Com a evolução da tecnologia, atualmente os jovens utilizam cada vez mais dispositivos portáteis para entretenimento, aprendizagem e como forma de comunicação1. Devido à popularidade que estes equipamentos obtiveram ao longo dos anos, estima-se que 90% dos estudantes universitários possuam algum tipo destes dispositivos pessoais de escuta (DPE)2.

A sua utilização, envolve muitas vezes uma exposição excessiva e desnecessária ao ruído e/ou a sons de elevada intensidade, que podem provocar perda auditiva, sendo atualmente a exposição prolongada a elevados níveis de ruído considerada uma questão de saúde pública, tendo sido historicamente elaborada legislação em 2006 com o Decreto-Lei 182/2006, de 6 de setembro3,4. Para além disto, verifica-se ainda um aumento da poluição sonora nas cidades ou mesmo perto dos locais que estes jovens costumam frequentar, o que poderá contribuir ainda mais para o risco de perda auditiva e/ou sintomas otológicos associados no âmbito das suas atividades de lazer, para além de outros problemas de saúde que se fazem sentir a curto médio ou longo prazo, com grande impacto na sua qualidade de vida.

A exposição contínua ao ruído e a sons de elevada intensidade, pode resultar na progressiva morte ou lesão, lenta mas irreversível, das células ciliadas do ouvido interno e órgão de Corti (cóclea; FIGURA 1)5,6. Esta perda celular é sensorioneural e irreversível, não tendo as células ciliadas capacidade de regeneração. Poderá também despoletar outros sintomas como por exemplo zumbidos, fadiga, diminuição da eficiência no trabalho, alterações do ritmo cardíaco, do sono e da tensão arterial e, por último, stress7. Sendo que estes problemas variam de acordo com a tolerância e suscetibilidade de cada indivíduo8.


FIGURA 1. Imagem das células ciliadas no órgão de Corti ao Microscópio Eletrónico de Varrimento (MEV) antes (à esquerda) e após (à direita) exposição ao ruído num porquinho-da-índia. É possível observar que nas células ciliadas danificadas, muitos estereocílios são interrompidos ou ausentes. Este tipo de danos levam a uma perda auditiva sensorioneural irreversível. Modificado de Chen et al, doi: 10.1371/journal.pone.0100774 (cortesia).

Existe hoje em dia uma grande preocupação por parte dos profissionais de saúde pelas perdas de audição provocadas pela exposição ao ruído (PAIR - perda auditiva induzida pelo ruído), não só devido aos DPEs (smartphones, iPod, leitores de mp3, etc.), como também à frequência de ginásios ou discotecas, onde os níveis sonoros são de grande intensidade, sendo possível que os equipamentos utilizados nem sempre estejam de acordo com a legislação vigente. Além disso, o tempo de exposição por parte dos utilizadores poder ser excessivo, muito por falta de informação ou sensibilização para comportamentos de risco. Relativamente aos DPEs, dependendo do tipo de auscultador utilizado, a saída máxima tem uma variância de nível sonoro máximo entre 83,4 e 107,3 dB(A)9. Tendo em conta que por regra geral não deveriam exceder os 85dB(A), os dispositivos digitais representam um perigo para o sistema auditivo9,10. Alguns dispositivos alertam quando se atinge um nível de volume prejudicial para a audição, não significando que as normas do fabricante estejam de acordo com a legislação de cada país. Os impactos dos comportamentos de risco atrás mencionados, no sistema auditivo, são semelhantes aos sofridos pelos trabalhadores expostos ao ruído11: A mudança temporária do limiar auditivo (fenómeno de fadiga auditiva, observada quando o indivíduo é exposto a níveis de pressão sonora elevados, leva a um aumento dos limiares auditivos, mas normaliza após um repouso de cerca de 14 horas a 3 dias); a PAIR (quando não há recuperação dos limiares auditivos, sendo caracterizada como uma perda auditiva do tipo sensorioneural irreversível, gradual, muitas vezes bilateral, provocada pela exposição continuada a elevados níveis de pressão sonora, não dolorosa nem relacionada a desconforto auditivo); e o traumatismo acústico (quando a configuração audiométrica da PAIR tem um escotoma ou queda numa determinada frequência, habitualmente os 4000 ou os 2000 Hz, devido a uma maior vulnerabilidade destas frequências à onda hidromecânica que percorre a cóclea). Assim, exposição ao ruído ou sons de elevada intensidade provocam uma excessiva estimulação coclear, originando que as células ciliadas (auditivas) presentes na cóclea (órgão de Corti) libertem uma grande quantidade do neurotransmissor glutamato, provocando um edema e rebentamento do botão sináptico (excitotoxicidade) e consequente morte celular.

