Sistemas de Classificação
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- Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
Referência Moreira, C., (2015) Sistemas de Classificação, Rev. Ciência Elem., V3(4):212
DOI http://doi.org/10.24927/rce2015.212
Palavras-chave sistemas artificiais; sistemas naturais; sistemas práticos; sistemas racionais; sistemática; taxonomia; insetos;
Resumo
Sistemas Classificação
A vontade e a necessidade de organizar o mundo que o rodeia levou o Homem a classificar os seres vivos. As primeiras classificações feitas pelo Homem teriam um carácter prático, utilizando critérios de utilidade na sua vida quotidiana – classificação prática. Por exemplo, quando se identificam os animais e as plantas pela sua perigosidade (perigoso vs. não perigoso). Mais tarde os sistemas de classificação evoluem e utilizam características estruturais dos seres considerados – classificações racionais, que utilizam ainda um pequeno número de características, fazendo com que os poucos grupos discriminativos incluam organismos muito diferentes entre si – classificação artificial.
Estes primeiros sistemas de classificação racional e artificial são conhecidos desde as classificações atribuídas a Aristóteles (384-322 a.C.). O filósofo grego classificou os animais segundo critérios previamente definidos, compilando a informação na sua obra Historia Animalium. Aristóteles dividiu os seres vivos conhecidos à época em dois Reinos: o dos Animais, móveis e o das Plantas, imóveis – sistema que foi aceite até ao século XVII. Um dos discípulos de Aristóteles, Teofrasto (371-287 a.C.) elaborou a Historia Plantarum, onde classificou as plantas em vários grupos e subgrupos incluindo cerca de 480 plantas distintas.
À medida que se iam conhecendo novos mundos, novos organismos e se acumulava mais e mais informação acerca dos mesmos, havia a necessidade de atualizar os sistemas de classificação utilizando-se mais características. Surgem as denominadas classificações naturais que utilizam o maior número de características possível.
O botânico sueco Carl Linnaeus (1707-1778) concordava com Aristóteles na sua divisão dos organismos em dois reinos: Reino Animal e Reino das Plantas. No seu livro Systema Naturae, publicado em 1735, Linnaeus apresentou as bases das classificações atuais colocando os organismos numa hierarquia. Nesta primeira edição Linnaeus classifica as plantas utilizando caracteres sexuais como o número e o arranjo dos estames (órgãos masculinos) e dos carpelos (órgãos femininos). Na 10º edição (publicada em 1758) C. Linnaeus admitia a existência de seis classes de animais: Mammalia (mamíferos), Aves, Amphibia (anfíbios e répteis), Pisces (peixes), Insecta (insetos) e Vermes (todos os outros invertebrados não considerados nos insetos).
A obra de C. Linnaeus foi muito contestada na altura e o próprio admitia que o seu sistema de classificação era artificial. Um dos seus principais críticos era o conde de Buffon, que começava já a elaborar conceitos evolucionistas segundo os quais a rigidez do sistema de C. Linnaeus não podia ser aceite.
Todas estas classificações artificiais e naturais surgiram numa época na qual dominavam as ideias fixistas, baseando-se no facto de os seres vivos não sofrerem qualquer alteração após a sua criação, o chamado Principio da Imutabilidade das espécies – classificações horizontais.
Lamarck é o primeiro a publicar uma “árvore da vida” em que as relações entre as espécies são definidas pela sua relação evolutiva. Mas é em 1859 Charles Darwin com publicação de A Origem das Espécies (do inglês The Origin of Species), que apresenta à comunidade a sua teoria de evolução das espécies por seleção natural. Os organismos não permanecem imutáveis desde a sua criação, mas antes evoluem ao longo do tempo. Esta ideia de mutabilidade dos organismos vai influenciar os sistemas de classificação, que no período pós-Darwin passaram a refletir a história evolutiva dos seres vivos – classificação vertical.
As classificações, sob esta nova visão evolucionista, têm em conta que as espécies foram diversificando ao longo do tempo, agrupando os organismos de acordo com o seu grau de parentesco – classificação filogenética. As semelhanças entre organismos surgem como consequência da existência de um ancestral comum, a partir do qual os vários grupos divergiram. Vários projetos multimédia contemporâneos ilustram estas relações de forma interativa (ver por exemplo: http://tolweb.org/tree/ ).
Atualmente, podemos identificar dois principais grupos de classificação: fenética e filogenética. A classificação fenética preocupa-se com uma rápida identificação de um ser vivo, sem se preocupar com as relações evolutivas entre esse organismo e os outros. A base da classificação é o grau de semelhança entre os organismos, utilizando o maior número de características fenotípicas quanto à sua presença ou ausência. A utilização de caracteres fenotípicos semelhantes pode enviesar os resultados aproximando organismos que na verdade não são próximos evolutivamente. A semelhança dos caracteres pode dever-se a uma evolução convergente que terá originado estruturas análogas e não a uma evolução divergente de estruturas homólogas (importantes na inferência filogenética).
