Stephen Hawking doutorou-se em Física Teórica em 1966 pela Universidade de Cambridge, sob a supervisão de Dennis Sciama. Apesar da sua condição física progressivamente limitativa, manteve-se extremamente ativo na investigação nas áreas de cosmologia, física dos buracos negros e gravitação quântica.

Nessa altura, havia uma considerável discussão acerca da realidade e ubiquidade de singularidades, pontos no espaço-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sentido e não desaparecendo através de mudança de sistemas de coordenadas que descrevem o espaço-tempo. Na segunda metade da década de 1960, Hawking e o matemático inglês Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitáveis no contexto da Teoria da Relatividade Geral (ver, para uma descrição exaustiva, o livro Large Scale Structure of Space-Time escrito em colaboração com o físico sul-africano George Ellis, publicado em 19731). Uma dessas singularidades corresponde ao início do Universo – Big Bang –, e outras estão presentes no interior dos buracos negros, não acessíveis à observação devido à presença de um horizonte de acontecimentos que, segundo a Conjetura da Censura Cósmica de Roger Penrose, protegem sempre as singularidades de se apresentarem “nuas”.

Subsequentemente, em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam radiar termicamente a uma temperatura específica, inversamente proporcional às suas massas, temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking. Esta ideia dá origem ao paradoxo da informação, em que a informação que entrava no horizonte de evento se perdia. Com este contributo passou-se a ter uma equivalência entre a dinâmica e a termodinâmica de buracos negros2,3.


FIGURA 1. Emissão da radiação térmica de Hawking por um buraco negro.

No princípio da década de 1980, Hawking iniciou, em colaboração com o físico norte-americano James Hartle, o programa de investigação que hoje designamos por cosmologia quântica. Na cosmologia quântica, o espaço-tempo é descrito por uma função de onda, a função de onda do Universo, como na Mecânica Quântica. Esta equação de onda satisfaz uma equação análoga à de Schrödinger da Mecânica Quântica, a equação de Wheeler-DeWitt. A proposta de Hartle e Hawking é que a função de onda descreva um espaço-tempo sem fronteiras (No-Boundary proposal). A ideia é que à medida que retrocedemos no tempo, chegamos a um ponto em que o Universo é pequeno o suficiente para que efeitos quânticos sejam dominantes. Nesta altura, existe uma espécie de “espuma” do espaço-tempo de tal modo que o tempo não pode ser interpretado do modo como o vemos hoje, mas sim como uma quarta dimensão espacial. Uma analogia útil é a seguinte: se viajarmos para o Polo Sul, temos de seguir sempre para sul, mas quando alcançamos o ponto do Polo Sul já não faz sentido falarmos na direção sul; pelo mesmo raciocínio, ao retrocedermos no tempo há um ponto/instante em que não faz sentido falar-se em tempo. Matematicamente, isto torna-se possível passando de um espaço-tempo de Minkowski, como na Relatividade Restrita, para um espaço Euclideano a quatro dimensões, no qual o tempo passa a ser um número puramente complexo. Com esta formulação, o Universo não tem uma fronteira além daquela que permite a transição entre as duas descrições para o espaço-tempo, e que é exemplificado na FIGURA 2. Esta geometria é designada por shuttlecock ou volante/pena de badminton, devido à semelhança com este objeto2,4.


FIGURA 2. Representação tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal). A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensões, e a estrutura que apresenta o tempo como uma direção distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansão5.

Hawking também estudou outros problemas como o das máquinas do tempo, e questões relacionadas com a cosmologia e a formação de estruturas no Universo. Com o seu caraterístico humor, Hawking afirmou não ser possível viajar no tempo. Para tal sugeriu organizar uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele, e dado que ninguém apareceu, concluiu então que viagens no tempo não são possíveis na realidade. Outra prova prende-se com o facto de não termos recebido ainda turistas do futuro, numa clara alusão irónica à procura turística desenfreada que assistimos nos dias de hoje.

Mais recentemente, ele pronunciou-se sobre questões de interesse geral como as implicações do desenvolvimento da inteligência artificial e a necessidade e inevitabilidade da exploração espacial. Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domínio da inteligência artificial, classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civilização, pois apesar dos potenciais benefícios comportam sérios riscos à continuidade da humanidade. Relativamente à exploração espacial, Hawking encarava as viagens espaciais quer pelo seu interesse científico quer como forma de preservar a humanidade de riscos de destruição devido a guerras nucleares, ou epidemias devido a vírus geneticamente modificados.

O físico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinária contribuição científica e humana. Deixou um extraordinário exemplo de resiliência, dedicação ao conhecimento e à sociedade. Fisicamente debilitado e “preso” a uma condição rara, a esclerose lateral amiotrófica que lhe foi diagnosticada aos 21 anos, a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos: concebeu hipóteses, conjunturas e teorias; pensou a sociedade de hoje e a do futuro.