Numa primeira aproximação, a “geologia do futuro”, com a imprevisibilidade subjacente a este tema e toda a subjetividade deste olhar cúmplice, poderá significar a geologia que não se toca, que está muito longe, apoiada em imagens milimétricas resultantes dos sensores tecnologicamente mais sofisticados e evoluídos. Sobressai, aqui, a chamada “geologia planetária”, marcada, em lugar cimeiro, pelos estudos do Planeta Marte, um corpo celeste cada vez mais cartografado e conhecido, geologicamente, com base nas analogias e evidências reconhecidas neste Planeta em que vivemos e que melhor conhecemos. A referir também os 10 anos de descobertas da sonda Cassini no Planeta Saturno, que, a par dos temas Sights and sounds: volcanoes on Earth and Mars e Fingerprints of life: from the early Earth to outer space, constituíram três dos doze temas escolhidos pela organização do meeting anual da European Geological Union (EGU) 2014, realizado já este ano em Viena, e apresentados como press conferences (ver em http://www.egu2014.eu/). Convém reforçar que a General Assembly da EGU deste ano reuniu mais de 12000 geocientistas, envolveu mais de 14000 comunicações e 550 sessões científicas dos diversos ramos das geociências, que, tal como o próprio nome sugere, vão da geologia mais clássica, passando pelas biogeociências à atmosfera. Voltando à geologia planetária, reconhecem-se todos os avanços no conhecimento, ao alcance de um “clique”, aparentemente tão fácil quanto veloz, proporcionando às “massas” visões geológicas, apoiadas no forte poder da imagem e da sua manipulação, científica. Na verdade, com a tecnologia atual, já não é só a leitura da nota científica, é, sobretudo, a imagem dos planetas longínquos, das suas paisagens, algumas em tempo real, vistas a distâncias “próximas do infinito”. Veja-se o caso do Kepler-10C, um planeta rochoso recentemente descoberto, lá para a constelação Draco, através do telescópio Galileu (http://www.cfa.harvard.edu/news/2014-14). Um potencial fantástico que permite aprender e aperfeiçoar o conhecimento. Igualmente, especulativo…porque não se toca. Mas este é, sem dúvida, um lado da “geologia do futuro”. De onde virão, certamente, algumas das maiores descobertas.


Num outro prisma, a “geologia do futuro” oferece uma vertente ainda desconhecida das profundezas do nosso Planeta “Azul”, dos fundos oceânicos ao interior mais profundo da Terra. Neste âmbito, a geologia já está mais “próxima” do investigador, pois é possível tocar, observar, descrever, analisar e classificar a base daquilo que é a investigação primária em geologia: uma amostra de rocha. Afinal, não é a geologia a ciência das “pedras”?! Entenda-se: das rochas. E, antes disso, dos minerais que as constituem, resultado de construções químicas, das mais simples às mais complexas. Todavia, a geologia é, nos dia de hoje, muito mais ampla, na medida, também, em que importa assegurar a sustentabilidade dos recursos da Terra. E, para os prospetar, é preciso conhecer os minerais e as rochas, e as condições em que se geram e se associam a outros tipos litológicos. E é assim que se reclama o conhecimento: o saber, que se inicia no nível mais elementar dos sistemas de ensino, ampliado no secundário, cimentado na universidade. São as lembranças que qualquer geólogo tem do seu professor de ciências naturais, ou de geologia, no ensino secundário… e que o ajudou a traçar o seu caminho, o seu futuro.


A este respeito, e isso também é falar da “geologia do futuro”, importa enfatizar a realidade brasileira, onde o curso de Geologia é um dos mais procurados de todos no universo do ensino superior. Sabendo, de antemão, o significado deste facto, o Brasil é um país de muitos e variados recursos geológicos e, numa expressão feliz, tipicamente brasileira, onde os geólogos não chegam para a demanda. Que o diga a Vale do Rio Doce, uma das maiores empresas do mundo na área da exploração mineira, com sede no Brasil. Embora a geologia seja hoje – sempre o foi – uma ciência com implicações globais.


