As características das sociedades atuais implicam também uma nova visão para a educação e a formação dos indivíduos. Não basta dotar os estudantes de saberes e técnicas que os preparem para uma profissão repetitiva, especializada e duradoura. Trata-se antes de formar indivíduos responsáveis pela sua formação, capazes de se atualizarem constantemente e de aplicar competências de autoaprendizagem ao longo de toda a sua vida. Estes contextos trazem grandes desafios e requerem que a pedagogia se transforme, reinventando abordagens e estratégias inovadoras para os processos de ensino aprendizagem, que precisam de ser estimulantes e desafiantes, visuais, tácteis, mas também flexíveis, adaptando-se às necessidades, às vontades e aos ritmos dos aprendentes. A aprendizagem hoje deveria ser tal qual a tecnologia: fácil, prática, rápida, móvel, portátil e excitante.


A funcionalidade das tecnologias da Web 2.0. permite-nos repensar as metodologias e estratégias adotadas no ensino. A própria natureza da Web 2.0., de acesso livre, fácil utilização e editável, incentiva à colaboração, estimula a partilha de ideias, proporciona a criação de ambientes de aprendizagem únicos, e cria oportunidades para desenvolver tarefas de avaliação distintas. Dadas as características e apetências dos estudantes de hoje, a possibilidade de usar ao serviço do processo de ensino aprendizagem as ferramentas e a tecnologia que não dispensam no seu dia a dia representará, certamente, um estímulo. A integração das tecnologias de informação e comunicação no ensino e formação é incontornável e tem sido incentivada por entidades legisladoras. Tal integração tem-se revelado, de um modo geral, uma inovação muito positiva, não só para apoiar a aprendizagem, mas também como uma ferramenta motivacional e vários estudos têm efetivamente realçado o contributo significativo das inovações tecnológicas na resolução de desafios educacionais e o seu impacto no sucesso da aprendizagem.


Os podcasts são ficheiros áudio digitais que são disponibilizados na Internet e que podem ser descarregados automaticamente para um computador ou um dispositivo móvel (como os leitores de MP3/MP4 ou os telemóveis). A produção de podcasts é relativamente simples: pode recorrer-se a um programa de gravação de som que possibilita gravar e editar a locução, assim como guardar o ficheiro ou episódio num formato passível de ser disponibilizado on-line. A génese deste fenómeno remonta há precisamente dez anos atrás, quando foi emitido o primeiro programa de rádio na Web. O termo podcast foi cunhado por Adam Curry1, video jockey da MTV, ao combinar as palavras iPod - o leitor multimédia portátil mais popular do mercado - e broadcasting (radiodifusão) - que designa o processo de transmissão e difusão simultânea da informação para vários recetores, um termo inicialmente associado às emissões radiofónicas mas atualmente transposto para a tecnologia RSS (Really Simple Syndication) feed.


Originalmente, os podcasts correspondiam unicamente a ficheiros áudio e o termo é usado por muitos autores de forma abrangente, aludindo a qualquer conteúdo áudio digital distribuído através da Internet. Mas, para além da componente áudio, os podcasts podem também integrar vídeo (vidcasts), incluir fotos ou imagens estáticas (enhanced podcasts), ou adicionar imagens capturadas de um ecrã (screencasts), uma diversidade tornada possível pelos recursos e ferramentas da Web 2.0.. A facilidade de produção, edição e publicação dos episódios, por um lado, e a simplicidade de subscrição e de utilização através de múltiplos ambientes, por outro, têm contribuído para a rápida evolução e difusão deste conceito e tecnologia. A popularidade e simplicidade do podcasting rapidamente atraíram entusiastas oriundos de várias áreas para além da rádio, onde inicialmente surgiu. Os profissionais da educação, em particular, reconheceram rapidamente o grande potencial pedagógico desta tecnologia, explorando as suas aplicações pedagógicas nos processos de ensino aprendizagem2. O poder do áudio, através do ajuste de entoação, inflexão, ritmo, volume, intensidade e timbre pode influenciar a cognição e motivação3. Ao mesmo tempo, o podcasting ajuda a estabelecer uma presença social4 e contribui para melhorar as relações professor-aluno5, sendo um canal especial de comunicação, e de alguma proximidade, entre ambos.


