A árvore de Natal na perspetiva de um biólogo
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- CEF/ Universidade de Coimbra
Referência Canhoto, J.M., (2018) A árvore de Natal na perspetiva de um biólogo, Rev. Ciência Elem., V6(4):079
DOI http://doi.org/10.24927/rce2018.079
Palavras-chave inverno; Natal; coníferas;
Resumo
Estamos a poucos dias do Natal. O Natal é no inverno, mas é no outono que começa a cheirar a Natal. É a época dos frutos e também da mudança de cor das árvores, que passam do verde a uma paleta de cores, que vão do amarelo ao castanho, que tornam os jardins e as florestas locais apetecíveis para longos passeios. Mas é também quando apetece estar em casa, fazer uma lareira e comer umas castanhas acompanhadas pela tradicional jeropiga ou por um dos muitos e bons tintos das nossas variadas regiões vitivinícolas. O São Martinho (11 de novembro) marca as castanhas com o vinho novo!
É também quando se começa a pensar em “fazer” a árvore de Natal. Atualmente muitas pessoas optam por uma árvore de Natal artificial, havendo uma enorme variedade destas disponíveis no mercado. No entanto, nada se compara a uma verdadeira árvore de Natal, que pode ser mesmo uma árvore jovem ou um ramo de uma árvore adulta. As árvores artificiais foram apresentadas como alternativa ambiental, para evitar que muitas árvores sejam cortadas. No entanto, existem atualmente viveiristas que possuem árvores de Natal disponíveis para venda e que podem ser usadas durante alguns anos. Pode ser mais caro, mas uma árvore verdadeira é sem dúvida mais apelativa que uma qualquer boa cópia. Muitos municípios têm procedimentos de recolha das árvores/ramos após a época natalícia, pelo que a opção por uma árvore natural não tem atualmente impacto ambiental e não vai sobrecarregar o sistema de reciclagem de mais material plástico.
Pensa-se que em Portugal, o costume da árvore de Natal terá sido iniciado no século XVIII, por D. Fernando, marido da rainha D. Maria II, a educadora. De origem alemã, terá importado para Portugal uma tradição alemã que se crê ser devida a Martinho de Lutero, mais conhecido pelo seu envolvimento na reforma protestante. Numa noite de céu estrelado, Lutero ter-se-á apercebido da extrema beleza das árvores envolvidas pelo brilho das estrelas, tendo replicado esse cenário enfeitando um ramo na sua própria casa, por altura do Natal. Nos países bálticos acredita-se que a tradição da árvore de Natal se iniciou em Riga, no início do século XVI. A aparente origem luterana atrasou a incorporação da árvore de Natal nos rituais que comemoram o nascimento de Cristo nos países de tradição católica do sul da Europa.
Em praticamente todo o mundo, mesmo nos países tropicais em que se celebra o Natal, a árvore de Natal é uma gimnospérmica, mais concretamente uma conífera. Deixando um pouco de lado a magia do Natal e entrando no mundo da botânica, importa referir que as coníferas constituem uma divisão das plantas chamada Pinophyta. São normalmente árvores (FIGURA 1) que possuem como estruturas reprodutoras cones ou pinhas (também conhecidos por estróbilos) e que são típicas das extensas florestas do Norte da Europa, Ásia e América, bem como das regiões de altitude elevada (e.g., Alpes, Pirinéus, Montanhas Rochosas). A figura da capa desta revista mostra uma pinha feminina. Para além da sua beleza, a disposição das escamas ao redor do eixo da pinha tem apaixonado matemáticos devido aos padrões a que obedece e, numa perspetiva mais prosaica, são excelentes para acender lareiras devido ao seu teor em resinas. As coníferas não produzem frutos, uma vez que não têm flores, mas as sementes de algumas destas espécies são muito apreciadas, como acontece com as sementes de pinheiro-manso, em Portugal. Os pinheiros, as epícias, os abetos, os cedros, os ciprestes, os zimbros e os teixos são exemplos de coníferas.
