Paisagens da Islândia: Formas e Processos (III)
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- CITEUC/ Universidade de Coimbra
Referência Lopes, F.C., (2018) Paisagens da Islândia: Formas e Processos (III), Rev. Ciência Elem., V6(2):048
DOI http://doi.org/10.24927/rce2018.048
Palavras-chave vulcanismo, vulcões tipo escudo, glaciares, Crista Meso-Atlântica, Dorsal Média Atlântica, rift, rifte, Vales glaciares, fiordes, fiorde, fjord, vales suspensos, lagos glaciares, cascatas, círculos glaciares, moreias, icebergues
Resumo
A Islândia é famosa não só pelos seus vulcões mas também pelos seus glaciares e pela sua sinuosa e escarpada linha de costa1,2,11.
Atualmente os glaciares cobrem cerca de 10% da superfície islandesa e 60 % destas áreas geladas assentam sobre sistemas vulcânicos ativos12. Esta combinação de gelo e vulcanismo torna a Islândia o local ideal para cheias repentinas (jökulhlaups) resultantes de água que escorre por baixo dos glaciares devido à fusão provocada pelas erupções subglaciares. Atualmente existem 4 grandes calotes glaciares, localizados nas regiões elevadas e vulcanicamente ativas do centro e sul da ilha, a partir das quais divergem numerosas línguas glaciarias1,2: Vatnajökull (8100 km2), situado no centro leste5; Langjökull (925 km2), situado no centro oeste; Hofsjökull (925 km2), situado na zona central da ilha; Myrdalsjökull (600 km2), situado no sul da ilha. Apesar da Islândia ter cerca de 24 Ma, a sua paisagem só foi moldada por glaciares nos últimos 5 milhões de anos11. Os seus glaciares, de tipo alpino (ou de montanha), avançaram e recuaram condicionados pelas variações regionais e locais do clima, de que resultaram espetaculares morfologias. Como já se referiu anteriormente, as variações da carga glaciar sobre a litosfera, provocadas pelas fases de gelo e degelo, terão desempenhado papel importante na atividade vulcânica da ilha.
Com um comprimento de cerca de 4970 km, a linha de costa da Islândia é, de um modo geral, muito recortada e escarpada, marcada por promontórios, cabos, penínsulas, fiordes, e enseadas, pontilhada de leixões, por entre os quais se aninham praias de areia negra, de contornos suaves1,2,11. A ação do mar sobre as inúmeras escoadas de lava que fluíram até à costa, ao longo da evolução geológica da ilha e ali solidificaram, sobre os aparelhos vulcânicos implantados na zona litoral e sobre os vales deixados pelo recuo dos glaciares, criou paisagens de uma beleza surreal.
Parte III - Paisagens controladas pelos glaciares e paisagens costeiras
Vales glaciares e fiordes
Vales glaciares, vales suspensos, lagos glaciares e cascatas, círculos glaciares, moreias e fiordes são formas características das paisagens islandesas, criadas pelos seus glaciares alpinos. Os vales glaciares, com o seu característico perfil em “U”, são a forma mais comum de paisagem originada pela erosão glacial (FIGURA 1). No interior destes vales, os rios concentram o seu poder erosivo na zona mais baixa, originando um perfil característico em “V”. O poder erosivo dos glaciares é muito superior ao dos rios porque a sua energia potencial resulta não só do declive do terreno mas também do peso do gelo. A erosão faz-se, essencialmente, ao longo das zonas laterais do canal, criando um vale com vertentes alcantiladas e fundo aplanado. Vales suspensos são vales escavados por glaciares tributários. Como estes glaciares levam menos gelo, o seu poder erosivo é menor que o do glaciar principal, ficando suspenso nas vertentes do glaciar principal, quando o gelo recua. Constituem exemplos notáveis, pela sua beleza e dimensão, os vales glaciares de Borgarvirki (FIGURA 2) e de Akureyri (ou Eyjafjörður; FIGURA 3), no noroeste da ilha. Este último vai desembocar num fiorde que é mais longo da Islândia.
Se as condições forem favoráveis, os glaciares podem erodir abaixo do nível do mar. Quando o glaciar recua, o oceano invade estas depressões, criando um fiorde (FIGURA 4). Alguns dos fiordes islandeses, como o de Akureyri (FIGURA 3 e 6) e o de Nordfjord (nordeste da ilha; FIGURA 5), possuem centenas de metros abaixo do nível do mar. O fiorde de Nordfjord abrange parcialmente uma antiga caldeira vulcânica. Nas falésias do seu flanco oriental (falesias de Raudubjörg), afloram riólitos, conferindo às arribas uma característica cor avermelhada).
Como se referiu anteriormente (Parte I), a orientação da maioria dos vales glaciares e fiordes segue de perto a orientação dos principais lineamentos tectónicos.
Moreias
Em termos de aspectos deposicionais relacionados com glaciares, as moreias são, de longe, os mais abundantes. São acumulações de fragmentos rochosos transportados pelos glaciares quer na região frontal (moreia frontal), lateral (moreia lateral), a meio (moreia mediana) e no fundo (moreia de fundo) (FIGURA 6).
Durante o último máximo glaciar (há cerca de 20000 anos), a Islândia estava quase toda coberta por glaciares, que se estendiam até à costa, e para além dela. Foram encontradas moreias frontais dessa época, a cerca de 130 km a offshore da costa ocidental e a cerca de 150-230 m abaixo do nível de mar atual11,12.
