Diversidade no reino Fungi e aplicações à Indústria
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- * Ce3C/CESAM/Universidade de Lisboa
- ɫ Ce3C/Universidade de Lisboa
Referência Azevedo, E., Barata, M., (2018) Diversidade no reino Fungi e aplicações à Indústria, Rev. Ciência Elem., V6(4):077
DOI http://doi.org/10.24927/rce2018.077
Palavras-chave Fungi, fungos, organismos, micélio, meiósporos, mitósporos, sapróbios, fungos parasitas, simbiontes mutualistas, biodiversidade
Resumo
Os fungos são organismos que podem ser encontrados em quase todos os ambientes (terrestres e aquáticos) a colonizar uma grande variedade de substratos (solo, água, plantas, detritos orgânicos). O número estimado de espécies de fungos é de 2,2 a 3,8 milhões em oposição a cerca das 120 000 descritas. No que diz respeito à classificação dos organismos vivos, os fungos pertencem ao Domínio Eucarya e estão mais próximos dos animais do que das plantas, compartilhando o ancestral com os animais. Os fungos pertencem ao Reino Fungi e estão distribuídos por 6 filos e 4 sub-filos. Podem ser definidos, com base nas características morfológicas e fisiológicas, como organismos eucariontes, na maioria com soma filamentoso (micélio), heterotróficos com uma nutrição osmotrófica ou por absorção, diferente da dos restantes eucariontes. Propagam-se por esporos formados por meiose no processo de reprodução (meiósporos) e por esporos de propagação vegetativa formados por mitose (mitósporos). Como resultado do seu metabolismo os fungos podem ser prejudiciais (por exemplo devido à produção de micotoxinas) no entanto muitos são benéficos para o homem, sendo utilizados em várias indústrias nomeadamente na farmacêutica e na alimentar.
Os fungos ocorrem numa grande diversidade de ambientes: terrestre, marinho, dulçaquícola e aéreo, com uma distribuição global, das regiões temperadas às polares. Apresentam grande diversidade de formas, de ciclos de vida e de modo de vida. Os fungos na sua maioria são sapróbios, mas também existem fungos parasitas (de animais, de plantas e de outros fungos), simbiontes mutualistas (como líquenes, micorrizas e ainda associações com insetos e outros animais) e predadores de animais microscópicos.
Em 1991, foi apresentada uma estimativa conservadora para a biodiversidade fúngica de 1,5 milhões de espécies1. Os cálculos basearam-se no número de plantas vasculares e de fungos descritos para a Grã-Bretanha e na constatação que existiriam 6 espécies fúngicas para cada uma das plantas vasculares.
Em 2011, Blackwel, baseado em dados moleculares, apresenta uma nova estimativa de 5,1 milhões de espécies fúngicas2. Recentemente, em 2017, foram estimados novos números de espécies para a biodiversidade fúngica global: 2,2 a 3,8 milhões3. Nesta estimativa foram consideradas: as espécies crípticas, os dados de sequenciação das amostras ambientais, a comparação entre dados moleculares e dados morfológicos, as novas extrapolações da proporção fungo por planta, os hot spots de biodiversidade, os ambientes pouco inventariados e os materiais de coleção em estudo. O número de espécies fúngicas descritas é 120 000, que é cerca de 3 a 8% do número estimado de espécies3.
Até à primeira metade do século XX, os fungos integraram o Reino Plantae, na subdivisão Thallophyta. Em 1969, Whittaker4 criou o Reino Fungi estabelecendo a sua separação dos restantes Reinos (Animalia, Plantae, Monera e Protista). Woese et al. (1990), com base na análise de sequências de rRNA, apresentaram um sistema de classificação dos organismos vivos em 3 domínios: Eucarya (eucariontes); Bacteria (eubactéria) e Archae (bactérias termófilas extremas, metanogénicas e halofitas extremas), estabelecendo a origem comum para os seres vivos.
Codosiga gracilis membro dos coanoflagelados, organismo com um flagelo e um colar, é considerado o ancestral dos fungos e dos animais6 (FIGURA 1). Os fungos flagelados Olpidium brassicae e Rozella sp. com posição filogenética incerta, são endoparasitas e apresentam um soma reduzido a um corpo esférico, o qual absorve os nutrientes do citoplasma circundante do hospedeiro. Microsporidia são parasitas intracelulares (principalmente de animais) sem mitocôndrias e com quitina e trealose na parede celular dos esporos (como os fungos). Os estudos moleculares realizados não suportam uma posição filogenética dentro do reino fungi7 (FIGURA 2).
Os fungos sensu stricto são organismos eucariontes, heterotróficos, unicelulares (leveduras) ou constituídos por um sistema de filamentos ramificados (as hifas), maioritariamente aeróbios, obtém os seus nutrientes por absorção. Neste processo ocorre a produção e excreção de enzimas que decompõem as moléculas complexas presentes nos substratos, em moléculas mais simples e solúveis em água, sendo estas posteriormente absorvidas para o interior do soma através da parede celular e da membrana citoplasmática. A parede celular é constituida por polissacarídeos principalmente por quitina, glucanas, galactomananas e proteínas são os compostos mais frequentes, embora a quantidade varie entre as diferentes espécies de fungos. O principal esterol das membranas é o ergosterol.
A maioria apresenta no seu ciclo de vida duas fases de reprodução que culminam com a produção de esporos, nomeadamente uma fase sexuada com produção de meiósporos e uma fase assexuada com produção de mitósporos.
O crescimento dos fungos é influenciado por factores abióticos (temperatura, humidade, concentração de oxigénio e de dióxido de carbono e pH) e substâncias químicas (nutrientes, vitaminas, fatores de crescimento)8.
