Nova teoria da luz e das cores
Carta de Isaac Newton à Royal Society – Tradução comentada –
📧
- Escola Superior de Educação de Lisboa
Referência Maurício, P., (2015) Nova teoria da luz e das cores, Rev. Ciência Elem., V3(4):046
DOI http://doi.org/10.24927/rce2015.046
Palavras-chave teoria; luz; cores; Newton; Royal; Society;
Resumo
Publicamos neste número, e no âmbito da rúbrica
História da Ciência, uma tradução em português da carta que Sir
Isaac Newton enviou para a Royal
Society sobre a “nova Teoria da Luz e das Cores”, seguindo os
procedimentos habituais à época, e que é, sem
dúvida, uma peça de inigualável valor e interesse científico.
É um trabalho da autoria de Paulo José Severino Maurício, docente da
Escola Superior
de Educação de Lisboa, que o produziu no âmbito
da sua tese de doutoramento.
Dada a extensão do documento, iremos publicá-lo em duas fases. Neste
número da revista a tradução propriamente dita e
no próximo, os comentários e considerações do autor sobre o
documento e a sua contextualização.
Carta do Sr. Isaac Newton, professor de
Matemática na Universidade de Cambridge, contendo a sua Nova Teoria
sobre Luz e Cores, enviada pelo autor para o editor
de Cambridge a 6 de fevereiro de 1671/72, de modo a ser comunicada à
Royal Society.
SENHOR,
Para cumprir uma promessa anterior, devo sem mais cerimónias informá-lo
que no início do Ano de 16661 (altura em
que me dediquei a polir vidros Óticos de outras formas que não as Esféricas),
obtive um Prisma Triangular de vidro,
para com ele tentar o celebrado Fenómeno das Cores2 .
Para esse fim, tendo escurecido meu quarto e feito
um pequeno orifício em minha janela de modo a deixar entrar uma
quantidade conveniente de luz do Sol, coloquei o Prisma
na sua entrada para que ela pudesse ser assim refratada para a parede
oposta. Foi no início um divertimento muito agradável
ver as vívidas e intensas cores assim produzidas. Mas após um tempo a
considerá-las mais seriamente fiquei surpreendido por
vê-las com uma forma oblonga, a qual, de acordo com as
recebidas leis da Refração, eu esperava que devesse ser
circular3 .
Elas terminavam nos lados em linhas retas, mas nas extremidades, o enfraquecimento da luz era tão gradual que era difícil determinar exatamente qual a forma que tomava, no entanto pareciam semicirculares4 .
Comparando o comprimento deste Espetro [Spectrum] colorido com a sua largura, encontrei-o cinco vezes maior; uma desproporção tão acentuada que me levou a uma curiosidade acima da normal para examinar de onde poderia advir. Pensei que dificilmente a Espessura variável do vidro, ou a terminação com sombra ou escuridão, poderiam ter qualquer influência na luz para produzir tal efeito. Ainda assim pensei não ser fora de propósito examinar primeiro essas circunstâncias, e assim experimentei o que aconteceria transmitindo luz através de partes de vidro de diferente espessura, ou através de orifícios na janela de diversas grandezas, ou colocando o prisma de tal modo que a luz pudesse passar através dele e fosse refratada, antes de ser limitada pelo orifício. Mas não encontrei que alguma dessas circunstâncias fosse plausível. O aspeto das cores era em todos esses casos a mesma.
Então suspeitei se através de alguma irregularidade do vidro ou outra anomalia contingente essas cores pudessem assim ser dilatadas. E para testar isso tomei outro Prisma idêntico ao primeiro e coloquei-o de tal modo que a luz, passando através de ambos, seja refratada de modos contrários e assim, pelo último [prisma], retornar à direção da qual o primeiro a desviou. Pois deste modo pensei que os efeitos regulares do primeiro prisma, seriam anulados pelo segundo prisma, mas os efeitos irregulares aumentados pela multiplicidade de refrações. O resultado foi que a luz que era difundida pelo primeiro Prisma de forma oblonga, era pelo segundo reduzido a uma forma arredondada com tanta regularidade como quando não passava através deles. Assim, fosse qual fosse a causa daquele comprimento, não era uma irregularidade contingente.
