As animações virtuais no ensino interativo da Física
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- Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Referência Carvalho, S.C., (2015) As animações virtuais no ensino interativo da Física, Rev. Ciência Elem., V3(1):003
DOI http://doi.org/10.24927/rce2015.003
Palavras-chave animações; virtuais; interativo; Física;
Resumo
O ensino por computadores é já uma realidade em muitas das nossas escolas e instituições educativas. Como consequência, uma boa parte do ensino teórico e experimental das ciências já não consegue ser feito sem o auxílio dos computadores.
É assim com naturalidade, que muitos professores utilizam, na sua prática letiva, software educativo para o ensino da Física. Muito desse software resulta em aplicações multimédia, de onde se destacam as simulações. Apesar da qualidade dos materiais disponíveis na internet, um dos problemas com que os professores se deparam é, com frequência, a ausência de sugestões de exploração didática adequadas, que tornem o uso desses recursos em verdadeiras ferramentas de ensino interativo. Por Ensino Interativo, referimo-nos a “todo o ensino elaborado para promover a aprendizagem conceptual através do envolvimento interativo dos alunos, em atividades de raciocínio (sempre) e práticas (habitualmente), que conduzam a um feedback imediato através da discussão entre os alunos e/ou o professor” (Hake, 1998). Neste contexto, o uso da modelação matemática associada quer ao algoritmo por detrás das simulações, quer à análise dos dados recolhidos a partir daquela, reforça a aprendizagem conceptual dos alunos que raramente é contemplada pelos programas nacionais e consequentemente, pelos professores.
Há vários exemplos de ferramentas de modelação e simulação de qualidade em Física, como por exemplo as animações de Walter Fendt (Applets Java de Física, 2009) e o projeto PHET (Interactive Simulations, 2011). Em geral, os estudantes tomam contacto com atividades virtuais através dos seus professores, dos livros e/ou dos manuais escolares, mas normalmente estas são-lhes apresentadas como verificação de leis ou fenómenos; poucos estão preparados para avaliar criticamente essas simulações. De facto, um estudante de Física pode nunca vir a sentir necessidade de analisar criticamente uma simulação, simplesmente porque tal não lhe é requerido!
As Physlets e o Open Source Physics, são exemplos de projetos educacionais recentes que visam fornecer materiais didáticos para o ensino da Física, com vista à aquisição de competências fundamentais que todo o estudante de Física deveria ter (Karplus, 1977). Estes projetos estão abertos ao público em geral, mas destinam-se sobretudo aos professores e estudantes; atualmente, já estão disponíveis versões de materiais didáticos em língua portuguesa.
Physlets
Há uma década
atrás, nos Estados Unidos, um esforço interuniversitário foi pioneiro na
criação de tecnologia e pedagogia baseadas na Web, do qual resultou o
desenvolvimento do método Just-in-Time Teaching (JiTT) (Novak,
Patterson, Gavrin & Christian, 1999) e o aparecimento das
Physlets, ou seja miniaplicações (applets) criadas
para o ensino da Física. Estas applets em Java são pequenas e
flexíveis, podendo ser usadas numa grande variedade de aplicações da
Web. A classe de simulações designadas por Physlets
tem vários atributos que as tornam únicas e valiosas na tarefa
educacional, em particular:
- São Atividades Experimentais Virtuais (AEV), cuja exploração envolve análise de variáveis, recolha de dados, tratamento estatístico e/ou gráfico e raciocínio crítico, tal como uma experiência laboratorial.
- A sua simplicidade, contendo apenas informação relevante para o problema a resolver, removendo da simulação detalhes potencialmente mais distraidores do que úteis.
- Proporcionam trabalhos e discussões em pequeno grupo, promovendo a aprendizagem entre pares.
- Podem ser executadas a qualquer dia e hora; isto significa que um grupo de alunos pode estar a realizar uma AEV e a discutir os respetivos resultados a partir de suas casas, tirando partido dos recursos multimédia.
O Projeto Physlets (2007) já levou à produção de mais de 1.500 simulações de distribuição gratuita e 3 livros com material curricular (Christian & Belloni, 2001; Christian & Belloni, 2003; Belloni, Christian & Cox, 2006), sendo também uma das mais conhecidas e bem sucedidas inovações educacionais para o ensino pré-universitário e universitário nos Estados Unidos da América. Para além das obras acima referidas, têm sido incluídas Physlets em vários livros de texto e foram editados livros traduzidos em espanhol, eslovaco, alemão, hebraico e recentemente, em português com enquadramento didático (Carvalho al., 2014); as animações totalmente em português estão disponíveis em livre acesso no endereço http://www.fc.up.pt/physletspt/ebook.
A figura 1 apresenta uma imagem de uma Physlet sobre circuitos elétricos. Os círculos representam lâmpadas e a cor o respetivo brilho. Desenroscando e enroscando (virtualmente) as lâmpadas e por observação do brilho relativo e da intensidade da corrente elétrica, a animação permite que os alunos reflitam e identifiquem a forma como as lâmpadas estão associadas entre si no circuito elétrico.
