Quando se fala em complexidade queremos dizer que estes problemas nascem associados a múltiplos aspetos e componentes, e a inúmeras relações e interações. Por exemplo, as eleições num país são hoje objeto da exploração de redes sociais (e do aplicativo WhatsApp) via Internet, do recurso a notícias falsas, além da atividade habitual dos media correntes (jornais, rádio, televisão). Daqui resultam padrões de comportamentos humanos coletivos em grande escala e com uma relevância política assinalável.

Peguemos no caso das manifestações de rua, que por vezes envolvem a violência, e que são habituais em muitos países (França, Ucrânia, Reino Unido, Espanha, Itália, Egito). Na última década, as do Cairo ficaram famosas por estarem associadas à chamada Primavera Árabe, num conjunto de países do norte de África (Tunísia, Argélia e Marrocos). Em geral, recorre-se às reportagens em vídeo (televisão e rádio), às entrevistas, ou aos inquéritos de rua. Podemos também estudar estes conflitos sociais, graças à simulação social e às redes, os quais são confrontações entre atores públicos, um tipo de lutas pelo poder e a agência numa sociedade.

No caso do recurso à simulação social, baseada em computador, e quando existe complexidade, podemos recorrer à modelação baseada em agentes inteligentes (vulgo Agent Based Modeling ou ABM), um tópico da Inteligência Artificial, e a ferramentas computacionais simples, como o NetLogo (disponíveis livremente na Internet). Um agente é qualquer entidade que percebe o ambiente envolvente (através de sensores) e que age através de atuadores. Deve ser autónomo, isto é, decidir por si próprio (em função dos estímulos recebidos da envolvente) de forma a alcançar os seus objetivos, e possuir algum mecanismo de cognição. Isso permitirá a construção rápida de demonstrações e protótipos, a visualização das interações e o controlo de vários parâmetros num cenário simples. A dinâmica dos padrões ajuda a pensar e sugere ainda várias outras experiências que se podem depois fazer. O modelo de agentes escolhido consagra o círculo virtuoso de observar-planear-comportar, com estados internos e decisão.

A Simulação é uma área popular neste momento em muitas conferências científicas, ao longo do ano, inclusive em Portugal, com uma comunidade científica muito ativa em vários pontos do país.

Quando se enfrenta um conflito social, seja ele uma simples rixa de rua ou um violento confronto numa escadaria, a complexidade surge para nos alertar sobre os modos como a natureza humana se revela através de sentimentos. Sabemos que nem sempre os estados mentais são triviais, os dos seres humanos e os dos agentes artificiais, e que existe sempre uma complicação que emerge dos comportamentos por causa de emoções descontroladas, quase sempre por causas difíceis de explicar.

Se saltarmos da vida humana para os mundos virtuais e artificiais, os agentes podem não ter corpo e muitas vezes não necessitam mesmo de caraterísticas sociais e emocionais (caso de se adotarem modelos só com dois estados mentais, crenças e objetivos). Esta simplificação pode condicionar as atividades de pensar, refletir e antever as correntes de causalidade, de gerar os efeitos e do que virá a seguir no futuro. E isso pode constituir um enorme desafio e, por vezes, opta-se por amplificar essas habilidades, obtendo-se uma ajuda para a meditação da complexidade.

A plataforma ProtestLab é uma instalação laboratorial realizada em NetLogo, usando várias janelas de observação (variáveis) e contagem de aspetos, que permite realizar experiências sociais e complexas (em 2D e 3D). Os agentes não são sofisticados e não necessitam de modelos pesados (tipo Beliefs-Desires-Intentions ou Agent_Zero), respondendo bem a um leque de perguntas sofisticadas (O que engendrou a violência e porquê? Como e porquê se agruparam os agentes para atacarem os outros?).

Podemos ter pelo menos 1000 agentes, com tipos e personalidades diferentes (jornalistas de televisão para obter imagens de choques, polícias de motim, comando policial e manifestantes variados, desde os passivos até aos mais ativos e conflituosos) e uma condição humana variada (líderes, seguidores), num cenário pré-determinado em Lisboa (manifestação pela rua de São Bento abaixo, desde o Largo do Rato até às escadas da Assembleia da República (AR)), com saídas para a calçada da Estrela, avenida de D. Carlos I e rua de São Bento. O cenário de violência poderá surgir ao longo do trajeto da manifestação, entre os assistentes colocados nos passeios e o grosso dos manifestantes e na escadaria quando alguns participantes pretenderem subir as escadas, à força, e invadir a AR.

O realismo poderá ser restringido pelo número total de agentes envolvidos. O escalonamento até 2 000, 3 000, 5 000 ou 10 000 indivíduos poderá ser difícil num computador portátil (mas não num supercomputador), considerando a sua capacidade normal de armazenamento de dados e mesmo o seu poder de processamento. Esta atualização da dimensão da massa de manifestantes evoca a questão central do realismo e é material para uma avaliação mais ponderada sobre a verosimilhança dos resulatados obtidos. O recurso a imagens de outras manifestações (Madrid, Kiev, Londres, Cairo) permitirá um julgamento mais rigoroso, sobretudo se o contexto dos embates estiver acessível.