Então procedi de modo a examinar mais criticamente o que poderia ser afetado pela diferença de incidência de Raios vindos de diferentes partes do Sol, para o que medi as diferentes linhas e ângulos pertencentes à Imagem. A sua distância do orifício ou Prisma era de 22 pés (6,7 m); seu comprimento máximo de 13 1/4 polegadas (33,6 cm); sua largura 2 5/8 polegadas (6,66 cm); o diâmetro do orifício era de 1/4 de polegada (6,35 mm); o ângulo que os Raios que se dirigiam para o meio da imagem, formavam com as linhas que teriam percorrido se não tivesse havido refração era de 44° 56'. E o ângulo vertical do prisma 63° 12'. Também as Refrações em ambos os lados do Prisma, ou seja, dos Raios Incidentes e Emergentes eram tão próximos quanto eu pudesse fazê-los iguais e, consequentemente cerca de 54° 4'5 . E os Raios incidiam perpendicularmente sobre a parede. Agora, subtraindo o diâmetro do orifício do comprimento e largura da Imagem, restam 13 Polegadas (33 cm) de comprimento e 2 3/8 (6 cm) de largura, correspondentes àqueles raios que passaram através do centro do orifício e, por conseguinte, o ângulo do orifício correspondente àquela largura era de 31', compatível com o Diâmetro Solar, enquanto o ângulo subjacente ao comprimento valia mais de 5 vezes tal diâmetro, ou seja, 2° 49'.
Tendo realizado estas observações, primeiro calculei, a partir delas, o poder refrativo do vidro tendo-o encontrado igual à razão dos senos, 20 para 316 . E então, através daquela razão, calculei as Refrações de dois Raios provenientes de partes opostas do disco do Sol, tendo portanto uma diferença de 31' no seu ângulo de incidência, e encontrei que os raios emergentes deveriam ter um ângulo de 31', como tinham antes de incidir no vidro.
Mas porque este cálculo era baseado na Hipótese da proporcionalidade dos senos de Incidência e Refração, a qual por minha própria Experiência eu não poderia imaginar que fosse tão errónea de modo a produzir um Ângulo de 31', o qual na realidade era de 2° 49'; novamente a minha curiosidade fez-me retomar o meu Prisma. Tendo-o colocado na minha janela, como antes, observei que rodando-o um pouco em torno do seu eixo para um lado e para o outro, de forma a variar a sua obliquidade em relação à luz de 4 ou 5 graus, as Cores não eram desse modo sensivelmente deslocadas do seu lugar na parede e consequentemente por via dessa variação de Incidência, a quantidade de Refração não variava de modo sensível.
Portanto por esta Experiência bem como pelos cálculos anteriores, era evidente que a diferença da Incidência dos Raios, oriundos de diversas partes do Sol, não poderia fazê-los após a interseção, divergir em um ângulo tão sensivelmente maior que aquele com o qual convergiram; o que, sendo no máximo de 31 ou 32 minutos, ficava ainda outra causa para ser encontrada de modo a explicar que o ângulo pudesse ser de 2° 49'.
Então comecei a suspeitar se os Raios após atravessarem o Prisma, não se moveriam em linhas curvas e de acordo com a sua maior ou menor curvatura tendessem para partes diferentes da parede. A minha suspeita aumentou quando me recordei de ter visto frequentemente uma bola de Ténis, após um toque oblíquo da Raquete, descrever uma linha curva. Pois, sendo comunicado tanto um movimento circular como linear [à bola] por aquele toque, as suas partes no lado onde os movimentos se adicionam, devem pressionar e bater o Ar contíguo mais violentamente do que a outra [parte], e aí provocar uma resistência e reação do Ar proporcionalmente maior. E pelo mesmo motivo, se os Raios de luz pudessem ser talvez corpos globulares, e pela sua passagem oblíqua de um meio para outro adquirissem um movimento circular7 , eles deviam sentir uma maior resistência do Éter envolvente nesse lado onde os movimentos se adicionam, e assim serem continuamente empurrados para o outro. Mas apesar desta base plausível de suspeição, quando eu a examino, não observo tal curvatura neles. E além do mais (o que bastaria para os meus propósitos) eu observei que a diferença entre o comprimento da Imagem e o diâmetro do orifício, através do qual a luz é transmitida, era proporcional à sua distância.
