Um pouco de história sobre a classificação dos seres vivos em Reinos

No século IV a.C. Aristóteles e Teofrasto, seu discípulo, agruparam os seres vivos em dois grandes grupos: Animalia e Plantae. Esta classificação tinha por base a mobilidade e o tipo de nutrição: as plantas são imóveis e produzem o seu próprio alimento (autotrofia) e os animais apresentam capacidade de locomoção e capturam as suas presas dependendo por isso da matéria orgânica produzida por outros organismos (heterotrofia). Esta ideia é reforçada pela classificação de C. Linnaeus no século XVIII.

Os avanços tecnológicos, nomeadamente ao nível dos microscópios, permitiram observar organismos até então desconhecidos e excluídos dos sistemas de classificação. Organismos como as algas, fungos e as bactérias foram inicialmente incluídos no reino Plantae por apresentarem parede celular e organismos, como os protozoários, que eram móveis e ingeriam os alimentos foram colocados no reino Animalia.

O surgimento e aceitação no século XIX das emergentes teorias evolucionistas para os seres vivos levantava questões sobre a classificação de alguns organismos que não sendo nem animais nem plantas pudessem ser seus ancestrais. A ideia de um terceiro reino é fortemente influenciada pela Teoria da Seleção Natural de Darwin que postulava a existência de uma ancestral comum a todos os seres vivos.

Em 1866, Ernst Haeckel (1834-1919), naturalista alemão, propôs a criação do Reino Protista que incluía os organismos unicelulares e os multicelulares que não apresentassem diferenciação celular, incluindo assim as bactérias os protozoários e os fungos.

No século XX com o aparecimento do microscópio eletrónico e com o avanço de algumas técnicas bioquímicas, foi possível compreender que as bactérias têm características muito distintas dos fungos e dos protozoários. E em 1956, Herbert Copeland (1902-1968), apresenta uma classificação que se aproxima mais da realidade natural. Separa num novo reino, Monera, os seres vivos procariontes – com células sem núcleo individualizado. Segundo Copeland, no reino Protista incluem-se todos os fungos e algas vermelhas e castanhas, no reino Plantae os organismos que possuíssem clorofila (pigmento fotossintético), que produzissem amido, celulose e sacarose e no reino Protista os organismos eucariontes que não eram animais nem plantas.

Pouco mais de uma década mais tarde, em 1969, Whittaker (1924-1980) propõe um sistema de classificação em cinco reinos, estabelecendo um reino independente para os fungos, o reino Fungi. O novo sistema apresentado tinha subjacente três critérios principais:


  • nível de organização celular – diferencia as células procarióticas das eucarióticas e a unicelularidade da multicelularidade
  • modo de nutrição – modo como o organismo obtém o alimento
  • interações nos ecossistemas – respeitante às relações alimentares que o organismo estabelece com os restantes organismos no ecossistema. Os organismos podem ser classificados em produtores, e consumidores (macro e microconsumidores).

Whittaker viria a reformular os eu próprio sistema em 1979. O reino Protista passou a incluir os fungos flagelados e as algas (uni e multicelulares). Na tabela seguinte resumem-se as principais características dos reinos, tendo em conta os critérios estabelecidos por Whitakker na sua versão modificada de 1979.


Reino Monera Protista Fungi Plantae Animalia
Nível de organização celular Procarionte

Geralmente com parede celular Unicelulares, solitários ou em colónia

Eucarionte

Com ou sem parede celular Unicelulares, solitários ou em colónia Multicelulares com diferenciação muito reduzida

Eucarionte

Parede celular quando presente de quitina Maioria multicelular, com diferenciação muito reduzida

Eucarionte

Parede celular celulósica Multicelulares com tecidos altamente especializados

Eucarionte Ausência de parede celular

Multicelulares com tecidos altamente especializados

Modo de nutrição Autotróficos (fotossíntese ou quimiossíntese) ou heterotróficos (absorção ou ingestão) Autotróficos (fotossíntese) ou heterotróficos (absorção ou ingestão) Heterotróficos (absorção) Autotróficos (fotossíntese) Heterotróficos (ingestão)
Interação no ecossistema Produtores ou microconsumidores Produtores ou consumidores (micro e/ou macro) Microconsumidores Produtores Macroconsumidores
Exemplos de organismos Bactérias Protozoários

Algas

Leveduras

Bolores

Fetos

Coníferas Angiospérmicas

Animais invertebrados e vertebrados

Pela própria natureza dos processos evolutivos, os sistemas de classificação nunca são totalmente naturais, a classificação está sujeita a critérios subjetivos da divisão que dependem dos dados do taxonomista. À medida que surgem novos dados científicos as classificações são alteradas. Em 1988, Lynn Margulis e Karalene Schwartz, propõem um sistema de classificação em Super-Reinos ou Domínios, baseado em dados de ultra-estrutura microscópica das células e respetivos organelos citoplasmáticos e que refletem as suas ideias sobre a teoria endossimbiótica para a origem das células eucarióticas. As duas investigadoras defendem a existência de dois domínios:


  • Prokarya – inclui todos os procariontes que pertencem a um só reino Bactéria (Monera) que se subdivide em dois sub-Reinos Archaeobacteria e Eubacteria
  • Eukarya – inclui todos os eucariontes e divide-se em quatro reinos: Protoctista, Animalia, Fungi e Plantae.

Em 1990, Carl Woese, Otto Kandler e Mark Wheellis, propõem um novo sistema de classificação, baseado em comparações de sequências nucleotídicas de RNA ribossómico (RNAr) com que construíram uma árvore filogenética. Destas análises comparativas e filogenéticas concluem que os seres vivos devem ser divididos em três domínios:


  • Archaea – procariontes que vivem em condições ambientais extremas
  • Eubacteria – procariontes mais comuns na natureza
  • Eukarya – inclui todos os eucariontes

e que:


  • há um ancestral comum a todos os seres vivos procariontes e eucariontes
  • os Eukarya e os Archaeobacteria partilham um ancestral comum mais próximo do que os Archaea com os Eubacteria, donde se conclui que o Reino Monera não é um reino monifilético (não reúne todos os descendentes de um determinado ancestral)

Em 1998, Thomas Cavalier-Smith apresenta novo sistema de classificação com base em dados filogenéticos, que é revisto pelo próprio em 2003 (ver artigo original em http://www.cladocera.de/protozoa/cavalier-smith_2004_prs.pdf), que inclui dois domínios Prokaryota e Eukaryota e 6 reinos:


  • Prokaryota – Reino Bactéria
  • Eukaryota – Reinos Protozoa, Animalia, Fungi, Plantae e Chromista

Os organismos pertencentes ao reino Chromista são na sua maioria fotossintéticos, e distinguem-se dos organismos do reino Plantae por terem os cloroplastos localizados no lúmen do reticulo endoplasmático rugoso em vez de se localizarem no citosol.


Nota do Conselho Científico da Casa das Ciências: Atualmente a classificação dos seres vivos aceite pela comunidade científica internacional é a proposta por Carl R. Woese e colegas em 1990, publicada numa revista científica da especialidade (ver artigo original, em inglês, disponível na internet em http://www.pnas.org/content/87/12/4576.full.pdf+html). No entanto, no programa de Biologia do Ensino Secundário atribui-se uma maior importância à classificação de Whittaker modificada em 1979. Neste artigo apresenta-se uma visão geral dos vários sistemas de classificação propostos com maior ênfase para a classificação em 5 reinos de Whittaker modificada e a classificação em domínios de Woese et al. 1990.