Vários autores 7, 9, 11 têm demonstrado que a observação das rochas usadas na construção das fachadas dos edifícios, dos monumentos e pavimentos de uma cidade constitui uma forma simples e agradável de explorar a Geologia e a Paleontologia. Neste trabalho, partilhamos um exemplo de um projeto interdisciplinar, baseado em atividades de “caça” ao fóssil em contexto urbano, que poderá ser adaptado e replicado noutras escolas.


Ciência [S]

A Escola Secundária de Loulé foi recentemente modernizada e na construção dos novos edifícios foram usadas pedras naturais, ricas em fósseis, comercializadas sob a designação “Vidraço de Ataíja” e “Crema Marfil”. Assim, numa primeira etapa, os alunos, divididos em pequenos grupos, pesquisaram qual a proveniência e as características dessas rochas.

Os alunos descobriram que o “Vidraço de Ataíja” é um calcário, datado do Jurássico Médio (ca. 170 Ma), que é extraído em pedreiras do Maciço Calcário Estremenho (FIGURA 1A), e apresenta fósseis de vários grupos de organismos marinhos, tais como bivalves, equinoides, crinoides, gastrópodes, corais, braquiópodes, belemnites e amonites 1. Os alunos descobriram ainda que o “Crema Marfil”, apesar de ser comercializado como sendo um mármore, na realidade é um calcário de idade paleogénica (ca. 50 Ma), extraído em pedreiras localizadas na província de Alicante (Espanha) (FIGURA 1B), que ostenta fósseis de organismos marinhos, tais como grandes foraminíferos bentónicos, algas vermelhas formando rodólitos e fragmentos de bivalves, equinodermes e gastrópodes 3. Graças ao conteúdo fossilífero destas rochas sedimentares, os alunos puderam vislumbrar retalhos da vida de antigos oceanos e explorar as suas implicações paleoclimáticas e paleogeográficas.


FIGURA 1. A) Mapa geológico simplificado da região sul da Bacia Lusitaniana; B) mapa geológico simplificado da província de Alicante. 2, 6

Os alunos analisaram ainda as propriedades físico-mecânicas daquelas rochas, relacionando-as com a sua utilização em pavimentos e no revestimento de paredes.


Tecnologia [T] e Engenharia [E]

Na segunda etapa do projeto, os alunos pesquisaram sobre os métodos usados na exploração e extração das rochas ornamentais identificadas anteriormente. De entre as várias soluções técnicas, existentes no mercado de equipamentos usados na exploração destes georrecursos, os alunos apuraram que, atualmente, as máquinas de corte com fio diamantado são uma das ferramentas mais importantes usadas nas pedreiras. No bloco de rocha a extrair fazem-se dois furos, um vertical e outro horizontal, perpendiculares entre si. Depois, o fio de diamante é enfiado, através destes furos, em torno da roda motriz da máquina de corte e as duas extremidades do fio são unidas. O corte por fio diamantado é conseguido por abrasão entre a pedra e a ferramenta, constituída por pérolas diamantadas montadas num cabo de aço, que é movido através da roda motriz assente num sistema de carris. Durante as operações de corte é realizada a lubrificação com água, de forma a baixar a temperatura da superfície da rocha e da ferramenta de corte e ainda como meio de remoção de partículas residuais.

Os alunos verificaram ainda que até se obter um produto final, os blocos rochosos extraídos nas pedreiras passam por um conjunto de processos de transformação da rocha ornamental que dependem da utilização a que se destina. A serragem em chapas é uma dessas etapas, durante a qual são usadas máquinas de corte designadas engenhos multilâmina. A etapa seguinte consiste no corte das chapas, com discos diamantados, de modo a obter o produto com as dimensões finais. Por fim, em função da sua aplicação, é realizado o tratamento superficial da rocha (e.g. amaciado, bujardado, flamejado, polido).


Arte [A]

A terceira etapa do projeto, surgiu no seguimento da dificuldade manifestada por alguns alunos em compreender a morfologia dos fósseis, cujas secções tiveram a oportunidade de observar nas rochas usadas nos pavimentos e revestimento das paredes da escola. Assim, com o objetivo de obviar esta situação, alguns alunos do curso de artes visuais foram convidados a associarem-se ao projeto. Após um par de sessões de “caça” ao fóssil e alguma pesquisa bibliográfica, estes alunos fotografaram os fósseis e elaboraram um conjunto de ilustrações com a indicação dos planos de corte (ver exemplos na FIGURA 2), que vieram facilitar significativamente a interpretação do que se pode observar nas rochas em estudo.


FIGURA 2. A) Secção longitudinal da valva peduncular de um braquiópode no calcário “Vidraço de Ataíja”. B) secção axial do talo de uma alga vermelha coralina no calcário “Crema Marfil”.

Alguns alunos estão ainda a desenvolver modelos digitais que permitirão tirar proveito da tecnologia de impressão 3D para criar modelos tangíveis e tácteis dos organismos que estão fossilizados nas rochas anteriormente mencionadas. Estes modelos poderão ser úteis para a inclusão de alunos com deficiência visual em futuras atividades de “caça” ao fóssil.


Matemática [M]

Na derradeira etapa deste projeto, alguns alunos analisaram os mais recentes dados relativos à indústria extrativa em Portugal 5 e concluíram que o nosso país apresenta um potencial considerável em termos da exploração de recursos minerais, em particular no que diz respeito à produção e exportação de rochas ornamentais.

Há ainda alunos que, com base no preço por metro quadrado do corte à medida das peças que foram aplicadas nos pavimentos e no revestimento de paredes, irão efetuar uma estimativa dos custos associados à utilização destas rochas ornamentais na requalificação das infraestruturas da escola.


Considerações finais

Os materiais rochosos encontrados nas paredes e pavimentos dos edifícios escolares oferecem uma boa oportunidade para explorar a geodiversidade através da realização de atividades de “caça” ao fóssil num contexto urbano.

As atividades descritas foram essencialmente desenvolvidas no recinto escolar, com o objetivo de promover as aprendizagens nas áreas STEAM. Porém, podem ser acompanhadas por outras atividades ao ar livre 10 que forneçam uma base para o incremento do sucesso educativo, através da descoberta e exploração interdisciplinar da geodiversidade das cidades onde as escolas estão localizadas.