A remoção gradual destas suspeitas conduziu-me ao Experimentum Crucis, que foi este: Tomei duas placas e coloquei uma delas atrás e perto do Prisma que estava à janela, de tal modo que a luz passasse através de um pequeno orifício feito na placa com esse propósito e incidisse na outra placa que coloquei a cerca de 12 pés (30 cm) de distância, tendo antes feito também um pequeno orifício, para que alguma da luz incidente passasse. Então coloquei um outro Prisma atrás da segunda placa, de tal modo que a luz, passando através das duas placas, também pudesse passar no prisma e fosse assim novamente refratada antes de atingir a parede. Feito isto, peguei no primeiro Prisma e rodei-o lentamente para um lado e para o outro em torno do seu Eixo, tantas vezes quanto o necessário para que as diversas partes da Imagem formada na segunda placa passasse através do orifício, de modo a que pudesse observar para que lugares na parede o segundo Prisma a refrataria.
E eu vi, pela variação desses lugares, que a luz, tendendo para aquela extremidade da Imagem em direção à qual a refração do primeiro Prisma foi feita, sofreu no segundo Prisma uma Refração consideravelmente maior que a luz tendendo para a outra extremidade. E assim a verdadeira causa do comprimento daquela Imagem foi encontrada como sendo não outra do que a Luz ser constituída por Raios diferentemente refrangíveis, os quais sem qualquer diferença nas suas incidências, foram, de acordo com os seus graus de refrangibilidade, transmitidos em direção a diferentes partes da parede.
Quando percebi isto deixei de lado os meus trabalhos com Vidros óticos acima mencionados, pois notei que a perfeição dos Telescópios estava até agora limitada, não tanto pela necessidade de vidros devidamente feitos segundo as prescrições dos Autores Óticos (o que todos tinham imaginado até agora), mas porque a luz, ela mesma, é uma mistura Heterogénea de Raios diferentemente refrangíveis.
Deste modo, onde um vidro tão exatamente feito que reunisse um qualquer tipo de raios em um ponto, não poderia reunir de igual modo aqueles que tendo a mesma Incidência sobre o mesmo Meio são aptos a sofrer diferente refração. Ainda assim me maravilhei que vendo tão grande a diferença de refrangibilidade, como eu achei, os Telescópios chegaram a tal perfeição como os encontramos atualmente.
Pois, medindo as refrações em um dos meus Prismas, encontrei que supondo que o seno de Incidência sobre um dos seus planos fosse de 44 partes, o seno de refração dos Raios da extremidade vermelha das Cores, saindo do vidro para o Ar, seria de 68 partes e o seno de refração dos raios da outra extremidade seria de 69 partes de tal modo que a diferença é de aproximadamente de 1/24 ou 1/25 partes da refração total. Em consequência a lente objetiva de qualquer Telescópio não pode fazer convergir todos os raios que provêm de um ponto no objeto no seu foco em menos de em espaço circular, cujo diâmetro é a 1/50 parte do Diâmetro da sua Abertura, o que é uma irregularidade algumas centenas de vezes maior do que aquela que uma lente de forma circular, de uma secção tão pequena como são as Objetivas de um longo Telescópio, poderiam causar por deformação na sua forma, fosse a Luz uniforme.
Isto levou-me a considerar as Reflexões, e encontrando-a regular, de tal modo que o Ângulo de Reflexão de qualquer espécie de Raios eram iguais aos seus Ângulos de Incidência, entendi que por seu intermédio, instrumentos Óticos poderiam vir a ter qualquer grau de perfeição imaginável, desde que uma substância Refletora pudesse ser encontrada a qual pudesse ser polida tão finamente como o Vidro, e reflita tanta luz como o vidro transmite, bem como a arte de lhe dar uma figura parabólica seja atingida. Mas isso pareciam serem dificuldades muito grandes que quase as pensei insuperáveis, quando além do mais considerei que cada irregularidade em superfícies refletoras fazem os raios desviarem-se 5 ou 6 vezes mais do seu devido curso, do que irregularidades semelhantes numa superfície refratora: Então uma muito maior curiosidade seria aqui um requisito do que em fazer vidros para refração.