A ausência de agentes mais sofisticados (sem pulsões e laços sociais) também reduzirá o realismo da experimentação, embora se possa optar por 3 dimensões, melhorando a qualidade dos choques, o efeito visual mais espetacular e a natureza social do sistema. No entanto, a expressão de toda a paleta emocional de criaturas não será completamente revelada nos agentes artificiais e em escala microscópica. De igual modo, o efeito macro não será totalmente atingido, embora não seja pobre, e obter-se-á algo francamente interessante para refletir com o tempo e no espaço. Nomeadamente, os fenómenos complexos serão captados e compreender-se-á que estamos perante algo sofisticado do ponto de vista de um sistema social dinâmico e adaptativo. A temporalidade deverá ser analisada com algum cuidado, pois o efeito tempo poderá tornar a análise dos eventos mais acessível. Se optar por recorrer a um mecanismo de previsão do futuro (com aprendizagem e redes neuronais convolutas), o comando da polícia de choque reagirá com melhores estratégias para atrasar o progresso dos invasores, e, eventualmente, desviar parte dos manifestantes para as saídas.


FIGURA 1. Protestos na rua: representação em 2D dos manifestantes, polícias e jornalistas junto às escadarias da Assembleia da República, em Lisboa. (Polícias a azul, manifestantes violentos a vermelho, manifestantes em luta a branco, manifestantes ativos a amarelo, manifestantes normais a verde, jornalistas (TV) figuras). Apresentam-se 4 instantâneos da simulação, o ponto de partida e o resultado depois de 59, 143 e 201 passos. Pode observar-se a dinâmica dos vários tipos de agentes considerados na simulação.

A construção e montagem artificial permitirá deixar antever um estado natural, submetido a normas e restrições, onde uma lógica de ações e reações ao longo do tempo será visível. As circunstâncias marcadas pela simulação poderão aproximar-se do realismo, possibilitando o acompanhamento das dinâmicas dos grupos, das adaptações e da evolução dos choques. As relações de coordenação e colaboração ajudarão a isolar as multitudes e a focar os agrupamentos. A transparência das escalas é razoável, com destaque para a atuação das lideranças das duas principais frentes (polícias versus protestantes) e com o acompanhamento dos media. O recurso a redes sociais e a notícias falsas também são vulgares e devem ser consideradas (transversalidade), com algum cuidado, pois provocam situações inesperadas (veja-se o caso do Brasil em 2018).

A ilusão da profundidade está também presente e acompanha o desenrolar dos acontecimentos, cuja imbricação pode ser horizontal ou vertical, em camadas. Sobretudo, a transparência das contas a ajustar é visível e não há desencanto, o que garante um efeito voyeur de quem acompanha de fora o desenlace final. Será interessante sublinhar como as organizações de dependência (em coletivos) poderão se comportar e que consequências provocarão no desenrolar de outros eventos.

A falta de corpos, nos agentes, não impede a abstração da dança entre os intervenientes, embora a falta de paixões não permita qualquer tipo de empatia ou agudização da cólera e da raiva (procura de possíveis vítimas tipo bodes expiatórios). E, a curiosidade mantém-se durante todo o tempo, não afastando o efeito imaginário de quem se envolve ou já participou em demonstrações de repúdio.

Quem assiste às sessões de demonstração do ProtestLab completa os detalhes do mundo físico através da sua própria imaginação e experiência, e não se ofende com a simplicidade das mentes das personagens criadas. Nestas experiências (em ciências sociais e políticas, nas Forças Armadas, GNR ou na PSP) são os padrões a terem uma grande capacidade de interrogar os observadores. E com a acessibilidade ao mecanismo do reconhecimento de padrões criam-se possíveis complicações.

A validação dos modelos baseados em agentes em simulação social depende muito das coleções de dados disponíveis (data sets), em particular a partir dos levantamentos (fotográficos, vídeos, filmes de televisão, entrevistas, ou inquéritos no local) realizados durante as próprias manifestações e ainda dos comportamentos dos agentes artificiais. Deste modo, podem-se comparar os padrões, entre os produzidos pelos modelos para a simulação e os reais vividos nos locais onde se realizaram as demonstrações. Um tal tipo de comparação exige muito trabalho complementar, sobretudo ao nível sociológico. A sofisticação do caráter dos agentes sugerirá o envolvimento da análise psicológica e sociológica.

A validação pode ser quantitativa (número de manifestantes muito ativos, aprisionados, ou capazes de atrair os media) e qualitativa (orientada pelos movimentos dos padrões, níveis de violência, e recurso a armas), e, assim, cobrir vários aspetos, dimensões e escalas. Nalguns casos, é admitido ser impossível qualquer validação dos modelos, ou dos mecanismos subjacentes. Além dos ABMs focados nos participantes, podem também existir outros modelos exploratórios e auxiliares, por exemplo focados em previsões, que poderão ajudar a esclarecer outros tipos de situações.

Interessa ainda lembrar que a instalação do ProtestLab se destina também a ajudar a ação reflexiva, recriando simulacros (ilusões) e libertando um tipo de narrativa ficcional (como nos jogos de computador, onde se confunde amiúde o real e o imaginário, de maneira a interrogar ambas as possibilidades e a alcançar alvos possíveis).

Finalmente, hoje em dia, para os investigadores de comunicação social (media sobre eleições, referendos) interessa explicar os fenómenos emergentes e os coletivos, como a dinâmica da opinião pública, a atenção coletiva e a ação coletiva. Isto implica aceder a níveis de análise, das ações individuais para as interações de grupo e as dinâmicas de agregados. Muitas das teorias de comunicação mais antigas, como a da espiral do silêncio ou da cultivação (efeitos de longo prazo da televisão), oferecem intuições sobre como estes níveis de análise podem ser integrados, embora sejam difíceis de testar empiricamente.