“A popularidade e simplicidade do podcasting rapidamente atraíram entusiastas oriundos de várias áreas (...)”
“A popularidade e simplicidade do podcasting rapidamente atraíram entusiastas oriundos de várias áreas (...)”

Enquanto docentes, facilmente vislumbramos que o podcasting pode ser explorado não só para disponibilizar conteúdos, mas também em recursos para substituição ou complementação das aulas, o que pode ser uma grande vantagem para explorar tópicos extra, avançar temas para as sessões seguintes ou mesmo para disponibilizar materiais educativos à distância. Do ponto de vista do aluno, a possibilidade de acesso aos vários episódios em qualquer momento ou lugar, e em dispositivos que são tão do seu agrado, confere aos podcasts uma enorme atratividade e potencialidade. A possibilidade adicional de recuar e/ ou avançar na gravação e de aceder aos episódios com a frequência que cada utilizador deseja, proporcionam maior versatilidade ainda. Mais importante, esta flexibilidade permite ir ao encontro dos diferentes estilos e ritmos de aprendizagem dos nossos alunos, ou de alunos com limitações visuais no caso de se utilizar apenas áudio, certamente beneficiando as suas aprendizagens.


Inicialmente, os podcasts foram explorados para gravar aulas e servir essencialmente de suporte ao ensino tradicional, mas existem muitas outras oportunidades para a sua utilização em contexto pedagógico, como referido. As instituições de Ensino Superior, em particular, têm vindo a utilizar podcasts em muitas situações diferentes e para uma variedade de propósitos6-9: para fazer anúncios, fornecer informações, atribuir tarefas de casa, disponibilizar palestras, fazer resumos, clarificar regras de avaliação, explicar exercícios, desenvolver assuntos discutidos na aula, fornecer orientações de estudo, dar instruções para atividades laboratoriais ou trabalhos de campo, motivar os alunos, demonstrar a utilização de software, apresentar experiências laboratoriais, comentar trabalhos dos alunos, divulgar notícias ou para orientar o trabalho em grupo e o estudo individual. Num projeto realizado no Reino Unido8, os podcasts foram integrados com outras atividades de aprendizagem on-line para desenvolver competências de estudo dos alunos através da aprendizagem colaborativa, fornecer extensões para palestras e recursos extra, apoiar o trabalho de campo, fornecer instruções, orientar trabalho prático e para observar espécimes de museu ilustrando estruturas específicas. Na Universidade do Minho foi realizado um estudo sobre o impacto e implicações pedagógicas dos podcasts em blended-learning, tendo como objetivo a sua introdução em contexto de ensino aprendizagem, a exploração de diferentes características dos podcasts e a avaliação da reação dos alunos à sua utilização6,10. Em termos globais, tem-se concluído que a integração pedagógica do podcasting é geralmente considerada uma estratégia muito útil para melhorar as aulas e uma inovação muito positiva, não só para apoiar a aprendizagem, mas também como fator de motivação. Os alunos consideram uma mais-valia que os episódios estejam permanentemente disponíveis e o seu conteúdo possa ser acedido em qualquer momento, sempre que necessário ou desejado.