Entre estes pensamentos, fui forçado a sair de Cambridge devido ao Surgimento da Praga, e mais de dois anos passaram antes de eu prosseguir. Mas então tendo pensado sobre um método simples de polimento adequado para metal, pelo qual, como imaginei a forma poderia ser corrigida tanto quanto o necessário, comecei a experimentar o que poderia fazer neste sentido, e gradualmente aperfeiçoei tanto um instrumento (nas suas partes essenciais igual ao que enviei para Londres), através do qual pude observar as 4 Acompanhantes de Júpiter, e mostrei-as por diversas vezes a duas pessoas do meu conhecimento. Pude também discernir a fase tipo-Lua de Vénus mas não muito distintamente nem sei algum cuidado na disposição do instrumento.
Nessa época fui interrompido até este último Outono, quando fiz o outro [instrumento]. E como este era sensivelmente melhor do que o primeiro (especialmente para Objetos Diurnos), então não duvidei que eles seriam levados a muito maior perfeição pelos esforços daqueles que, como me informou, a isso se dedicam em Londres.
Eu pensei por vezes fazer um Microscópio, o qual de modo semelhante, deveria ter em lugar de uma objetiva em Vidro, um metal Refletor. E isto espero que eles também tomem em consideração, pois estes Instrumentos parecem tão suscetíveis de aperfeiçoamento como os Telescópios, e talvez mais, pois não mais do que uma peça refletora de metal é necessária, como pode perceber pelo diagrama, onde AB representa a peça de metal, CD o vidro ocular, F o seu Foco comum, e o outro Foco do metal no qual o objeto é colocado.
Mas para voltar desta digressão, digo-vos que a Luz não é idêntica ou homogénea mas consiste em Raios dissemelhantes, alguns dos quais mais refrangíveis do que outros; de tal modo que daqueles que incidem de modo semelhante em algum meio, alguns serão mais refratados do que outros, e isto por nenhuma virtude do vidro ou de outra causa exterior, mas por uma predisposição que cada raio particular tem de sofrer um particular grau de refração. Prosseguirei agora para vos informar de outra e mais notável diferença nos Raios, da qual provêm a Origem das Cores. A respeito da qual exporei primeiro a Doutrina, e depois, para o seu exame, dar-lhe-ei uma ou duas experiências, como amostra do restante.
Encontrará a Doutrina explicada e ilustrada nas seguintes proposições.
- Assim como os Raios de luz diferem no grau de Refrangibilidade, também diferem na sua faculdade de exibir esta ou aquela cor em particular. Cores não são Qualidades da Luz, devidas a Refrações, ou Reflexões sobre corpos naturais (como é geralmente aceite), mas propriedades Originais e inatas, que são diversas em Raios diversos. Alguns Raios dispõem-se a exibir a cor vermelha, e não outra; alguns outros o amarelo e não outra, alguns o verde e não outra, e assim por diante. Nem há apenas Raios próprios e particulares para as cores mais importantes, mas também para todas as gradações intermédias.
- Ao mesmo grau de Refrangibilidade corresponde sempre a mesma cor, e à mesma cor corresponde sempre o mesmo grau de Refrangibilidade. Os Raios menos Refrangíveis são dispostos a exibirem a cor Vermelha, e reciprocamente aqueles Raios que se dispõem a exibir a cor Vermelha, são todos os menos refrangíveis; Assim os Raios mais refrangíveis são todos dispostos a exibirem uma intensa Cor Violeta, e reciprocamente aqueles que são aptos a exibirem a cor violeta, são todos os mais Refrangíveis. E assim para todas as cores intermédias numa série contínua correspondendo a graus de refrangibilidade intermédios. E esta Analogia entre cores e refrangibilidade é muito precisa e estrita; os Raios ou sempre concordam em ambos ou discordam proporcionalmente de ambos.