Os sistemas de classificação filogenética tentam traduzir as relações entre os organismos numa tiva evolutiva, utilizando características que podem ser agrupadas em dois grupos:
- Características plesiomórficas (primitivas, ancestrais) – presente em todos os organismos de um determinado grupo como resultado de um ancestral comum que já teria essa característica
- Características apomórficas (derivadas, evoluídas) – presentes nos indivíduos de um grupo
mas ausentes do ancestral comum, indicativo de uma separação de um novo ramo
- Características sinapomórficas – quando taxa diferentes partilham uma apomorfia.
Por exemplo, no caso dos tetrápodes (por exemplo, o cão, o Homem e a gaivota) todos têm quatro membros (pernas e braços), ter quatro membros é uma característica apomórfica para os vertebrados mas plesiomórfica para os tetrápodes. A filogenética utiliza a análise cladística, que classifica os organismos em grupos hierárquicos monofiléticos, com recurso a caracteres sinapomórficos. As classificações são apresentadas na forma de árvores – os cladogramas, que mostram as relações ancestrais entre espécies, revelando as relações monofiléticas. Mais recentemente o aumento exponencial do conhecimento genómico, levou ao aparecimento de árvores evolutivas baseadas na aplicação de algoritmos estatísticos e bio-informáticos à informação genética. Esta abordagem é particularmente relevante quando aplicada a famílias de genes muito conservadas, mas apresenta por vezes divergências em relação à análise cladística, razão pela qual na atualidade se tende cada vez mais a considerar as duas abordagens como complementares, com vantagens e limitações.
Na elaboração dos diferentes sistemas de classificação podem-se utilizar vários critérios, que vão evoluindo à medida que os estudos dos seres vivos se torna mais pormenorizado com o avanço da tecnologia. Alguns dos critérios usados atualmente são:
- morfológicos – morfologia externa corresponde às características (fenótipo) do organismo, que pode variar ao longo da vida deste. A morfologia e a fisiologia têm de ser cuidadosamente utilizadas porque a presença de órgãos análogos pode resultar de uma evolução convergente, de adaptação a pressões semelhantes, e o facto de alguns organismos sofrerem metamorfoses faz com que evidenciem características muito diferentes ao longo dos diferentes estádios da sua vida, podendo levar a uma classificação errada.
- simetria corporal –alguns organismos são assimétricos (ex. Esponjas), outros têm um único plano de simetria – simetria bilateral (ex. Homem), outros têm vários planos – simetria radial (ex. Ouriço-do-mar)
- tipo de nutrição – os organismos apresentam diferentes fontes de carbono e de energia. Podem ser classificados em fototróficos, quimiotróficos, autotróficos e heterotróficos (ver tabela).
Fonte de Carbono | ||||||
Fonte de Energia | Fototróficos | Quimiotróficos | ||||
Autotróficos | plantas e algumas bactérias | algumas bactérias | ||||
Heterotróficos | algumas bactérias | animais, fungos e a maioria das bactérias |
- citologia – este critério estuda o nível de organização estrutural das células (procarióticas ou eucarióticas) constituintes dos organismos, o seu número (unicelular ou multicelular) e o seu grau de especialização (indiferenciado ou diferenciado).
- etologia – estuda o comportamento animal. Alguns comportamentos como a emissão de som por insetos ou anfíbios anuros (rãs e sapos) servem para estabelecer relações entre organismos e distinguir entre espécies diferentes.
- bioquímica – a análise comparativa das biomoléculas como as proteínas, o DNA, o RNA. A comparação de sequências de aminoácidos de proteínas tem-se revelado muito importante, por exemplo, na identificação de espécies próximas, e em relações de parentesco.
- cariologia – estuda o número (cariótipo) e a estrutura dos cromosssomas dos seres vivos. Todos os organismos de uma mesma espécie têm igual número de cromossomas, à execepção dos casos de mutação numérica, mas espécies diferentes podem ou não ter o mesmo número de cromossomas.
- embriologia – o estudo do desenvolvimento embrionário dos organismos. Tem-se revelado um critério importante na classificação de muitos animais que apresentam semelhanças em alguns estádios de desenvolvimento. Ernst Haeckel propôs a Teoria da recapitulação que ficou conhecida pela expressão “a ontogenia recapitula a filogenia”, isto é, o desenvolvimento do embrião de uma determinada espécie repete ao longo dos estádios embrionários a história evolutiva da espécie. Contudo os dados de Haeckel foram recolhidos de forma muito imperfeita e atualmente esta ideia é rejeitada, já que em nenhum reino é possível fazer uma relação deste tipo entre filogenia e ontogenia.
- estratégia reprodutiva – os organismos podem-se reproduzir de forma assexuada ou sexuada, obrigatória ou não.
Estes são apenas alguns critérios utilizados mas existem outros.
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