Biodiversidade ao microscópio e ao telemóvel
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- Agrupamento de Escolas Ruy Belo
Referência Deus, H. M., (2019) Biodiversidade ao microscópio e ao telemóvel, Rev. Ciência Elem., V7(3):048
DOI http://doi.org/10.24927/rce2019.048
Palavras-chave Biodiversidade; Currículos; Ciências; Tecnologia; Ferramentas digitais
Resumo
O estudo da biodiversidade é transversal aos currículos de ciências, começando no pré-escolar e prolongando-se ao longo dos vários ciclos de escolaridade. As referências à utilização do microscópio ótico composto começam também nos primeiros anos de escolaridade e, nos anos subsequentes, espera-se que os alunos conheçam este instrumento e vão dominando a sua utilização. Porém, as aulas de microscopia encerram alguns desafios que podem por à prova a determinação e a criatividade dos professores.
Chegados ao terceiro ciclo do ensino básico, os alunos de ciências são confrontados com o estudo de fenómenos que implicam a dilatação das escalas de tempo e de espaço. Por exemplo, o estudarem a História da Vida na Terra terão de integrar os factos científicos em intervalos de tempo que podem ser instantâneos (como a queda do asteroide que terá iniciado a extinção dos dinossáurios) ou que poderão ter demorado milhões de anos (como o intervalo de sobrevivência das trilobites). Ainda dentro do mesmo tema curricular, espera-se que os alunos compreendam a evolução da vida, começando à escala molecular (com as moléculas do caldo nutritivo), passando para a escala celular (com as primeiras células procarióticas e depois com as primeiras células eucarióticas) e, finalmente, para a multicelularidade (que pode surgir às escalas microscópica e macroscópica). A dilatação destas escalas exige um elevado grau de abstração por parte dos alunos, exigindo ao professor particular atenção para que as aprendizagens sejam rigorosas e significativas.
As aulas de microscopia são uma forma muito eficaz para responder ao desafio da dilatação da escala espacial. De facto, ao longo destas aulas os alunos são confrontados com a necessidade constante de atribuírem uma dimensão (ainda que relativa) aos seus objetos de estudo. Isto é conseguido de diversas formas: quando se exige que os desenhos desses objetos contenham sempre a referência da ampliação total utilizada para realizar tal observação; quando os alunos têm de experimentar várias ampliações para escolherem aquela que melhor permite observar o seu objeto de estudo; quando os alunos discutem com os seus colegas e professor os resultados das suas observações e respetivos registos.
Contudo, as aulas de microscopia encerram um desafio adicional para o professor: o tempo real de aula não dilata e durante 45 ou 50 minutos (consoante a escola) é necessário contextualizar a investigação, montar os microscópios, distribuir os materiais a observar, fazer as observações e respetivos registos, discutir o que se observou, relacionando-o com a investigação em curso, desmontar os instrumentos e arrumar a sala. Ora, se é possível fazer a contextualização da investigação na aula anterior e a discussão de síntese na aula seguinte, os registos e a respetiva discussão devem ser feitos na própria aula, quando o material biológico está disponível para observação. É neste momento que a utilização do telemóvel para a recolha de imagens se torna fundamental.
O recurso ao telemóvel, durante a aula de microscopia, altera bastante o ambiente de aprendizagem, com evidentes vantagens. Do ponto de vista técnico, o telemóvel capta imagens estáticas (fotografias) e em movimento (filme), sendo estas últimas muito úteis para a observação de preparações frescas de infusões (por exemplo). Neste caso, os alunos podem estudar os movimentos dos organismos que estão a observar, focando a sua atenção nas estruturas celulares responsáveis pelo movimento ou nas interações (tróficas ou reprodutoras) estabelecidas entre os microrganismos. Por outro lado, as fotografias permitem complementar os desenhos feitos ao microscópio (Figura 1A). Uma vez que a câmara do telemóvel permite fazer a ampliação das fotografias, podem observar-se com maior detalhe as estruturas em estudo. A sequência de fotografias tiradas com diferentes ampliações também permite compreender melhor as relações espaciais horizontais entre as várias componentes de uma preparação. Já a sequência de fotografias de um objeto com a mesma ampliação, mas com diferentes focagens, permite perceber melhor as relações espaciais verticais, i.e., a profundidade do campo.
A dinâmica da aula de microscopia também é afetada pelo uso do telemóvel uma vez que a captura de imagens ao microscópio permite a respetiva discussão espontânea entre os alunos (FIGURA 1B), libertando o professor para melhor orientar os trabalhos em curso. Assim, neste tipo de aulas é comum ver grupos de alunos, cada um com o seu telemóvel, a comparar imagens, a discutir o seu conteúdo, a legendar as imagens diretamente no telemóvel e a partilhar as suas imagens com os colegas e até com os seus familiares e amigos. De repente, a aula de microscopia extravasa a sala de aula e é tema de conversa nos corredores e pátios da escola, nas redes sociais e até mesmo no seio das famílias dos nossos alunos. Quanto aos alunos que não têm telemóvel, ou cujo telemóvel não permite fotografar, tem-se verificado uma enorme solidariedade entre colegas, emprestando os seus telemóveis para que os seus colegas aprendam a fotografar ao microscópio, o que resulta no estreitamento dos laços entre os alunos envolvidos.
Na aula seguinte é possível fazer a discussão do conteúdo das fotografias enviadas pelos alunos para o professor. Todos ficam orgulhosos de ver projetadas as suas fotografias, devidamente identificadas. Os relatórios podem ser ilustrados com os desenhos e com as imagens recolhidas durante as aulas de microscopia e até os testes podem incluir uma ou outra fotografia tiradas na aula. Cria-se assim um ambiente de pertença, no qual o objeto de estudo foi recolhido pelos próprios alunos que, deste modo, vivenciam o processo de recolha, tratamento e discussão de dados científicos.
Relembrando que as aulas de microscopia servem para enriquecer os conhecimentos que os alunos têm sobre a biodiversidade, verifica-se que, aos poucos, o mundo dos microrganismos vai despertando a curiosidade dos alunos, que depressa compreendem que estes seres vivos não são apenas causadores de doenças. Nestas aulas, os alunos vêm (por vezes pela primeira vez) seres unicelulares em movimento, em busca de alimento ou em processos de divisão celular, confirmando assim que há vida invisível aos nossos olhos! Não admira que, no final de cada período letivo, as aulas de microscopia sejam sempre referidas como sendo as preferidas pela maioria.
BIBLIOGRAFIA
- 1 Bentley, M. et al. Teaching constructivist Science K-8. Thousand Oaks (CA): Corwin Press. 2007
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- 4 Mintzes, J, et al. Ensinando Ciência para a compreensão - uma visão construtivista. Lisboa: Plátano Edições Técnicas. 2000.
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