- A espécie de cor e grau de Refrangibilidade próprio a alguma espécie particular de Raios, não muda com a Refração nem por Reflexão sobre corpos naturais, nem por qualquer outra causa que eu pudesse ter observado. Quando um qualquer tipo de Raios for bem separado de outros de outro tipo ele retém depois, obstinadamente, a sua cor, malgrado os meus maiores esforços para a alterar. Eu refratei-o com Prismas, e refleti-o com Corpos que na luz do Dia eram de outras cores; eu intercetei-o com filmes coloridos de Ar entre duas lâminas de vidro. Foi transmitido através de Meios coloridos e através de Meios irradiados por outros tipos de Raios e confinei-os de formas diversas, e ainda assim nunca obtive nenhuma nova cor da precedente. Contraindo ou dilatando tornava-se mas viva ou mais ténue, e pela perda de muitos Raios, em muitos casos muito obscuro e escuro, mas nunca consegui ver uma mudança em espécie.
- Podemos obter ainda assim uma aparente transmutação de Cores, onde há uma mistura de diversas espécies de Raios. Pois nessas misturas as cores componentes não aparecem, mas, aliando-se mutuamente, constituem uma cor intermédia. E por conseguinte, se por refração ou por qualquer das causas anteriormente mencionadas, os diversos raios latentes em tal mistura forem separados, surgirão cores diferentes da cor da composição. Estas cores não são geradas de Novo, mas apenas tornadas Visíveis por separação; pois sendo de novo inteiramente misturadas elas irão novamente compor a cor que havia antes da separação. E pela mesma razão, Transmutações feitas por convergência de diversas cores não são reais, pois quando os diversos Raios forem novamente separados exibirão as mesmas cores que exibiam antes de entrarem na mistura. Como vê, pós Azul e Amarelo, quando bem misturados, aparece ao olho nu como Verde, e ainda assim as Cores dos corpúsculos Componentes não são por isso realmente transmutadas mas apenas misturadas. Pois quando visto com um bom Microscópio, eles ainda aparecem como Azul e Amarelo independentemente.
- Há portanto dois tipos de Cores. Umas originais e simples, outras compostas destas. As cores Originais ou primárias são Vermelho, Amarelo, Verde, Azul e Violeta-púrpura, juntamente com Laranja e Índigo, e uma variedade indefinida de gradações Intermédias.
- As cores da mesma Espécie das Primárias podem também ser produzidas por composição: Pois uma mistura de Amarelo e Azul faz Verde; de Vermelho e Amarelo faz Laranja; de Laranja e Verde amarelado faz amarelo. E em geral, se cada duas Cores é misturada, que não estejam, na série de cores gerada pelo Prisma, muito distantes uma da outra, elas, pela mistura gerada, compõem a cor que na referida série fica a meio caminho das duas. Mas aquelas que estão situadas muito distantes não fazem isso. Laranja e Índigo não produzem o intermédio Verde, nem Escarlate e Verde o intermédio amarelo.
- Mas a mais surpreendente e bela composição foi aquela da Brancura. Não há nenhuma espécie de Raios que, só, a possa exibir. Ela é sempre composta, e para a sua composição são necessárias todas as já mencionadas Cores primárias, misturadas na devida proporção. Frequentemente tenho contemplado com Admiração que, feitas convergir todas as Cores do Prisma e assim voltarem a estar misturadas como antes estavam na luz que foi Incidente no Prisma, é reproduzida luz completa e perfeitamente branca, e de modo algum diferindo sensivelmente da Luz direta do Sol, a não ser que os vidros usados não fossem suficientemente claros, pois então eles tenderiam ligeiramente [a luz] para as suas cores.
- Daqui portanto vem que a Brancura é a cor usual da Luz. Pois a Luz é um agregado desordenado de Raios de todas as espécies de Cores à medida que eles são enviados das várias partes dos corpos luminosos. E de tal agregado confuso, como disse, é gerada a Brancura se houver uma adequada proporção de Ingredientes. Mas se algum deles predominar a luz deve tender para aquela cor, como acontece na chama Azul do Enxofre, na chama amarela da Vela; e nas várias cores das estrelas Fixas.
