Deambulando pelo Faroeste Americano
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- MARE — Departamento de Ciências da Terra, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra
Referência Duarte, L.V., (2016) Deambulando pelo Faroeste Americano, Rev. Ciência Elem., V4(1):003
DOI http://doi.org/10.24927/rce2016.003
Palavras-chave Faroeste; América; cinema; parque; monumento; geológico;
Resumo
Inicia-se aqui uma rubrica dedicada a locais singulares da geologia do nosso planeta, de elevado impacto cénico, que dificilmente passam despercebidos aos olhos dos apreciadores das maravilhas da natureza. Amplamente divulgados no infindável mundo da internet, entre sites para todas as preferências, estes lugares conquistaram a nossa visita, na ânsia de experienciar ensações e de ver a geologia como deve ser observada, “ao vivo e a cores”. E assim, melhor perceber os processos geológicos e as modificações das paisagens ao tempo da sua génese. Para este desiderato, a fórmula encontrada foi a de tentar associar tais locais a outras singularidades, como no caso presente, a passagens retratadas em clássicos da indústria de Hollywood.
Neste sentido, nada melhor do que começar esta crónica pelo clássico “Thelma & Louise”, de 1991, considerando o elevado número de magníficas paisagens com que o filme brinda o espetador. Realizado por Ridley Scott, acompanhado pela música do previsível Hans Zimmer, seu habitual parceiro em obras cinematográficas, conta com as prestações únicas das atrizes Susan Sarandon e Geena Davis (ambas nomeadas então para o Óscar de Melhor Atriz). Numa constante fuga da polícia rumo ao México, onde nunca chegarão, Thelma e Louise vagueiam por um conjunto de rotas do sudoeste dos Estados Unidos da América (EUA). Sobressaem e multiplicam-se na pantalha, de forma por vezes algo errante quanto à sua sucessão lógica, magníficas imagens da geologia sedimentar do chamado Faroeste americano! Ora, em 1998 tive o ensejo de deambular por aquelas paisagens secas e, concretamente, palmilhar o local onde foi filmada a fluorescente cena do ciclista, de fácies jamaicano, fumador, quando encontra um carro da polícia largado numa estrada deserta, em cuja bagageira se encontrava aprisionado o próprio agente da autoridade! Tudo ao som das notas musicais de “I can see clearly now”! Simplesmente inenarrável! Estamos a falar do Arches National Park, em pleno Estado do Utah, cujo contexto geológico e a moldura da paisagem são tão avassaladores, quanto nos turvam a visão com uma miragem que parece transportar-nos para o mundo incrível da ficção, mas que é mesmo real. Formações sedimentares, siliciclásticas, a perder de vista no horizonte, resultantes de processos erosivos atmosféricos, dos quais resultaram as dezenas de arcos identificados com nome próprio, morfologias que caracterizam este Parque Nacional. A maioria dos arcos define-se em unidades do Jurássico, pertencentes sobretudo à Formação Entrada Sandstone. Uma sucessão sedimentar depositada então numa gigantesca área continental, tal como é fácil subentender a partir das reconstituições paleogeográficas admitidas para o Mesozoico do que é hoje o sudoeste dos Estados Unidos.
É neste tipo de cenário paisagístico sedimentar, onde pontificam ainda os parques Bryce Canyon (com as célebres chaminés de fada a rivalizarem com as da Capadócia), Zion(com as tradicionais dunas fossilizadas) e o Capitol Reef (o mais colorido e com um pouco de tudo a nível geológico), amplamente reproduzidos na sétima arte desde os tempos de John Wayne, que se enquadra o vizinho Canyonlands. Porventura, uma das reservas naturais mais espetaculares dos Estados Unidos, dado o impacto da diversidade de morfologias desenhadas na paisagem. Entre as geoformas contam-se canyons, mesas, cornijas e arcos, com os primeiros a darem, afinal, o nome ao parque nacional, dominado pela hidrografia do Colorado e do Green River. Cursos de água que confluem na porção sul do Parque, seguindo, a partir daí, a mesma trajetória em direção ao imenso Grand Canyon, já no Estado do Arizona. São morfologias a esculpirem centenas de estratos sub-horizontais, datados do Carbónico ao Cretácico (contabilizando cerca de 250 milhões da história da Terra), numa multiplicidade de rochas, unidades e ambientes sedimentares. Com uma sedimentação triásica e jurássica, dominantemente clástica, e de origem continental, depositada em ambientes tão áridos como aquele que parece dominar a paisagem atual. É o Princípio do Uniformitarismo a funcionar.
Em matéria geológica, tal como o voo insólito sobre o “abismo”, a película termina numa apoteose de paisagens particularmente arrebatadoras. Na verdade, o suposto Grand Canyon de Louise, que Thelma, na sua mais genuína sensibilidade, apelida de um inevitável “isn’t it beautiful?”, não é mais do que uma das imagens mais deslumbrantes desta região do Utah, o Dead Horse Point. Tal como é toda a imensidão sobreposta ao Island in the Sky, no coração do Canyonlands. Lindo!
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