Oxigénio ou o teatro da Química
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- CIQUP/ Universidade do Porto
Referência Monte, M.J., (2017) Oxigénio ou o teatro da Química, Rev. Ciência Elem., V5(2):025
DOI http://doi.org/10.24927/rce2017.025
Palavras-chave Lavoisier; Teatro; Flogisto;
Resumo
A peça “Oxigénio” de Carl Djerassi e Roald Hoffmann, publicada, em tradução, pela Universidade do Porto em 2005, centra-se na descoberta do oxigénio e envolve quatro ilustres personagens dessa época – finais do séc. XVIII – Scheele, Priestley e os Lavoisier (Antoine e Marie Anne). A abordagem dos autores, muito criativa e bem humorada, recorre a um ficcionado prémio do Retro-Nobel constituído em 2001 para comemorar o centenário dos prémios Nobel. Nas reuniões do Comité da Química foi acordado selecionar a descoberta do oxigénio para o primeiro Prémio Retro-Nobel. Mas a quem são devidos os créditos dessa importante descoberta?
Scheele e Priestley, por esta ordem, antecederam Lavoisier na produção laboratorial do novo ar, havendo evidência de que Lavoisier teria tido conhecimento prévio do trabalho daqueles dois cientistas. Além da questão da prioridade da descoberta, os membros do imaginário comité Retro-Nobel questionam-se sobre o que é uma descoberta científica e se o seu mérito depende ou não da sua compreensão pelo autor da descoberta. Terá a descoberta o mesmo valor quer se deva apenas a experiências fortuitas, quer quando essas experiências são planeadas para tentar demonstrar a validade de uma hipótese ou as suas consequências são convenientemente racionalizadas pelo autor?
Priestley e Scheele continuaram fiéis à doutrina do flogisto. Para eles, a descoberta do ar deflogisticado não veio perturbar a Teoria em vigor. A mesma fidelidade ao flogisto tinha sido antes demonstrada por Cavendish quando descobriu o ar inflamável e lhe atribuiu acertadamente a qualidade de elemento, mas assumindo que o ar inflamável seria puro flogisto ou água flogisticada. Pode questionar-se se a prioridade da descoberta da composição da água deve ser atribuída a Cavendish ou a Lavoisier. Mas foi Lavoisier quem designou o ar inflamável por hidrogénio (produtor de água) demonstrando de forma clara que esta poderia ser obtida pela reação entre o hidrogénio e o oxigénio (produtor de ácidos) que ele também batizou. Embora Lavoisier não tenha atribuído explicitamente os créditos da descoberta do oxigénio a quem os merecia, a ele se deve a racionalização do papel fundamental do oxigénio nos processos da combustão e da respiração. Com a revolucionária teoria da combustão, onde o oxigénio desempenhava um papel central, Lavoisier incinerou o espetro do flogisto, Teoria que dominava a Química desde que Stahl, em 1703, a adaptou da Terra Pinguis proposta por Becher em 1667.
Na mascarade intitulada Vitória do Oxigénio sobre o Flogisto, que parece ter sido efetivamente representada pelos Lavoisier em homenagem aos seus ilustres patrocinadores científicos, como era uso em França, e que foi reinventada pelos autores do livro como tendo acontecido em Estocolmo (com Scheele, Priestley, e suas damas, na plateia), Mme Lavoisier, mascarada de oxigénio, termina a sua cáustica representação com os seguintes versos:
“Mon cher Monsieur – dirigindo-se a Lavoisier que representava
o Flogisto nessa pequena sátira –, Poupai-vos, não façais mais
tentativas!
Sabeis que não existem essas massas negativas!
A Revolução da Química está quase a despontar
E nascendo o oxigénio de luz a vai inundar
O flogisto é noção arcaica, que deve ser rejeitada,
Teoria obsoleta que será abandonada.
Nas reacções químicas isto sempre permanece
Nem nada se cria nem nada perece.
Pela nova química, nós rejubilamos,
E aos soberanos patrocinadores agradeçamos:
Aos nossos Louis, George e Gustavo, Rei da sapiência,
Sob a Vossa luz o flogisto apagaremos da ciência.
Juntemo-nos celebrando a vitória do ar vital,
E a derrota do esotérico perante o racional!”
A refutação do flogisto por Lavoisier ao elaborar a sua teoria da combustão teve por base muito trabalho experimental, com recurso a rigorosas pesagens, que o levou a concluir, como é sabido, que a massa era conservada nas reações químicas. Daí a ridicularização a que Lavoisier expôs a Teoria do Flogisto, que necessitava de admitir que esse misterioso fluido não tinha massa e até poderia ter massa negativa para justificar o aumento de massa que se verificava na calcinação dos metais (quando um material entrava em combustão perdia flogisto – rezava a doutrina) formando calx (óxido do metal). Mas, para interpretar a natureza dos processos caloríficos, Lavoisier teve de substituir a Teoria do Flogisto pela Teoria do Calórico – que postulava a existência de um fluido (também) sem massa que podia entrar em todas as substâncias ou sair delas. Na altura, isto explicava muito bem a dilatação ou contração dos materiais com a temperatura (com exceção da água). Ironicamente, viria a ser Rumford, que casou com a viúva de Lavoisier em 1805 (11 anos após a morte deste pela guilhotina revolucionária), quem primeiro refutou a Teoria do calórico. Em 1798, Rumford demonstrou experimentalmente que o calor não era um fluido material, podendo ser simplesmente gerado por fricção. Porém, a arrogância do Conde de Rumford e as suas tentativas de menosprezar parte do trabalho de Lavoisier enfureceram Marie Anne que, além de esposa, fora uma notável parceira científica de Antoine. As tensões crescentes levaram à inevitável separação do casal em 1808, tendo o fim do matrimónio sido consumado em 1809.
Fica o convite para a peça de teatro Oxigénio1 de dois grandes químicos, um prémio Nobel e outro que bem poderia tê-lo sido. Djerassi, Doutor Honoris Causa também pela Universidade do Porto, foi o inventor da pílula contracetiva!
Notas
1GTUFLisboa (SASULisboa, cantina velha), 11/Julho/2017, pelas 22 horas, enquadrada no IV Encontro Internacional da Casa das Ciências.
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