- Uma vez consideradas estas coisas, o modo como são produzidas as cores pelo Prisma é evidente. Pois dos Raios constituindo a luz incidente, e uma vez que aqueles que diferem em cor diferem proporcionalmente em refrangibilidade, eles devido às suas refrações desiguais devem ser separados e dispersados numa forma oblonga numa sucessão ordenada do menos refratado Escarlate para o mais refratado Violeta. É a mesma razão pela qual os objetos, quando vistos através de um Prisma, aparecem coloridos. Pois os diferentes Raios, pelas suas Refrações desiguais, são feitos divergir em direção a várias partes da Retina, e aí exibem a Imagem das coisas [de maneira] colorida, como no caso anterior eles fizeram à Imagem do Sol sobre a parede. E por esta desigualdade de refrações elas tornam-se não apenas coloridas mas também muito confusas e indistintas.
- Porque as Cores do Arco-íris aparecem em gotas da Chuva é também daqui evidente. Pois, essas gotas que refratam os Raios dispostos a aparecerem púrpura em maior quantidade aos olhos dos observadores, refratam os raios de outras espécies muito menos, de modo a fazê-los passar ao lado; e essas são as gotas no interior do Arco Primário e no exterior do Secundário ou Exterior. E essas gotas que refratam em grande quantidade os Raios dispostos a aparecerem vermelho em direção aos olhos dos Observadores, refratam os raios de outras espécies muito mais, de modo a fazê-los passar ao lado; e essas são as gotas na parte exterior do arco Primário e na parte interior do Arco Secundário.
- Os Fenómenos curiosos de uma infusão de Lignum Nephriticum, Folha de Ouro, Fragmentos de vidros coloridos, e alguns outros corpos transparentes coloridos, surgindo numa posição com uma cor, e em outra [posição] com outra [cor] já não são, por estes motivos, enigmas. Pois essas são substâncias aptas a refletir uma espécie de luz e a transmitir outra; como pode ser observado numa sala escura, iluminando-as com luz similar ou não composta. Pois então elas aparecem apenas de aquela cor com a qual são iluminadas, mas numa posição, mais vívida e luminosa do que noutra, de acordo com a sua disposição maior ou menor para refletir ou transmitir a cor incidente.
- Daqui é também clara a razão de uma Experiência inesperada que o Sr. Hook relata na sua Micrographia ter efetuado com dois recipientes transparentes em forma de cunha, cheio de uma solução vermelha, um, e azul o outro: a saber, ainda que separadamente eles eram suficientemente transparentes, ainda assim, juntos tornavam-se opacos. Pois se um transmite apenas vermelho, e o outro apenas azul, nenhum raio podia passar através de ambos.
- Eu podia adicionar mais exemplos desta natureza, mas concluirei com esta de caráter geral, a saber, que as Cores de todos os Corpos naturais, não têm outra origem a não ser esta; que eles estão diferentemente qualificados para refletir uma espécie de luz em maior quantidade que outra. E isso eu experimentei numa Sala escura iluminando esses corpos com luz não composta de diversas cores. Pois através deste meio qualquer corpo pode ser feito aparecer de qualquer cor. Eles não têm ali qualquer cor própria, surgindo sempre com a cor da luz projetada sobre eles, mas contudo com esta diferença: que eles são mais brilhantes e vívidos na luz da cor que exibem à luz do dia. Minium apareceu lá em qualquer cor indiferentemente da qual o iluminou, mas ainda assim mais luminoso no vermelho; e da mesma forma Bise apareceu indiferentemente da cor com o qual foi ilustrado, mas ainda assim mais luminoso no azul. E portanto Minium reflete Raios de qualquer cor, mas mais abundantemente aqueles ligados ao vermelho; e consequentemente quando iluminados com luz do dia, ou seja, com todas as espécies de Raios bem misturados, aqueles qualificados com vermelho abundarão mais na luz refletida, e pela sua preponderância provoca que apareça dessa cor. E pela mesma razão, Bise, refletindo azul mais abundantemente, deverá aparecer azul pelo excesso desses Raios na sua luz refletida; e o mesmo para os outros corpos.
E que isto é a completa e adequada causa das suas cores é manifesto, porque eles não têm poder para mudar ou alterar a cor de qualquer tipo de Raios incidentes separadamente, mas tomam todas as cores indiferentemente, com as quais são iluminados.
