assim, uma oscilação harmónica da carga e da corrente, facilmente mensuráveis por um voltímetro e um amperímetro, respetivamente. Outros exemplos surgem do comportamento elástico de materiais: uma barra horizontal, encastrada numa extremidade, apresentará oscilações harmónicas quando posta a vibrar verticalmente; um fio metálico, suspenso na vertical, também oscilará harmonicamente quando é torcido por aplicação de um momento na sua base inferior; e o mesmo fio, preso nas suas extremidades e mantido tenso, é sede de oscilações que se propagam (ver “ Campos”). Estudemos, agora, o oscilador harmónico, considerando, apenas, o caso unidimensional que servirá para apresentar os conceitos e resultados mais fundamentais. Designemos por x=0 a posição de equilíbrio do oscilador; afastada desta origem, a massa m é atuada pela força −kx, onde o sinal exibe claramente que a massa é sempre puxada para a origem, quer quando a mola é esticada (x>0), quer quando é comprimida (x<0). A constante k é conhecida por constante da mola ou, mais geralmente, do oscilador. Se além desta força, designada por harmónica, existir uma força f(t) externamente aplicada ao oscilador, a equação de movimento fica:
md2xdt2=−kx+f(t) (1)
Trata-se de uma equação linear pelo que é válido o princípio da sobreposição: a soma de soluções é, ainda, uma solução. Assim, podemos estudar separadamente vários casos de interesse. Mais adiante, acrescentaremos o efeito do atrito (de Stokes), originando amortecimento, mas mantendo a linearidade da equação. Na ausência de forças externas (f = 0), a solução da eq. (1) exprime-se, simplesmente, à custa de funções trigonométricas:
md2xdt2+kx=0 → x(t)=Acos(ω0t)+Bsen(ω0t) (2)
onde ω0=√km é a frequência (angular) própria do oscilador. As constantes A e B são determinadas pelas condições iniciais: designando por x0 e v0, respetivamente, a posição e velocidade iniciais, obtem-se:
x0≡x(0)=Av0≡˙x(0)=ω0B
Este é o movimento natural do oscilador, i.e., não sujeito a ações externas. Consideremos, agora, o efeito de forças externas. Para isso, torna-se muito mais simples e útil estudarmos o complexo z(t)≡x(t)+iv(t)ω0Se conhecermos z(t), então a sua parte real é a posição atual x(t) e da sua parte imaginária deduzimos a velocidade v(t) do oscilador. Ora:
dzdt=v(t)+iω0dvdt=v(t)+imω0(−kx+f(t))
onde empregamos a eq. (1). Substituindo k=mω20.
dzdt=v(t)−iω0x(t)+imω0f(t)=−iω0z(t)+imω0f(t)
Isto é:
dzdt+iω0z(t)=imω0f(t) (3)
Esta equação é linear, pelo que se aplica o princípio da sobreposição. A solução da equação homogénea é imediata:
dzdt+iω0z(t)=0 → z(t)=z0e−iω0t
onde z0 é uma constante (complexa). Esta solução é o movimento natural, atrás analisado. Para, agora, encontrarmos uma solução particular da eq. (3), basta considerar z(t)=w(t)e−iω0t/ . Substituindo na eq. (3), obtemos:
dwdt=imω0eiω0tf(t) → w(t)=z0+imω0∫t0dt′eiω0t′f(t′)
Assim, a solução geral da eq. (3) escreve-se:
z(t)=z0e−iω0t+imω0∫t0dt′eiω0(t′−t)f(t′) (4)
O complexo z0 é inteiramente determinado pelas condições iniciais:
z0=z(0)=x(0)+iω0v(0)
No que se segue, suporemos z0 = 0, concentrando-nos, pois, apenas no efeito da força aplicada.
- Comecemos por considerar o caso da força exterior constante (f0), aplicada no instante inicial – é designada por força súbita. A solução da eq. (4) é:
z(t)=if0nω0∫t0dt′eiω0(t′−t)=f0mω20(1−e−iω0t)
Assim:
x(t)=Re[z(t)]=f0mω20(1−cos(ω0t))v(t)=Im[z(t)]=f0mω0sen(ω0t)
O oscilador desloca-se harmonicamente entre a origem e a máxima amplitude x=2f0mω20=2fk.
- Um segundo caso de interesse consiste em admitir que a força externa cresce muito lentamente até atingir o valor limite f0− é designada por força adiabática. Uma expressão analítica para tal força é f(t)=f0(1−e−ϵt), onde se considera ϵ→0 no fim dos cálculos, pelo que o tempo para a força atingir o seu valor limite é da ordem de 1ϵ→∞ Inserindo na eq. (4), obtemos:
z(t)=if0mω0∫t0dt′eiω0(t′−t)(1−e−ϵt′)=if0mω0{[1iω0−1iω0−ϵ][1−eiω0t]+1−e−ϵtiω0−ϵ}
Tomando o limite ϵ→0 , vem:
z(t)=f0mω20=f0k
Vemos, assim, que a força adiabática reproduz a ideia de se manter, praticamente, o oscilador sempre em equilíbrio, levando-o até à posição final desejada, x=Re[z(t)]=f0k, com velocidade nula, v(t)=Im[z(t)]=0. Deste modo, o trabalho realizado pela força adiabática aparece como energia potencial elástica, V=12kx2, sendo imediato verificar que a energia mecânica E=12mv2+V(x) se conserva na ausência de forças exteriores.
- Um terceiro exemplo considera a resposta do oscilador a uma força exteriorperiódica, i.e., f(t)=f0cos(ωt). Por resposta, entende-se a solução particular da eq. (3), sendo fácil verificar que tal solução é:
x(t)=f0m(ω20−ω2)cos(ωt) (5)
Este importante resultado aparece em muitos domínios da Física, por exemplo na resposta de um dipólo elétrico a um campo elétrico aplicado; neste contexto, a eq. (5) fornece, diretamente, a suscetibilidade elétrica. Não escapará ao leitor que esta solução apresenta uma divergência quando a frequência da força aplicada ω iguala a frequência própria ω0 do oscilador, situação conhecida por ressonância. Podemos ver o que se passa regressando à eq. (4) para obter a resposta à força f(t)=f0cos(ω0t). Assim:
z(t)=if02mω0∫t0dt′eiω0(t′−t)(eiω0t′+e−iω0t′)=f02mω0(isen(ω0t)ω0+t cos(ω0t))
Assim:
x(t)=f02mω0t sen(ω0t)v(t)f02mω0(sen(ω0t)+t cos(ω0t))
Na ressonância, posição e velocidade cresceriam sem limitações. Na prática, esta divergência não ocorre porque não podemos ignorar efeitos dissipativos tais como uma força de Stokes no meio viscoso onde o oscilador se move. Tal obriga-nos a acrescentar esta força ao 2º membro da eq. (1), que escreveremos sob a forma −mγv, obtendo-se1:
d2xdt2+γdxdt+ω20 x=f(t)m (6)
Procuremos a solução particular para f(t)=f0cos(ωt)=Re[f0eiωt], a qual terá a forma x(t)=Re[a(ω)eiωt]. Obtemos:
a(ω)=f0m1ω20−ω2+iγω (7)
Esta resposta não é mais divergente na ressonância; ela origina uma suscetibilidade complexa nos materiais dielétricos, por exemplo. A FIGURA 2 mostra as partes real e imaginária de α(y)≡mω20f0a(ω), com y≡ωω0, para fraco amortecimento, γω0=0.1. São evidentes os picos acentuados da parte imaginária na ressonância. A figura seguinte exibe as mesmas grandezas na situação de forte amortecimento, γω0=10.

