Computação científica no ensino
📧
- CMUP/ Universidade do Porto
Referência Tavares, J., (2014) Computação científica no ensino, Rev. Ciência Elem., V2(3):056
DOI http://doi.org/10.24927/rce2014.056
Palavras-chave Computação; científica; tecnológica; revolução;
Resumo
Estamos num século de (mais uma) profunda revolução científica e tecnológica, que muito se deve à comunicação e cooperação de comunidades científicas, oriundas das mais variadas áreas do conhecimento, criando equipas multidisciplinares responsáveis por progressos vertiginosos. É cada vez mais difícil definir objetivos específicos a cada uma das áreas tradicionais de investigação, e assiste-se a uma visão holística do conhecimento, traduzida em conteúdos cada vez mais inter e multidisciplinares.
São muitos os exemplos. Só para citar alguns mais recentes – o programa de descodificação do genoma humano, as técnicas de otimização de inspiração biológica e física, os sistemas imunológicos artificias, que permitem uma compreensão cada vez mais profunda de doenças e terapêuticas (HIV, Cancro, etc.), e reciprocamente a criação de redes imunes a vírus, as células virtuais, os sistemas ecológicos virtuais, e muitos outros.
É claro que o fator mais determinante é o acesso generalizado a ferramentas computacionais cada vez mais potentes e eficientes.
Uma nova ciência emerge - a chamada Computação Científica (ou Ciência Computacional), um ramo da ciência moderna, que estuda métodos de modelação matemática e técnicas de análise quantitativa, usando computadores para analisar e resolver problemas científicos e tecnológicos. Tipicamente envolve a criação de simulações em computador (laboratórios virtuais), e o uso de técnicas numéricas, estatísticas e de programação computacional, juntamente com possibilidades sofisticadas de visualização, modelação matemática, programação, estruturas de dados, redes complexas, computação simbólica, etc.
No verão de 2005, a Microsoft patrocinou uma reunião de um grupo internacional de peritos para definir e produzir uma nova visão e um roteiro da evolução da ciência nos próximos quinze anos. O documento resultante, Towards 2020 Science, identifica os requisitos necessários para acelerar os avanços científicos, particularmente os que resultam da síntese crescente entre computação e ciências, e os “novos tipos” de ciência daí emergentes. De facto, o computador é visto não como o tradicional auxiliar de cálculo, mas como uma nova forma de fazer ciência, em muitos casos a única forma que supera a incapacidade dos instrumentos clássicos de análise.
Neste quadro, é cada vez mais urgente repensar os curricula das áreas científicas de ensino pré-universitário e universitário, na tentativa de inovar metodologias e conteúdos de ensino que sejam o reflexo desta nova modernidade.
Vou ser mais específico e concreto. A revisão recente dos programas de Matemática de Ensino Básico e Secundário, e as chamadas Metas Curriculares, não contemplam este carácter multidisciplinar da ciência moderna, e, em particular, a possibilidade de ensinar simulação, programação e algoritmia computacional básica nestes níveis de escolaridade obrigatória. Será importante levantar a questão? Será útil?
Esta discussão foi lançada já há vários anos nos EUA, em particular no MIT e no Northwestern University’s Center for Connected Learning and Computer-Based Modeling, onde nasceram várias experiências nesse sentido, as mais conhecidas StarLogo, desenvolvido por Mitchel Resnick, no MIT Media Lab and MIT Teacher Education Program in Massachusetts, e mais recentemente Scratch, desenvolvido pelo Lifelong Kindergarten group, liderado por Mitchel Resnick. O primeiro evoluiu para o atual Netlogo, desenvolvido por Uri Wilensky, diretor do Northwestern University’s, um dos principais instrumentos (freeware) para modelação e simulação por agentes (ABM), um paradigma cada vez mais usado em várias áreas de investigação, desde a Biologia, Economia, Sociologia Quantitativa, etc. O segundo (também freeware) está mais vocacionado para ensino básico e foi desenvolvido por um dos principais criadores do conceito ABM, Mitchel Resnick.