A PAIR pode causar nos jovens graves problemas nas dimensões do aproveitamento escolar, convívio social e futuramente nas suas vidas profissionais. Promover a saúde auditiva dos adolescentes, que serão futuros adultos e cidadãos promotores de saúde, é eficaz pelo esclarecimento e consciencialização da adoção de um estilo de vida saudável e de um bem-estar harmonioso12. Tendo Portugal, no ano de 2015, 1 450 134 estudantes matriculados no ensino básico, secundário ou CET, esta população constituir-se-á como alvo de atenção primordial neste estudo uma vez que são os adolescentes, o grupo mais propenso à adesão de forma mais fácil a estilos de vida saudáveis, nomeadamente no que respeita à saúde auditiva.

De forma a proteger e preservar a saúde auditiva das gerações mais novas, é necessária a existência de programas de sensibilização que possam explicar de forma adequada às diferentes faixas etárias, quais os comportamentos de risco, as suas consequências e também formas de proteção e reabilitação. Promovendo também a literacia em saúde, que se define pela ”capacidade de tomar decisões fundamentadas, no decurso da vida do dia-a-dia, em casa, na comunidade, no local de trabalho, na utilização de serviços de saúde (...) aumentando o controlo das pessoas sobre a sua saúde, a capacidade para procurar informação e assumir responsabilidades”13. Existe uma relação entre o nível de literacia e o estado de saúde da pessoa. Sabe-se hoje em dia que um nível inadequado de literacia em saúde acarreta muitos custos para o sistema, nas mais variadas áreas da saúde.

Esta adoção de comportamentos de saúde positivos tem impactos que incluem14: melhor estado e redução de custo em saúde, aumento dos conhecimentos em saúde e utilização menos frequente dos cuidados/serviços de saúde. A par desta intervenção pedagógica, é relevante implementar medidas e ações de saúde escolar à semelhança de outros países europeus, como a realização na mudança de ciclo de rastreios auditivos escolares por profissionais especializados (p.e.: audiologistas) e formações/sessões de esclarecimento e sensibilização sobre o funcionamento do sistema auditivo, os efeitos da exposição sonora na audição, os comportamentos de risco, tipos de protetores auditivos e como preservar a saúde auditiva consoante a situação.


Considerações finais

O setor educacional, pela sua abrangência, é um parceiro importante para a concretização de sensibilizações e ações promotoras da saúde individual e de grupo tendo como objetivo o bem-estar de toda a comunidade escolar. Assim, as escolas serão o local de eleição destinados às áreas da preservação auditiva e à sua promoção. Sugere-se um plano de promoção de saúde auditiva, promovendo assim hábitos de escuta seguros e sensibilizando os jovens para os efeitos nefastos da exposição prolongada e contínua a sons com intensidades elevadas. Para além disto, a integração destes dados num futuro plano de saúde auditiva a nível nacional é algo vantajoso pois seria possível realizar campanhas e palestras de sensibilização, com o intuito de modificar hábitos precocemente, bem como a realização de rastreios auditivos para que seja possível uma detecção e intervenção atempadas.

Um dos objetivos da ESS-P.Porto, é que os estudantes de licenciatura desenvolvam a promoção da reflexividade, análise crítica e o desenvolvimento de respostas criativas ajustadas às particularidades dos contextos. Neste sentido, esta é uma iniciativa de inovação pedagógica que permite, em particular aos estudantes de Audiologia, a aquisição de competências na prevenção e comunicação em cuidados de saúde primários, em contexto escolar (não hospitalar) num trabalho presencial e de proximidade.