Inicialmente era usual distinguir a radiação ɣ dos raios-X pela sua energia (os raios-X eram menos energéticos). No entanto, atualmente a distinção já não é efetuada desta forma, pois consegue-se produzir raios-X mais energéticos do que muitos raios ɣ (como nos aparelhos médicos de radiografia). A distinção entre estes tipos de radiação eletromagnética é efetuada através da sua proveniência: os raios-X são produzidos por excitação dos eletrões de camadas atómicas interiores para níveis energéticos mais elevados e posterior regresso ao estado fundamental (libertação de energia sob a forma de raios-X), enquanto a radiação ɣ provém do núcleo atómico, pois após a emissão de partículas α ou β é frequente o núcleo ficar com um excesso de energia, que é libertada sob a forma de radiação ɣ (os raios ɣ também podem ser formados pela reação anti-matéria entre um eletrão e um positrão e pelo efeito Compton inverso).


Os raios ɣ foram descobertos em 1900 pelo físico e químico francês Paul Villard quando estudava a radiação emitida por uma amostra de rádio. A radiação emitida incidia numa placa fotográfica protegida por uma fina camada de chumbo, suficiente para travar o avanço das partículas α. Villard mostrou que a radiação que atravessava a camada de chumbo era de dois tipos diferentes. Um era deflectido quando submetido a um campo magnético, identificado como a radiação β descoberta um ano antes pelo físico e químico neo-zelandês Ernest Rutherford. No entanto, o segundo tipo de radiação não sofria qualquer tipo de deflexão, pelo que não deveria ter carga eletrica associada. Além disso, a radiação desconhecida tinha um poder penetrante muito superior à radiação α e β e que Villard não conseguiu identificar. Efetivamente, foi Rutherford, no seguimento da descoberta de Villard, que identificou a radiação como o terceiro tipo de radiação decorrente do decaimento radioativo e designou-a, em 1903, por radiação ɣ.


Tal como referido, a radiação ɣ é, dos três tipos de radiação resultante do decaimento nuclear (α, β e ɣ), a que tem o maior poder penetrante. Embora seja a que tem o menor poder ionizante, o seu elevado poder penetrante faz da radiação ɣ a mais perigosa para o ser humano. Enquanto as radiações α e β são travadas, geralmente, pela superfície da pele, a radiação ɣ consegue penetrar e, até, atravessar o corpo, causando danos a nível celular por onde passa, o que pode conduzir a uma maior incidência de cancro. O seu poder ionizante advém de três tipos de interação que pode ter com a matéria: efeito fotoeletrico, efeito Compton e produção de um par eletrão-positrão. A radiação ɣ pode ser classificada em termos energéticos como de baixa e média energia (alguns keV a 30 MeV) e de alta e muito alta energia (30 MeV a 100 GeV). As radiações ɣ com energias entre 3 e 10 MeV são as mais perigosas a nível biológico, uma vez que o corpo é relativamente “transparente” à radiação ɣ de energia mais elevada.


Apesar do nível de perigosidade, a radiação ɣ tem bastantes aplicações.

  • É utilizada para esterilizar equipamento médico e alimentos pois mata todos os organismos vivos.
  • Em medicina é utilizada no tratamento de certos tipos de cancro (mata as células cancerosas) e, também, em diagnósticos (é administrada ao doente uma pequena quantidade de um radionuclídeo, em geral tecnécio-99, 99Tc, emissor de radiação ɣ).
  • São utilizados emissores gama em “scanners” de forma a detetarem o conteúdo de veículos de transporte de mercadorias (ver figura 1) ou de contentores em portos marítimos. Os radionuclídeos utilizados são, geralmente, o cobalto-60 (60Co) e o césio-135 (135Cs).1

Figura 1. Imagem do conteúdo de um contentor num camião pelo sistema VACIS (Vehicle and Container Imaging System), um scanner de raios ɣ, nos EUA.
Figura 1. Imagem do conteúdo de um contentor num camião pelo sistema VACIS (Vehicle and Container Imaging System), um scanner de raios ɣ, nos EUA.

A título de curiosidade, a personagem de banda desenhada Hulk, criada pelo escritor de banda desenhada norte-americano Stan Lee, representa um monstro no qual o cientista Bruce Banner se transforma, sendo que essa transformação se deve ao facto de Bruce ter sido exposto a elevadas doses de radiação ɣ.