Esta AEV pode ser trabalhada em pequenos grupos e na
forma de competição, ganhando o grupo que conseguir identificar a
associação de lâmpadas em primeiro lugar. Esta é uma forma eficaz de
potenciar a atividade em grupo e a discussão entre pares, com claro
benefício na aprendizagem por resolução de problemas.
Uma investigação recente, realizada em sete escolas secundárias portuguesas, sobre o impacto da utilização de Physlets e questões conceptuais na prática letiva, revelou ganhos normalizados de aprendizagem em testes padronizados de Mecânica Newtoniana (Hestenes, Wells & Swackhamer, 1992) e de Fluidos (Martin, Mitchell, & Newell, 2003) nas escolas de intervenção, significativamente superiores aos medidos nas escolas de controlo onde estes materiais não foram usados (Briosa & Carvalho, 2010).
É aqui oportuno referir que as animações virtuais não substituem parcialmente ou por completo uma atividade experimental real. Há várias competências, nomeadamente do tipo processual, que só podem ser adquiridas com experiências reais. As AEV devem ser encaradas como complementares às reais, por promoverem a procura e medição de dados experimentais, o controlo de variáveis e por facilitarem o envolvimento dos alunos com os conteúdos a aprender. Apenas em certos casos, como aqueles em que as experiências reais sejam perigosas, ou em que a sua realização ou repetição envolva custos demasiado elevados para a escola, é que as animações virtuais se revestem de um interesse superior relativamente ao trabalho experimental no laboratório.
Open Source Physics
(OSP)
O projeto Open Source Physics (OSP, 2011) consiste numa coleção
de simulações e recursos computacionais online, alojados no ComPADRE
National Science Digital Library (NSDL) e tem por base o modelo
bem sucedido do projeto Physlets, de desenvolvimento
não-comercial de programas em código aberto. O OSP tem como objetivo
reformular o ensino pré-universitário e universitário, fornecendo
simulações e outros materiais curriculares que envolvem ativamente
alunos e professores, no processo de ensino e aprendizagem da Física e
da Astronomia. O local disponível na Web fornece (1) uma vasta coleção
de simulações em Java para o ensino da Física e da Astronomia, (2)
simulações criadas em Easy Java (EJS ou EjsS) com ferramentas
de criação e modelação (Christian & Esquembre, 2007) e (3) libraria de
códigos da OSP e manual de física computacional.
Os modelos computacionais existentes na página da OSP:
- Auxiliam os alunos a visualizar conceitos abstratos. No ensino tradicional, os estudantes aprendem os conceitos físicos por imagens estáticas e constroem modelos mentais incompletos ou incorretos, que dificultam uma aprendizagem mais profunda desses conceitos (Beichner, 1997). O benefício mais óbvio das simulações é que estas ajudam a operacionalizar os problemas em situações concretas.
- São interativos e requerem a participação dos alunos. Quando resolvem problemas, os alunos procuram frequentemente a fórmula matemática adequada, sem refletirem criticamente nos conceitos físicos envolvidos (Maloney, 1994). Com simulações apropriadamente construídas, há grandezas físicas (como a posição ou a velocidade) que não são fornecidas, tendo assim que ser medidas ou calculadas a partir dos dados recolhidos da simulação. Ao determinar a informação relevante para a resolução do problema proposto, os estudantes aprendem a reconhecer as bases conceptuais do problema.
- Parecem-se mais com problemas reais. A resolução de problemas baseados em simulações e em problemas do mundo real, requer que os estudantes distingam a informação importante da acessória. As AEV, tal como as experiências reais, permitem abordar os problemas da incerteza nas medições e a incerteza nos resultados obtidos. Assim, as simulações podem fazer a ligação entre a teoria (mundo ideal) e o mundo real.
- Podem melhorar a avaliação da aprendizagem dos estudantes. Os recursos baseados em simulações podem constituir ferramentas de avaliação melhores que os tradicionais testes escritos (Dancy & Beichner, 2006). A comparação das respostas dos estudantes em exercícios tradicionais, com as respostas em exercícios quase idênticos baseados em animações, permite concluir que os exercícios baseados em AEV fornecem uma visão mais clara sobre o grau de conhecimento conceptual dos estudantes.
Esta interação entre cálculo, teoria e trabalho experimental, leva a uma nova visão e compreensão da ciência, que não pode ser adquirida com apenas uma abordagem; em muitos casos, o cálculo é, infelizmente, a primeira e por vezes a única forma usada para resolver problemas interessantes, em Física e noutras Ciências (Carvalho, Christian & Belloni, 2013).
Atualmente há mais de 400 itens na coleção da OSP com diferentes objetivos didáticos. Por exemplo, a simulação das Fases da Lua apresentada na figura 2, é um exemplo de como contextos reais podem ser explorados para uma aprendizagem conceptual efetiva. Neste modelo da OSP, os estudantes são confrontados com perspetivas visuais de dois referenciais: um referencial inercial (imagem da esquerda) e um referencial local (imagem da direita). Durante a animação é possível alterar manualmente os parâmetros “órbita da lua” e “hora local” (pequeno ponto a verde sobre a Terra). A simulação está disponível em http://www.opensourcephysics.org/document/ServeFile.
