Uma paisagem é antes de mais um conjunto de formas do relevo, uma fina superfície do nosso planeta, coberta ora por solo e alguma (ou muita) vegetação, ora por algumas rochas que se salientam e nos deixam entrever a geologia subjacente. Mas não são só essas rochas que nos falam de Geologia, a própria paisagem é ela mesmo um elemento geológico… se a soubermos ler. A leitura da paisagem pode e deve ser uma das primeiras ferramentas a ser aplicada na iniciação dos alunos à Geologia, ou à iniciação à geologia de um qualquer lugar 1.

Para tal, é necessário entender e transmitir alguns conceitos básicos acerca de Geomorfologia e Morfogénese. Não no sentido geográfico ou descritivo dos termos, nem tão-pouco no sentido dos conteúdos clássicos dos livros de texto. Pelo contrário, o que é fundamental é transmitir a essência da génese de uma paisagem, como se formou, porque existe, porque é única no seu lugar e no seu tempo.

Uma Paisagem é como uma fotografia, uma imagem estática de algo que se vem desenrolando desde há muito tempo, desde há milhões de anos, e do qual temos agora uma visão “congelada” e instantânea. Este é o primeiro conceito a ser transmitido, o do Tempo, que é longo, muito longo, linear e unidirecional, sem qualquer desvio, hesitação ou bifurcação. Foi esse Tempo que permitiu o desenvolvimento de todos os processos naturais que moldaram a Paisagem, é nesse Tempo que se inscreve o momento presente em que nos encontramos… e é esse Tempo que continuará a fluir, muito para além da nossa existência terrena.

Por outro lado, será importante evidenciar que a paisagem corresponde tão-somente à superfície de um planeta enorme, gigantesco na sua tridimensionalidade (mais de 13 000 km de diâmetro) e do qual apenas estamos a ver a sua finíssima “casca” (algumas dezenas a centenas de metros… ou milhares, no máximo). Porém é nessa superfície que se encontram, confrontam ou harmonizam, dialogam ou bailam, as duas grandes forças que atuam no nosso planeta: a força interior da Terra e a força exterior do Sol.

À primeira, costumamos chamar Geodinâmica Interna, por fazer mexer as rochas e por ter a sua fonte de energia no interior do planeta. Essa força corresponde principalmente à muita da que ainda resta da energia inicial e primordial, quando este “terceiro calhau a contar do Sol” se formou no seio do Sistema Solar, há mais de 4600 milhões de anos. Desse tempo permanece o calor interno da Terra, de que temos sinais pontuais através dos vulcões, mas também através das diversas manifestações relacionadas com a tectónica de placas, como é o caso dos sismos. Tudo isso nos mostra que o planeta tem ainda muita energia interna que se continua a transmitir até à superfície, moldando-a constantemente. A estas forças eu chamaria o Arquiteto da paisagem, pois são elas que constroem, movimentam, elevam, soerguem a superfície terrestre, criando novos relevos ou avivando os que estavam a desaparecer…


FIGURA 1. Paisagem na Serra de Montejunto, 2 km a NW de Cabanas de Torres (vista para NW). Observa-se uma sucessão de camadas calcárias, formadas em ambiente marinho há cerca de 160 milhões de anos, posteriormente trazidas à superfície e fortemente dobradas por ação das forças tectónicas, possivelmente relacionadas com a orogenia alpina (há cerca de 10 milhões de anos?). A meteorização recente, aproveitando acidentes tectónicos orientados NNE-SSW, promove o entalhe de pequenos cursos de água que removem os fragmentos de rocha calcária, visíveis nesses valeiros. Na linha do horizonte observa-se uma crista de colinas onduladas, com alguns moinhos históricos, correspondente a uma costeira com erosão diferencial em calcários mais resistentes.

