As promessas estão a ser cumpridas?

A nível académico é bastante consensual que a nanotecnologia tem cumprido e mesmo superado as expectativas. O número de cientistas a trabalhar nesta área tem aumentado muito, o que é evidente pelo crescimento exponencial do número de publicações científicas e patentes de nanotecnologia nos últimos vinte anos. Este esforço resultou em dispositivos e técnicas que parecem pertencer ao domínio da ficção científica. Alguns exemplos são as técnicas de visualização e deteção de uma única molécula1; circuitos eletrónicos biocompatíveis incorporáveis em plantas e animais vivos para monitorização do ambiente<2; desenvolvimento de computadores orgânicos que funcionam de modo análogo ao cérebro3, entre muitos outros.


Também se tem registado um aumento exponencial na produção industrial e comercialização de produtos, embora nem sempre seja muito fácil recolher essa informação. Segundo uma análise da OCDE4, as grandes empresas usualmente incorporam os métodos e materiais de nanotecnologia em processos já existentes e nem sempre identificam os seus produtos como nanotecnológicos. Este secretismo deve-se em parte ao segredo industrial, mas também às preocupações relativas à saúde e ambiente que os produtos de nanotecnologia podem suscitar no grande público. Os produtos mais inovadores têm origem em pequenas empresas, usualmente spin-offs com fortes laços a universidades ou institutos de investigação científica.


Onde estão os produtos de nanotecnologia?

Tal como em qualquer tecnologia emergente, podem identificar-se três fases distintas na produção/comercialização de produtos de nanotecnologia. A primeira fase, que teve início cerca do ano 2000, consistiu na comercialização exclusiva das denominadas estruturas passivas, ou seja nanopartículas e nanocompósitos simples utilizados como aditivos de produtos já existentes. Um dos primeiros casos foi a utilização de nanopartículas de óxido de zinco e dióxido de titânio nos protetores solares de elevado índice de proteção5. Outro exemplo é a utilização de nanopartículas de sílica ou de carbono como material de reforço estrutural em pneus, revestimentos, etc. Os produtos de segunda geração começaram a ser produzidos cerca de cinco anos mais tarde e são sistemas ligeiramente mais complexos, usualmente incluindo modificação da superfície dos nanomateriais para conferir propriedades desejadas, por exemplo propriedades de reconhecimento molecular. Os produtos mais comuns nesta fase são na área da entrega de fármacos e sensores. Um exemplo são os testes de gravidez descartáveis com nanopartículas revestidas com anticorpo específico para HCG (hormona gonadotrofina coriónica) que, sendo mais sensíveis, permitem uma deteção mais precoce do que os testes convencionais6. A terceira geração de produtos de nanotecnologia envolve a produção de nano-sistemas tridimensionais, por exemplo chips de computador envolvendo fabricação de vários componentes com precisão à nano-escala7,8. É previsível ainda uma quarta geração de produtos, possivelmente num futuro muito próximo, em que será possível o fabrico de nano-dispositivos capazes de efetuar funções complexas. A recente patente da Graphene 3D Lab Inc sobre a impressão 3D de nanobaterias pode ser um primeiro passo para resolver uma das questões essenciais: a fonte de energia para nano-dispositivos9.


Figura 1. Modelo de uma molécula de pentaceno (em cima) e imagem de microscopia (NC-AFM) da molécula de pentaceno depositada numa superfície de cobre (em baixo - © Science/IBM Research - Zurich)
Figura 1. Modelo de uma molécula de pentaceno (em cima) e imagem de microscopia (NC-AFM) da molécula de pentaceno depositada numa superfície de cobre (em baixo - © Science/IBM Research - Zurich)

Qual o impacto na sociedade?

O impacto da nanotecnologia vai muito além dos produtos e processos reconhecidos nesta área. A nanotecnologia representa um conjunto de técnicas de manipulação de materiais que é aplicável em praticamente todas as áreas tecnológicas e que já está a ter um impacto nas áreas mais diversas, desde os produtos eletrónicos, farmacêuticos, materiais inteligentes, revestimentos especializados e muitos mais. A nanotecnologia é considerada uma tecnologia disruptiva no sentido que as empresas que a incorporarem nos seus processos de fabrico terão uma vantagem competitiva muito significativa, acabando por aniquilar as empresas que mantenham os seus processos tradicionais.


Estima-se que atualmente na Europa existam cerca de 200 000-300 000 postos de trabalho diretamente relacionados com nanotecnologia10 No entanto, tem sido apontado que um dos constrangimentos ao crescimento da área é exatamente a falta de mão de obra especializada. Na realidade, embora muitas universidades tenham incorporado disciplinas de nanotecnologia nos seus cursos tradicionais de química, física e ciência e engenharia dos materiais, o número de cursos superiores exclusivamente dedicados a esta área ainda é muito limitado.


Os estudos numa vertente mais fundamental têm revelado novas propriedades inerentes à nano-escala, pelo que a questão da dimensão física dos materiais passou a ser um fator relevante em muitas áreas de investigação científica onde até agora era ignorado. São exemplos disso as novas áreas de nanotoxicologia e nanotoxicologia ambiental, onde as propriedades tóxicas de diversos materiais estão a ser reavaliadas tendo em consideração o estado de divisão do material. Estes estudos têm revelado dados surpreendentes que indicam que a interação de nano-materiais com estruturas biológicas, também à nano-escala, está ainda longe de ser bem compreendida. Até neste aspeto a nanotecnologia tem registado avanços surpreendentes, sendo uma das tecnologias emergentes mais escrutinada relativamente a possíveis efeitos adversos e riscos envolvidos.


A nanotecnologia é sem dúvida uma área revolucionária, tendo introduzido uma nova forma de fazer ciência, onde o controlo das propriedades é conseguido por técnicas de montagem à nano-escala. Esta faceta revolucionária é a mais notória, a que sai nas notícias, a mais espetacular. Mas é apenas a ponta do iceberg. Em muitas das aplicações atuais a nanotecnologia intervém como uma evolução das tecnologias já existentes. Esta é a face mais oculta mas seguramente a que tem um maior peso nos produtos de consumo atualmente disponíveis. Possivelmente, todos já usamos alguns produtos de nanotecnologia sem o sabermos, desde um protetor solar com nanopartículas de óxido de zinco, a computadores ou outro material eletrónico com chips fabricados à nano-escala, ou mesmo um frigorífico com revestimento anti-bacteriano com nanopartículas de prata. Em suma, a nanotecnologia veio para ficar, está a ser incorporada nas áreas mais diversas e “silenciosamente” já invadiu o nosso dia a dia.


Figura 2. Circuitos eletrónicos integrados sob a pele de um rato (esquerda) e de uma planta (direita).(Imagem à esquerda: Beckman Institute, University of Illinois and Tufts University)
Figura 2. Circuitos eletrónicos integrados sob a pele de um rato (esquerda) e de uma planta (direita).(Imagem à esquerda: Beckman Institute, University of Illinois and Tufts University)

Eulália Pereira
REQUIMTE/Departamento de Química e Bioquímica,
Faculdade de Ciências, Universidade do Porto