Para os fungos dimórficos a variação de alguns fatores abióticos e químicos (temperatura, teor de oxigénio, pH e nutrientes no meio) funciona como interruptor de alternância entre os somas leveduriforme e filamentoso (exemplos: Candida albicans, Cryptococcus neoformans, Fusarium oxyporum, Mucor rouxii, Beauveria bassiana).
A identificação dos fungos baseia-se essencialmente na observação e caraterização morfológica (macroscópica e microscópica) das estruturas vegetativas e reprodutoras produzidas durantes os vários estádios de maturação, com posterior utilização de chaves dicotómicas, sendo atualmente complementada com os dados provenientes da biologia molecular (análises de sequencias de DNA, RNA e de proteínas).
A formação de esporos por mitose, por conseguinte esporos de propagação vegetativa e por isso denominados mitósporos, pode ocorrer dentro de estruturas simples (exemplos: zoósporos e esporangiósporos) dando origem a endósporos ou externamente a partir do soma fúngico dando origem a exósporos (exemplo: conídios). A reprodução sexuada implica a ocorrência de plasmogamia, cariogamia e posterior meiose que culmina na produção de meiósporos. Os meiósporos denominam-se: zigósporos - quando se formam por meiose do zigoto, a única estrutura diplóide no ciclo de vida de alguns fungos; ascósporos – os que se formam por meiose em ascos e basidiósporos – os que se formam por meiose em basídios (FIGURA 3A e 3B).
A importância económica dos fungos é muito vasta. São importantes produtores de ácidos orgânicos como o ácido cítrico, fumárico e glutâmico e também produtores de metabolitos secundários e enzimas com diferentes aplicações6 (QUADRO 1).
Os fungos também são responsáveis pela produção de muitos dos nossos alimentos. A levedura Saccharomyces cerevisiae, com soma unicelular e conhecida pelo nome vulgar de levedura do padeiro, é o microrganismo usado no fabrico do pão. As leveduras com o metabolismo fermentativo, no qual utilizam a glucose produzindo etanol e dióxido de carbono, são também utilizadas na produção de bebidas alcoólicas como o saké Japonês, a cerveja e o vinho.
As espécies Penicillium camemberti, P. roquefortii e P. caseiolum são responsáveis respetivamente pela produção dos queijos Camembert, Roquefort e Brie, conferindo distintos sabores, texturas e aromas a estes queijos.
QUADRO 1. Exemplos de metabolitos secundários e de enzimas produzidos comercialmente a partir de fungos e respetivas aplicações (adaptado de Deacon, 2006).
Muitos dos cogumelos silvestres são comestíveis e por isso são colhidos no campo e comercializados em mercados, entre os mais apreciados estão as trufas (Tuber melanosporum e Tuber magnatum), pertencentes ao filo Ascomycota, cujos ascocarpos lembram tubérculos, com odor caraterístico e que são diferenciados debaixo do solo (hipógeos). As trufas formam micorrizas com as raízes de árvores como os carvalhos.
Nos últimos anos registou-se um aumento considerável das atividades económicas relacionadas com a exploração dos cogumelos silvestres. Várias associações micológicas promovem festivais de míscaros (Amanita ponderosa, Lactarius deliciosus), associando a colheita deste recurso à prova gastronómica das espécies encontradas.
Algumas espécies de fungos pertencentes ao filo Basidiomycota já são cultivadas em estufas e os seus corpos frutíferos – basidiocarpos – são comercializados em supermercados. Em Portugal, os principais cogumelos comercializados são: Agaricus bisporus (“champignon de Paris”), Pleurotus ostreatus (cogumelo ostra), Lentinula edodes (“shiitake”) e Lactarius deliciosus (míscaro, sancha). Como curiosidade, os fungos conhecidos pelo nome vulgar de “champignon de Paris” são muito apreciados e utilizados em receitas culinárias como strogonoff, risotos e pizas. São ricos em proteínas, em vitaminas do complexo B e em sais minerais, como o Ca, K, P, e Mg.
Considerando o elevado número estimado de espécies fúngicas ainda por identificar é de prever que num futuro próximo, com os avanços científico-tecnológicos, seja possível obter novos produtos (como novos medicamentos, bioferilizantes, novos alimentos) a partir destes organismos, aumentando deste modo o sucesso da aplicação dos fungos em benefício do homem e do ambiente.
Referências
- 1 Hawksworth, D. L., The fungal dimension of biodiversity: magnitude, significance and conservation. Mycological Research, 95: 641?655, 1991.
- 2 Blackwell, M., The fungi: 1, 2, 3… 5.1. million species?, American Journal of Botany, 98: 426–438, 2001.
- 3 Hawksworth, D. L., Lücking R., Fungal Diversity Revisited: 2.2 to 3.8 Million Species. Microbiology Spectrum, 5: 1?2, 2017.
- 4 Whittaker, R. H., New concepts of kingdoms of organisms. Science, 163: 150?160, 1969.
- 5 Woese, C., et al., Towards a natural system of organisms: Proposal for the domains Archaea, Bacteria, and Eucarya. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States, 87: 4576?4579, 1990.
- 6 Deacon, J., Fungal Biology. Blackwell publishing. 4th edition, 2006.
- 7 Hibbett, D.S., et al., A higher-level phylogenetic classification of the Fungi. Mycological Research, 111: 509?547, 2007.
- 8 Alcântara, F., et al., Microbiologia Práticas Laboratoriais. Universidade de Aveiro. 1ª edição, 1996.
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