Podemos ver mais claramente a relação entre amortecimento e dissipação da energia fornecida pela força aplicada, analisando como varia a energia mecânica, atrás escrita, ao longo do tempo. Tem-se:
dEdt=mv(d2xdt2+ω20x)
Usando, agora, a eq. (6), obtemos:
dEdt=f(t) v(t)−γmv(t)2
Efetuemos a média desta equação sobre um período da força aplicada. A média do 1º
membro é nula, porque posição e velocidade do oscilador regressam aos mesmos respetivos
valores ao fim de um ciclo. Deste modo, a média da potência da força é igual à energia
dissipada, i.e., ⟨f(t) v(t)⟩=γm⟨(v(t))2⟩.
Ora,
v(t)=dxdt=Re[iω a(ω)eiωt]=ω[Re[a(ω)]sen(ωt)+Im[a(ω)]cos(ωt)]
pelo que ⟨f(t) v(t)⟩=−f0ω2Im[a(ω)]=f202mγω2(ω20−ω2)2+γ2ω2≥0.
Dissipação e parte imaginária da resposta (suscetibilidade) estão, pois, intimamente
relacionadas.
Por último, podemos analisar o comportamento do oscilador, livre de forças externas,
mas sujeito a dissipação, i.e., procurar as soluções da eq. (6) com 2º membro nulo.
Não são necessários cálculos adicionais: se existem soluções com f0 = 0, então, observando
a eq. (7), também deverá ser nulo o denominador no 2º membro desta equação,
obtendo-se, pois, as frequências naturais do oscilador:
ω20−ω2+iγω=0 → ω±ω0=iγ2ω0±√1−(γ2ω0)2
Assim, x(t)=Re[A+eiω+t+A−eiω−t] com as constantes A± determinadas pelas condições iniciais. Para fraco amortecimento, γω0≪1, obtém-se ω±ω0=iγ2ω0±1 que, substituídos em x(t), originam x(t)=e−γt2Re[A+eiω0t+A−eiω0t]: as oscilações, têm a frequência própria, mas amortecem para 0, como se mostra na FIGURA 3.

Para forte amortecimento, γω0≫1, não há qualquer oscilação: ω+≃iγ e ω−≃iω20γ, x(t)=Re[A+e−γt+A−eω20tγ]→t ≫ 1γ Re[A−e−ω20tγ]. A transição de amortecimento fraco para amortecimento forte dá-se para γ=2ω0− é o amortecimento crítico. Neste x(t)=e−γt2[x0+(v0+γx02)t], sendo este o mais rápido decaímento, para a origem, do oscilador, nas mesmas condições iniciais.

A FIGURA 4 resume todos os comportamentos do oscilador livre.
Referências
- 1 FEYNMAN, R.P. et al. The Feynman Lectures on Physics. San Francisco: Pearson/Addison-Wesley ,Vol. 1, section 12-5, 2006. ISBN 0-8053-9049-9
- 2 GOLDSTEIN, H. et al. Classical Mechanics, Addison Wesley 3ª edição, 2001.
- 3 KIBBLE, T. W. B. & BERKSHIRE, F. H. , Classical Mechanics, 1966.
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