Embora quase sempre coníferas, as árvores de Natal pertencem a espécies muito diferentes consoante as coníferas que estão disponíveis em cada país, quase se podendo dizer que a árvore de Natal é a conífera que estiver mais à mão. Por exemplo, em Portugal, a espécie mais utilizada é o pinheiro-bravo (Pinus pinaster) que forma extensas manchas florestais na zona centro. O pinheiro-manso (Pinus pinea) é também usado. Outros pinheiros que existem em Portugal, embora com áreas de distribuição muito mais reduzidas, como o pinheiro-silvestre (Pinus sylvestris) ou o pinheiro-do-Alepo são pouco comuns como árvores de Natal. Muitos viveiristas vendem como árvore de Natal o pinheiro-de-Douglas ou abeto-de-Douglas (Pseusotsuga menziesii), uma árvore nativa da América do Norte. Em França são muito comuns, como árvores de Natal, o abeto branco (Abies alba) e a epícia vermelha (Picea abies), pertencentes a dois géneros diferentes.
O comércio de árvores de Natal naturais é um mercado em franca expansão e, em alguns países, como nos Estados Unidos, existem as chamadas “quintas de árvores de Natal” que se dedicam exclusivamente à propagação destas árvores. Estima-se que neste país, 98% das árvores de Natal naturais sejam compradas e apenas 2% cortadas de árvores adultas a crescer no campo. O preço médio de uma árvore de Natal vendida nos Estados Unidos ronda os 41 dólares e o mercado movimenta anualmente mais de dez mil milhões de dólares. Trata-se de uma cultura que requer uma logística complexa, uma vez que as árvores devem ser colhidas e colocadas à venda num curto período de tempo. Em termos globais, estima-se que as espécies mais utilizadas como árvores de Natal sejam 4 espécies de abeto Abies fraseri, Abies balsamea, Abies alba e Abies nordmanniana, e o já referido abeto-de-Douglas, que é uma pseudotsuga. Nenhuma destas espécies é muito conhecida em Portugal.
Para além das coníferas, existem outras espécies de plantas que são associadas às decorações natalícias. São normalmente espécies que produzem frutos vermelhos, como o azevinho (Ilex aquifolium) ou a gilbardeira (Ruscus aculeatus) ou sementes como o teixo (Taxus bacatta). Destas, só o último é uma conífera, sendo as outras angiospérmicas. Esta associação do vermelho ao Natal não é uma novidade com raízes no pai natal da coca-cola, mas antes uma tradição que parece remontar à comemoração do solstício de inverno por povos celtas, que utilizavam nessa comemoração o azevinho. Deve referir-se que todas as espécies acima referidas estão ameaçadas, pelo que a sua colheita no campo não é permitida, mas é hoje fácil de cultivar e assim alimentar o mercado. Do ponto de vista botânico, importa ainda referir que uma apelativa árvore de Natal requer um presépio coberto de musgo, uma designação que engloba um conjunto de plantas muito importantes do ponto de vista evolutivo, pois foram as primeiras a conquistar ambientes terrestres, as briófitas.
Em alguns países do hemisfério Sul a designação árvore de Natal é atribuída a plantas que nada têm a ver com as coníferas. Na Nova Zelândia, trata-se da espécie Metrosideros excelsa, uma planta da família do eucalipto (Myrtaceae) que floresce abundantemente na altura do Natal, o mesmo se passa na Austrália com a espécie Nuytsia floribunda, uma espécie semiparasítica.
Já sabíamos, relembrando Ary dos Santos, que o Natal é em dezembro/Mas em maio pode ser/Natal é em setembro/É quando um homem quiser. O mesmo se pode aplicar à árvore de Natal. Artificial ou natural, pinheiro ou abeto, árvore de Natal é tudo o que um Homem quiser.
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