À segunda força, a do Sol, podemos atribuir todos os processos da designada Geodinâmica Externa, por corresponder àquilo que se desenrola fora da nossa esfera sólida terrestre, mas que a molda lentamente. É ao Sol que devemos a existência das chuvas, ao promover a evaporação dos mares, lagos e rios e a acumulação de vapor de água nas nuvens, das quais acaba por provir a precipitação. É também o Sol que aquece mais ou menos o ar, que assim se torna menos ou mais denso, daí resultando a consequente busca de equilíbrio dinâmico entre essas massas de ar distintas, a que chamamos vento. Finalmente, é ao Sol que (quase) toda a biosfera vai buscar a sua energia para viver, contribuindo para a existência dos solos que se desenvolvem na superfície terrestre 2. Em suma, o Sol é a fonte de energia de toda a interação entre a Geosfera, a Hidrosfera, a Atmosfera e a Biosfera, sendo responsável pela lenta e continuada alteração das rochas e, consequentemente, pela erosão e transporte dos materiais alterados, processos que paulatinamente vão moldando a superfície terrestre. A esta força eu chamaria o Escultor da paisagem, pois é com base nela que a Natureza vai escavando, modelando e “desenhando” as diversas formas do relevo terrestre.

Chegados aqui, podemos então olhar para a paisagem como um “instantâneo” no longo fio do tempo, um momento em que observamos o estado atual desse longuíssimo bailado entre o Arquiteto e o Escultor, naquele lugar, também ele único. O relevo que observamos, torna-se assim um testemunho singular da influência relativa e da interação entre estas duas forças, entre estas duas entidades geológicas que pacientemente foram atuando ao longo dos tempos, sem diálogo aparente, cada um com a sua lógica e regras: o Arquiteto, impulsionado pela energia interna, movendo e soerguendo a superfície terrestre, criando novos relevos, montanhas, cristas e ermos; e o Escultor, impulsionado pela energia do Sol, meteorizando as rochas assim expostas, erodindo-as e moldando encostas, vales e litorais. Olhemos então para a Paisagem…

Onde estão os sinais da Geodinâmica Interna, do grande Arquiteto? Estão nos granitos que se formaram a uma dezena de quilómetros de profundidade e hoje estão à superfície… estão nos xistos que foram enterrados e metamorfizados a alguns quilómetros de profundidade e hoje afloram… ou estão nos calcários que se formaram em ambiente marinho e hoje se encontram em terra e soerguidos umas centenas ou milhares de metros…

E onde estão os sinais da Geodinâmica Externa, do grande Escultor? Estão nos solos que resultaram da degradação das rochas… estão nas encostas com formas onduladas pela erosão… estão nos vales escavados pela força dos rios… ou estão nas arribas talhadas pelo mar e nas praias moldadas pelas ondas…

“O essencial é invisível aos olhos”, o essencial é apenas visível à mente de quem olha, porque nela estão os instrumentos de leitura e de interpretação da realidade. Olhar uma paisagem não é, portanto, apenas descrevê-la e caracterizá-la. É, ou deve ser, saber procurar e encontrar nela os sinais dos processos geológicos que constantemente e desde sempre atuam no interior e no exterior da Terra. Assim compreenderemos melhor o planeta em que vivemos e também o modo como nele vivemos o tempo presente, em lugares com paisagens únicas e irrepetíveis3,4.


ADENDA – Metodologia

  1. Desenha a paisagem que vês diante de ti.
  2. Assinala nela os principais elementos geológicos, com uma legenda.
  3. Agora procura na paisagem sinais específicos da Geodinâmica Interna. Lista esses sinais e explica os processos associados.
  4. Agora procura na paisagem sinais específicos da Geodinâmica Externa. Lista esses sinais e explica os processos associados.
  5. Procura contar a história geológica da paisagem que observas, desde a formação das rochas até à sua exposição e atuação pela erosão na atualidade.
  6. Procura atribuir idades (em milhões de anos) a cada etapa dessa longa evolução.
  7. Volta a olhar para a paisagem e reflete no que acabaste de descobrir…Volta a olhar para a paisagem e reflete no que acabaste de descobrir…