![Exemplo de utilização do NetLogo](/static/images/articles/2014-056-01.png)
![Exemplo de utilização do Scratch](/static/images/articles/2014-056-02.png)
No princípio do século XX, Félix Klein iniciou uma profunda reforma da educação matemática que reuniu numa série de volumes sobre Matemática Elementar, recentemente traduzidos pela SPM. O paradigma (slogan) era privilegiar o que chamou “pensamento funcional”. O conceito chave era o de função a partir do qual toda a estrutura emerge. Mas, com a atual disseminação e popularização dos computadores, cada vez mais acessíveis a toda a população escolar, não será altura de acrescentar (não substituir) novos paradigmas – o de “pensamento algorítmico” e o de “pensamento computacional”? O conceito de algoritmo deve ser neste momento o conceito central de todo o ensino da Matemática, como muito bem assinala o matemático Arthur Engel no seu livro “Elementary mathematics from an algorithmic standpoint”. Toda a comunidade deveria fazer um esforço para que os conteúdos sejam repensados, tendo como ponto central o conceito de algoritmo.
O pensamento computacional poderá incluir, neste nível de escolaridade, experiências e simulações em computador, com autómatos celulares e simulação por agentes, usando por exemplo a ferramenta Netlogo atrás referida, ou Scratch para níveis mais elementares. A revolução digital torna possível implementar mudanças radicais nos conteúdos e metodologias de ensino. É pois altura de incorporar nos curricula como é que as novas tecnologias computacionais podem transformar as conceções tradicionais de aprendizagem, educação e conhecimento. A aprendizagem da dinâmica complexa dos sistemas, através da computação científica, possibilita um ensino integrado, multidisciplinar e articulado das várias áreas científicas.
Resnick, referindo Seymour Papert, fala de construcionismo, um novo paradigma em educação que envolve dois tipos de construção. Em primeiro lugar, afirma que a educação é um processo ativo, no qual a criança ativamente constrói conhecimento a partir da sua experiencia do mundo (esta ideia é baseada no constructivismo de Piaget). A isto, o construcionismo junta a ideia de que o aluno constrói novo conhecimento, com particular eficácia, quando está envolvido em construir coisas que tenham significado para si. Podem ser castelos de areia, máquinas de Lego, ou programas de computador. O importante é que estejam ativamente comprometidos criando algo. Isto contrasta com o instrucionismo. Este foca-se em novas formas dos professores ensinarem enquanto que construcionismo se foca em novas formas dos alunos construírem. O maior desafio é pois criar ferramentas e ambientes para que seja possível aos alunos construírem, criarem, inventarem e experimentarem.
Os modelos principais são os da “nova” ciência da complexidade, fenómenos cooperativos, sistemas auto-organizados, sistemas adaptativos, fenómenos emergentes, fenómenos críticos, etc. Alguns exemplos testados: sistemas predador-preza, formiga de Langton, jogo da vida de Conway, etc. Apesar da enorme diversidade de exemplos (disponíveis na biblioteca NetLogo, p.ex.) há muito trabalho a fazer nesta área, sobretudo de adaptação para objetivos de ensino. Eis algumas referências:
João Nuno Tavares
Departamento de Matemática
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Referências
- 1 Scratch http://scratch.mit.edu/
- 2 NetLogo https://ccl.northwestern.edu/netlogo
- 3 Microsoft Reaserach, Towards 2020 Science http://research.microsoft.com/en-us
- 4 Mitchel Resnick, Turtles, Termites and Traffic Jams: Explorations in Massively Parallel Microworlds (Complex Adaptive Systems), MIT Press
- 5 Vanessa Stevens Colella, Eric Klopfer, Michel Resnick, Adventures in Modeling: Exploring Complex, Dynamic Systems with StarLogo, Teachers’ College Press.
Este artigo já foi visualizado 3904 vezes.