Estas coisas sendo assim, não pode ser mais contestado, nem se há cores no escuro, nem se elas são qualidades dos objetos que vemos, nem talvez se a Luz é um Corpo. Pois uma vez que Cores são qualidades da Luz, tendo os seus Raios como sujeitos completos e imediatos, como pudemos pensar esses Raios como qualidades também, a não ser que uma qualidade seja sujeito de uma e sustentáculo de outra; o que de facto é chamá-la de Substância. Nós não poderíamos conhecer os Corpos por substâncias não fossem as suas qualidades sensíveis, e a Principal das quais sendo agora encontrado ser devido a uma outra coisa, temos boa razão para acreditar que seja uma Substancia também.
Além disso, quem alguma vez pensou qualquer qualidade como sendo um agregado heterogéneo, como se descobriu que é a Luz [?]. Mas para determinar mais completamente o que a Luz é, de que modo refrata, e por que modos ou ações ela produz na nossa mente as Sensações das cores, não é tão fácil. E eu não misturarei conjeturas com certezas.
Revendo o que escrevi, vejo que o próprio discurso conduz a diversas Experiências suficientes para o seu exame: E portanto não o incomodarei mais, a não ser para descrever uma delas, a qual eu já dei a entender.
Em uma Sala escurecida faça um orifício numa janela, cujo diâmetro pode com conveniência ser de cerca de uma terça parte de uma polegada [0,8 cm], de modo a deixar entrar uma quantidade conveniente de luz do Sol: aí coloque um Prisma transparente e sem cor para refratar a luz que entra em direção ao lado mais distante da Sala, que, como eu disse, será assim difundida numa Imagem oblonga e colorida. Então coloque uma lente de cerca de três pés [7,6 cm] de raio (suponhamos uma lente Objetiva de um Telescópio de 3 pés), a uma distância de quatro ou cinco pés [10 ou 13 cm], através da qual essas cores possam ser transmitidas, e pela sua Refração feitas convergir a uma distância de cerca de 10 ou 12 pés [25 ou 30 cm]. Se a essa distância intercetar essa luz com uma folha de papel branco, verá as cores convertidas novamente em brancura através da sua mistura. Mas é necessário, que o Prisma e a Lente sejam mantidos estáveis, e que o papel, em que as cores são projetadas seja deslocado para a frente e para trás; pois com esse movimento, encontrará não apenas a que distância a brancura é mais perfeita, mas também verá, como as cores gradualmente se juntam e se extinguem em brancura, e após se terem cruzado nesse lugar onde compõem a Brancura, são novamente disseminadas e separadas, e em ordem inversa apresentam as mesmas cores que tinham antes de entrarem em composição. Pode também ver que, se alguma das Cores na Lente é intercetada, a brancura será alterada em outra das cores. E portanto, para que a composição da brancura seja perfeita, deve ser tomada precaução, de que nenhuma das cores caia fora da Lente.
No esquema anexo desta Experiência, ABC representa o Prisma colocado longitudinalmente à vista, perto do orifício F da janela EG.
O seu Ângulo vertical deve, por conveniência, ser de cerca de 60 graus: MN indica a Lente. Sua largura 2 1/2 ou 3 polegadas [6,3 ou 7,6 cm]. SF é uma das linhas retas nas quais os raios compostos podem ser concebidos como fluindo sucessivamente do Sol. FP e FR, [representam] dois desses Raios desigualmente refratados que a Lente faz convergir em direção a Q, e após interseção divergem de novo. E HI o papel, a diversas distâncias, sobre o qual as cores são projetadas: a qual em Q forma-se a Brancura, mas são Vermelho e Amarelo em R, r e ρ, e Azul e Púrpura em P, p e π.