A minha experiência com podcasts teve início no ano letivo de 2007/ 2008, precisamente no âmbito do projeto atrás referido, como membro da equipa de docentes de diferentes áreas que começou a criar e a disponibilizar podcasts aos seus alunos, explorando-os em diferentes cenários pedagógicos. Numa fase inicial, optei por fazer gravações simples para disponibilizar resultados de aprendizagem, informar e aconselhar a consulta de determinados recursos bibliográficos ou fornecer orientações de estudo. Mas desde então, não mais deixei de usar este recurso, e as finalidades dos episódios gravados são presentemente bem mais diversas. Assim, utilizo podcasts informativos para aprofundar determinados conteúdos, realçar conceitos importantes, fornecer conteúdos extra, disponibilizar sumários ou sínteses, dar notícias e avisos diversos, explicar a resolução de exercícios, ler excertos de livros, isto é, para disponibilizar algum tipo de informação que julgo de interesse. Quanto aos podcasts com instruções, são produzidos normalmente para fornecer orientações de estudo, orientar o trabalho laboratorial ou dar instruções para a execução de alguma tarefa específica. Outros podcasts contêm comentários e são, como o nome indica, episódios onde gravo comentários personalizados, normalmente a grupos de alunos e alusivos aos seus trabalhos ou intervenções. Os episódios produzidos são essencialmente audiocasts, alguns enhanced podcasts ou vidcasts, de duração normalmente curta (até 5 minutos) ou moderada (entre 5 e 15 minutos), indo de encontro às recomendações da literatura sobre o tema e às preferências manifestadas pelos alunos.


Os podcasts mais úteis serão provavelmente os episódios com conteúdos, pois podem ser reutilizados em diferentes anos letivos e contextos onde os mesmos temas forem abordados, como acontece com vários dos recursos educativos entretanto produzidos no âmbito da orientação que assegurei associada a Bolsas da Casa das Ciências. Episódios com instruções e orientações podem ser igualmente úteis e reutilizáveis, dependendo do tipo de gravação que se fizer. Talvez os menos atrativos, pelo menos sob o ponto de vista da possibilidade de reutilização, e por conseguinte da sua rentabilização, sejam os episódios com comentários personalizados. Porém, são por vezes extremamente úteis, na medida em que permitem orientar e esclarecer, à distância, ao mesmo tempo que estabelecem uma ligação com os alunos, através da voz. Tendo em conta as opiniões dos cerca de 500 alunos com os quais já trabalhei este recurso, posso dizer que a grande maioria se mostra recetiva à utilização de podcasts em diferentes cenários pedagógicos, independentemente dos seus cursos ou dos tipos de podcasts6,10-11. O que de mais curioso tenho observado – e que é aliás referido também por outros autores – é que os alunos não exploram uma das grandes vantagens dos podcasts, que é a sua portabilidade, utilizando preferencialmente o computador para a sua audição ou visualização. Não deixam no entanto de reconhecer, quase de forma unânime, que a introdução de podcasts no ensino é uma mais-valia.


“(...) os alunos não exploram uma das grandes vantagens dos</em> podcasts<em>, que é a sua portabilidade, utilizando preferencialmente o computador (...)”
“(...) os alunos não exploram uma das grandes vantagens dos podcasts, que é a sua portabilidade, utilizando preferencialmente o computador (...)”

A versatilidade e a liberdade criativa dos podcasts encontram múltiplas formas de exploração no atual paradigma do ensino: a promoção de formas de estudo independente e o aumento da autonomia do aluno na aprendizagem. Ajustam-se perfeitamente a modelos de blended-learning, mobile-learning e de e-learning ao fornecerem o suporte e forma para a criação de diversos recursos educativos. Dadas as suas características, o acesso aos episódios é possível onde e quando for mais conveniente a um dado utilizador, de acordo com as suas preferências e necessidades, o que é inegavelmente uma das maiores potencialidades deste recurso, a par da sua portabilidade. A aceitação e recetividade que têm sido encontradas face à sua integração em contextos pedagógicos, aliadas às vantagens em termos de flexibilidade, controlo e personalização da aprendizagem, auguram que a utilização do podcasting ultrapasse o caráter de inovação e atinja níveis superiores de implementação, ampliando o seu potencial e contribuindo para motivar e melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos, assim como o seu sucesso.


Cristina A. de Almeida Aguiar
Departamento de Biologia
Escola de Ciências da Universidade do Minho