É possível encontrar nos vales glaciares islandeses quer moreias antigas, resultantes da última glaciação, quer moreias recentes e atuais. Estas últimas estão relacionadas com as 4 grandes calotes glaciares existentes, como é o caso das moreias do glaciar Vatnajökull, que se podem observar em pleno no sector sudeste da ilha (FIGURA 7 e 8).
Lagoas glaciares e icebergues
Outra das paisagens magníficas moldadas pelos glaciares são as lagoas glaciares. Estas lagoas formam-se na extremidade dos glaciares que descem das calotes glaciares. São alimentadas pelo desgelo natural dos glaciares e nela flutuam pequenos e grandes icebergues que se separam da frente do glaciar (FIGURA 9).
O exemplo mais notável deste tipo de lagoas na Islândia, é a lagoa de Jökulsárlón, considerada uma das maravilhas naturais do país11. Fica situada no sudeste da ilha, na extremidade do glaciar Breiðamerkurjökull, uma das língua glaciares da calote de Vatnajökull (FIGURAS 10 e 11).
A lagoa de Jökulsárlón é o ponto mais baixo da Islândia, com zonas à cota de -200 m. Na baía da lagoa tem-se acesso a uma paisagem de outro mundo, com icebergues de dimensões variadas que flutuam até ao mar, ficando alguns deles encalhados na margem de uma praia de areia vulcânica. Alguns icebergues exibem faixas negras correspondentes a níveis de cinzas vulcânicas provenientes de antigas erupções (FIGURA 10). Outros exibem duas tonalidades: branco leitoso e azul claro (FIGURA 11). A faixa azul corresponde à porção do icebergue que se tornou recentemente emersa.
A lagoa terá sido formada em 1934-35 pelo continuo recuo do glaciar Vatnajökull, e terá duplicado de tamanho nos últimos 15 anos. Dada a taxa atual de recuo do glaciar Vatnajökull, um profundo fiorde irá desenvolver-se no local onde hoje existe a lagoa.
As costas escarpadas
As costas escarpadas e recortadas, são, sem dúvida, as mais dominantes. Ocorrem deste o oeste ao leste da ilha, passando pela região norte, incisas por numerosos fiordes e pequenas enseadas e salpicadas por leixões (FIGURAS 3, 5 e 12). É notável pela sua forma de dragão e pelas lendas que o envolvem, o leixão de Hvitserkur, situado na costa leste da Península de Vatnsnes, no noroeste da Islândia (FIGURA 13).
Os fiordes mais profundos localizam-se na costa norte, constituindo bons portos naturais. Um destaque especial vai para o fiorde ao longo do qual se estende a cidade de Akureyri (fiorde de Akureyri ou Eyjafjörður), considerado o mais longo do país (FIGURAS 6 e 3).
Praias de areia Negra
As praias de areia negra, em geral de reduzida extensão, podem ser constituídas por: i) depósitos resultantes da abrasão das arribas (FIGURA 12); ii) moreias e depósitos fluviais resultantes dos rios glaciares, com contornos suaves e lagoas glaciares protegidas por extensas barras arenosas; iii) depósitos de tefra provenientes de erupções freáticas.
As do primeiro tipo ocorrem um pouco por toda a linha de costa, como resultado da ação do mar sobre as arribas. As do segundo tipo ocorrem dominantemente entre Djúpivogur, a sudeste, e Ölfusá, a sudoeste, com destaque para a praia de Reynisfjara (FIGURA 13) na costa sul. As da terceira categoria podem ser observadas na ilha de Heimaey, arquipélago de Vestmannaeyja, região sul da Islândia (FIGURA 14).
Notas finais
Pela sua posição geográfica e pelo seu contexto geotectónico, a Islândia é um verdadeiro laboratório natural para observação e estudo de uma grande variedade de processos geológicos e climáticos, cuja interação se reflete na formação de ambientes diversificados e invulgares e paisagens surrealistas. Por esse motivo, esta ilha do Atlântico Norte é um destino de elevada atração para uma grande variedade de geocientistas. Também por esse motivo, tem sido, nos últimos 15 anos, destino de eleição para o turismo em massa, cada vez mais voltado para o contacto com a natureza, as atividades ao ar livre e as questões ambientais. A grande maioria dos circuitos turísticos clássicos percorre locais classificados como geomonumentos, onde há uma série de regras a cumprir e onde a recolha de amostras, mesmo as que se encontram espalhadas pelo solo, é expressamente proibida. Envoltos em mitos e lendas, muitos destes locais são, também, santuários de vida selvagem, nomeadamente de aves como os gansos, os cisnes e os papagaios do mar. Embora tenha contribuído para o crescimento económico do país, a crescente pressão turística começará, a breve trecho, a refletir-se nas condições logísticas e infraestruturas, que não abundam, e no frágil equilíbrio dos próprios ambientes naturais.
O presente trabalho resultou de duas visitas do autor, em Agosto de 2015 e Agosto de 2016, como formador da Ação de Formação para professores dos Ensinos Básico e Secundário “A relevância da Bio e Geodiversidade dos ecossistemas árticos e subárticos da Islândia”, promovida pela Associação de Professores de Biologia e Geologia.
Referências
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