Se prosseguir para testar a impossibilidade de mudar qualquer cor não composta (como declarei nas Proposições terceira e décima terceira), isso exige que a Sala seja colocada muito escura para evitar que qualquer luz dispersada se misture com as cores, as perturbem e dissipem, e as tornem composta, contrariamente ao objetivo da Experiência. É um requisito também que haja uma separação mais perfeita das Cores, que a separação realizada por Refração como descrita, por um único Prisma. E não será difícil fazer tal separação para aqueles que considerem as descobertas leis da Refração. Mas se experiências forem feitas sem uma completa separação de cores, devem ser consideradas mudanças proporcionais à mistura. Assim, se luz Amarela composta incidir sobre o Azul do Bise, o Bise não surgirá perfeitamente amarelo, mas antes verde, porque seguiram na mistura amarela muitos raios verdes, e sendo o Verde menos longínquo da cor azul comum do Bise do que o amarelo, é a mais abundantemente refletida.
De modo semelhante, se uma qualquer das cores Prismáticas, suponhamos o Vermelho, for intercetada, de modo a mostrar o que afirmámos da impossibilidade de voltar a obter aquela Cor das outras que são transmitidas, é necessário, ou que as cores sejam muito bem separadas antes do vermelho ser intercetado, ou que juntamente com o vermelho, as cores próximas, pelas quais o vermelho está secretamente disperso (ou seja, o amarelo, e talvez o verde também), também sejam intercetadas, ou senão que seja permitida a emergência de tanto vermelho quanto possível, do verde [e] amarelo, que poderia ter sido difundido e misturado nessas cores. E se estas coisas forem observadas, uma nova Produção de Vermelho, ou de outra cor antes intercetada será impossível.
Isto, penso, basta para uma Introdução a Experiências deste género; e se algum dos membros da R. Society estiver tão curioso ao ponto de as realizar estarei muito contente por saber do sucedido: e se alguma coisa parecer defeituosa ou contrariar este relato, possa ter uma oportunidade de dar mais indicações a esse propósito, ou de reconhecer os meus erros, se cometi alguns.
Notas do tradutor:
1O início do ano de 1666 indicado no texto, coloca diversos problemas, e.g., a obtenção do prisma, o facto do Sol não se elevar muito no horizonte conforme era necessário para a realização as experiências relatadas e a própria localização de Newton. (Westfall, 1980, pp. 156–171).
2Robert Boyle, por exemplo, publicou o seu Experiments and Considerations Touching Colours em 1664, Descartes havia publicado Les Météors, como parte do seu Discourse de le Méthode em 1637. Ambos os livros são atentamente estudados por Newton no final do seu curso em Cambridge. O “celebrado fenómeno das cores”, ou seja, a passagem de luz por um prisma e a projeção de luzes coloridas do outro lado é amplamente conhecido.
3A lei da refração, lei dos senos ou lei de Snell-Descartes, foi publicado por este último em 1637.
4Aparentemente esta forma é uma inferência que tem por base a suposições de regularidade e simplicidade. De facto, na altura, não era possível supor que a luz solar era mais intensa na zona do amarelo que é assim a mais espessa do espetro, sendo a hipótese de linhas retas uma idealização de Newton (Lohne, 1968).
5Newton diz aqui que está a colocar o prisma na posição de desvio mínimo. Além disso deverá ter calculado os ângulos da luz incidente e emergente de acordo com princípios básicos da ótica geométrica que nos diz que δ + A = i + r onde δ é o desvio sofrido pela luz incidente, A o ângulo vertical do prisma, i e r os ângulos da luz incidente e refletida, respetivamente. Como na proposição de desvio mínimo i = r, vem que 2i = δ + A = 108° 8'', pois δ tinha sido determinado como sendo de 44° 56' e o prisma tem um ângulo vertical de 63° 12''.
6O ângulo de incidência da luz no prisma era de 54° 4' e o ângulo de refração metade do ângulo A, i.e., 31° 36'. Como Newton usava a relação invertida segue-se que o índice de refração seria de 1,55 (20/31). Shapiro (1979, p. 96) apresenta o poder dispersivo de vários tipos de prisma salientando um aspeto importante: Newton, ao contrário do que acontece agora, media o poder dispersivo usando os extremos do espetro, enquanto as modernas tabelas usam linhas intermédias.
7Newton está a considerar a hipótese de Grimaldi segundo a qual a luz encurvava após passar por uma fenda estreita. (Hall, 1990)
Paulo
Maurício
Escola Superior de Educação de Lisboa
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