Várias conceções alternativas dos estudantes do ensino básico, tais como “a fase da lua resulta da projeção da sombra da Terra sobre a superfície lunar”, ou “a lua aponta sempre a mesma face para a Terra porque não tem movimento de rotação”, podem ser discutidas e clarificadas com esta simulação, numa abordagem bastante interativa e motivadora para os estudantes.
Reflexões finais
O uso das Physlets
e dos conteúdos didáticos disponíveis na OSP, tem vindo a
revolucionar o ensino da Física. A aposta dos professores pelo uso
mais sistemático de AEV dentro e fora do contexto de sala de aula,
tem permitido um maior envolvimento dos estudantes e potenciado uma
melhor aprendizagem dos conteúdos.
Embora as animações virtuais tenham características intrinsecamente motivadoras e promovam a participação ativa dos estudantes (Redish, 2003), o ganho cognitivo em aprendizagem da física só aumentará significativamente se os professores usarem uma metodologia interativa na exploração destes materiais e tirarem partido do seu potencial educacional. A formação de professores, contemplando a manipulação e exploração de materiais interativos dentro e fora da sala de aula, é muito importante para promover mudanças de um ensino tutorial (normalmente expositivo) para um ensino interativo. Neste contexto, as universidades não se podem alhear deste desafio, dada a sua enorme responsabilidade na formação inicial e contínua dos professores, bem como da prática letiva no ensino superior.
Paulo Simeão
Carvalho
Departamento de Física e Astronomia, IFIMUP-IN, UEC
Faculdade de Ciências da Universidade do Porto
Referências
- 1 Applets Java de Física (2009). Animações de Walter Fendt – tradução Casa das Ciências [Disponível em http://www.walter-fendt.de/ph14pt/, consultado em 04/11/2013].
- 2 Beichner, R. (1997). The impact of video motion analysis on kinematics graph interpretation skills, American Journal of Physics, 64 (10), 1272–1277
- 3 Belloni, M., Christian, W., Cox, A.J. (2006). Physlet® Quantum Physics, New Jersey: Prentice Hall’s Series in Educational Innovation
- 4 Briosa, E., Carvalho, P.S. (2010). Ensinar para aprender mecânica newtoniana: uma abordagem inovadora, XX Encontro Ibérico para o Ensino da Física, Vila Real, 265-265.
- 5 Carvalho, P.S., Briosa, E., Christian, W., Belloni, M., Costa, M. (2014). Física em Physlets: Ilustrações, Explorações e Problemas para um Ensino Interativo da Física, Amazon Digital Services, Inc. (ASIN B00QPKCYW6)
- 6 Carvalho, P.S., Christian, W., Belloni, M. (2013). Physlets e Open Source Physics para professores e estudantes Portugueses, Revista Lusófona de Educação, 25, 59-72.
- 7 Christian, W., Belloni, M. (2001). Physlets: Teaching physics with interactive curricular material, New Jersey: Prentice Hall’s Series in Educational Innovation
- 8 Christian, W., Belloni, M. (2003). Physlet® physics: Interactive illustrations, explorations, and problems for introductory physics, New Jersey: Prentice Hall’s Series in Educational Innovation.
- 9 Christian, W., Esquembre, F. (2007). Modeling Physics with Easy Java Simulations, The Physics Teacher, 45 (10) 475-480.
- 10 Dancy, M.H., Beichner, R. (2006). Impact of animation on assessment of conceptual understanding in physics. Physical Review Special Topics - Physics Education Research, 2, 010104.
- 11 Hake, R.R. (1998). Interactive-engagement versus traditional methods: A six-thousand-student survey of mechanics test data for introductory physics courses. American Journal of Physics, 6, 64-74
- 12 Hestenes, D., Wells, M., Swackhamer, G. (1992). Force Concept Inventory, The Physics Teacher, 30 (3), 141-158.
- 13 Interactive Simulations (2011). University of Colorado at Boulder, versão em Português [Disponível em http://phet.colorado.edu/pt_BR/, consultado em 04/11/2013].
- 14 Karplus, R. (1977). Science teaching and the development of reasoning. Journal of Research in Science Teaching, 14, 169–175.
- 15 Maloney, D.P. (1994). Research on problem solving: Physics. In Gabel,D. (Ed) Handbook of Research on Science Teaching and Learning, New York: MacMillan
- 16 Martin, J., Mitchell, J., Newell, T. (2003). Development of a concept inventory for fluid mechanics, Proceedings of 33rd ASEE/IEEE Frontiers in Education Conference, Boulder, Vol. 1, T3D 23-28.
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- 20 Redish, E.F. (2003). Teaching Physics with the Physics Suite. New Jersey: John Wiley & Sons.
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