Mas, voltando ao conhecimento geológico das profundezas deste nosso planeta, e permanecendo no Brasil, não são alheias as descobertas de hidrocarbonetos no subsolo profundo do Atlântico Sul, a começar nas camadas de sedimentos basais da Bacia de Santos, uma morfologia originada durante o Cretácico Inferior, resultante da abertura deste vasto oceano que dividiu o então continente Gondwana. Este processo deu origem à sobreposição de sucessivas camadas de sedimentos de vários tipos e ambientes sedimentares. Depois, é subjacente a um espesso empilhamento de rochas evaporíticas, como tal designadas de Pré-Sal, a mais de 4000 metros de profundidade em relação ao nível do mar – com todas as difíceis implicações tecnológicas associadas à fase extrativa – que se aglutinaram importantes recursos de hidrocarbonetos (http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/areas-de-atuacao/exploracao-e-producao-de-petroleo-e-gas/pre-sal/). Num conjunto de rochas carbonatadas que, após a sua formação em vastos ambientes lacustres, lagos que terão bordejado, então, também, aquilo que é hoje a costa angolana, nunca terão visto a “luz do dia”. Entretanto, a recuperação de amostras e de colunas de centenas de metros de sedimentos resultantes da complexa fase de perfuração da referida bacia, vieram revelar rochas formadas em condições paleoambientais pouco vistas em qualquer análogo atual, à superfície da Terra – e de repente, vem à lembrança, todos os exercícios e analogias com Marte, dos Sights and sounds: volcanoes on Earth and Mars do EGU-2014 –. Eis um problema, o do Pré-Sal, para os sedimentólogos e, em particular, para os especialistas em rochas carbonatadas. Os mesmos que julgavam ter visto tudo nos célebres modelos deposicionais atuais. Se a isto somarmos toda a “película” sedimentar registada na crosta do planeta, em grande parte ainda desconhecida, o que não existirá por descobrir em toda essa imensidão oceânica.


Desde a sua génese, como ciência independente, já na perspetiva de James Hutton (1726-1797) com a sua Theory of the Earth, que a geologia tem no geólogo o indivíduo que calcorreia montanhas e vales à procura de algo ainda desconhecido. E sempre sob os seus pés. O campo, a ida ao campo, o trabalho de campo, as botas de campo, um dos seus maiores símbolos, que passeiam sempre na mala de um qualquer veículo adaptado a “todo o terreno”. A satisfação inerente a esta profissão está na liberdade de dizer: “Vou amanhã para o campo!”. E após um dia de trabalho, exultante, pensar: “Acabei de vir do campo”! O lado romântico da geologia que só o geólogo consegue alcançar. Olhar a rocha e nela tocar, eleva-nos à perceção do seu contexto genético e faz sobressair os contornos das suas paisagens. E com o auxílio de meios de diagnóstico, como são as análises geoquímicas super especializadas de acordo com os três ramos clássicos da geologia (magmático, sedimentar e metamórfico), e outros meios de visão microscópica e manométrica, é possível vislumbrar cenários que, só o olho preparado e especializado do geólogo, consegue alcançar. E também confundir, quando se impõe a necessidade de comparação com outros exemplos.
O passar repetidamente pelo mesmo local e olhar para aspetos que antes não tínhamos notado. O caso de uma mineralização ou associação mineralógica específica, de um fóssil, uma descoberta nova que vem ampliar o conhecimento ou alterar ou contrariar antigos julgamentos e posições, quanto a determinados intervalos da história da Terra que, porventura, levará à publicação numa revista científica internacional de grande impacto – se for dinossauro, ganhará, certamente, espaço privilegiado no mundo da comunicação global –. São também as field trips, realizadas e sempre disponíveis por esse mundo fora, que fazem deslocar – sempre com as suas botas e elevada ansiedade – os geólogos, pelos lugares mais recônditos da nossa Terra. É desta forma que o geólogo pode comprovar, com os seus próprios olhos, determinada ideia ou teoria. As tais analogias com vista ao aprofundamento do conhecimento.


Procurando o limite Cretácico-Paleogénico (Caravaca de la Cruz, Espanha)
Procurando o limite Cretácico-Paleogénico (Caravaca de la Cruz, Espanha)

Uns sortudos, estes geólogos! É um facto! Poder confirmar os fatores erosivos do rio Colorado numa sucessão estratigráfica com centenas de milhões de anos, observar, ao vivo, e recolher a competente amostra sedimentar, com as evidências de irídio, da passagem Cretácico-Paleogénico – a célebre, que levou à extinção dos dinossauros e de outros menos “famosos” grupos de animais, tão ou mais importantes para a ciência –, ou sentir as diversas feições do vulcanismo atual na Sicília, no Etna, com fortes implicações nas populações vizinhas, mas que nos ajudam a compreender como o nosso planeta funciona e é dinâmico.


Morfologias vulcânicas nas imediações do Etna (Itália)
Morfologias vulcânicas nas imediações do Etna (Itália)

A “geologia do futuro” deverá continuar a trilhar o caminho do campo. Para além de ser o grande alicerce na investigação científica, subsequente a qualquer questão ou problema colocado – qual seja o local na imensa Terra ou passagem da sua imensa história, registada nas rochas –, as observações de campo, com a prática de todos os princípios da geologia, permitirão, ainda mais, ao geocientista ou ao geólogo agente de ensino de qualquer nível de aprendizagem, poder partilhar, com as diversas plateias, o seu conhecimento para além da consulta ou simples cópia livresca. As observações geológicas in situ permitirão uma maior proximidade com a verdade científica, sendo, necessariamente e sempre, mais atrativas. Quantos bons exemplos de educação científica (geológica) não temos à porta de nossa casa!

Como urge o homem (geólogo) ir a Marte!


Luís Vitor da Fonseca Pinto Duarte
Departamento de Ciências da Terra e IMAR-CMA
Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra