O storytelling e a literacia científica
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Referência Paiva, A., Gomes, A., Silva, V., Dias, R., (2019) O storytelling e a literacia científica, Rev. Ciência Elem., V7(3):051
DOI http://doi.org/10.24927/rce2019.051
Palavras-chave Ciências; 1º Ciclo; Leitura; Literatura; Aluno
Resumo
Na Escola Ciência Viva do Centro Viva de Estremoz [CCVEstremoz] utiliza-se a literatura - e a leitura - como veículo da divulgação do saber científico, de apelo à cooperação e de crescimento autónomo do aluno, ao nível do “saber“ e do “saber-fazer”. É através da leitura de um conto-manual que se fomenta uma aprendizagem diferente, onde se interrelacionam os conhecimentos de Estudo do Meio, Matemática, Língua Portuguesa, Expressões Artísticas e Físico Motoras, salvaguardando-se a utilização do método científico na resolução de problemas. É intenção futura estudar o impacto de mais três contos-manual, cada qual, à semelhança daquele já produzido, dirigido a um ano de escolaridade - e, numa fase ulterior, expandir o raio de ação do projeto.
O ensino, e não exclusivamente nos primeiros anos escolares, enfrenta uma miríada de desafios, seguramente exigindo dos professores uma “nova criatividade”. Ainda assim, pensando nas franjas etárias mais novas, é sabido que a partir de um substrato narrativo adequado – o tão em voga contar de histórias ou storytelling – se elaboram ligações mais fortes entre os fenómenos do dia-a-dia e as atividades desempenhadas na sala de aula, num processo mais holístico e efetivo2. O contar de histórias em ambiente de sala de aula permite aos alunos desenvolver diferentes realidades imaginativas, sendo que a literatura infantil acaba por constituir, quase sempre, um contexto mais palpável de explicação dos fenómenos, inclusive dos mais complexos4. No caso do CCVEstremoz, a fusão entre as artes literárias e os domínios científicos em projetos internos remonta ao ano de 2008, tendo as suas raízes no projeto Contos, Lendas e outras Lengalengas com Ciência6. Gratuita e mensal, a atividade experimental que se oferece, dinamizada pelos Comunicadores de Ciência do CCVEstremoz, é sempre precedida da leitura de uma peça literária, ou trecho de obra maior selecionada, usualmente do Plano Nacional de Leitura, que contenha a ciência a ser discutida.
Foi por causa da experiência prévia, e consistente, em projetos desta índole, que se decidiu traçar um plano de atividades a partir de um conto-manual. A escrita do conto-manual em vigor – “O moinho da meia porta e o casaco da cor da lua” – obedeceu a um estudo e seleção pormenorizados dos conteúdos programáticos das diferentes áreas disciplinares para o 1º ano de escolaridade5. De modo a que esses conteúdos pudessem ser tratados de forma integral, foi então definido, a partir da narrativa, um tema-central – “A Terra no Sistema Solar” (Figura 1)– e ainda um “tema-projeto”, relacionado com o fabrico de lã e as suas aplicações: Sabias que as estrelas formam desenhos no céu? Chamam-se a esses desenhos «constelações»! (cap. V, p. 20); Sei o nome de alguns materiais – sei o que é a «madeira», o «metal», a «lã» e o «algodão» (cap. I, p.4). Trata-se de um conto infantil suportado pelo imaginário da noite, das cores e do sonho, que narra as aventuras de uma traça da roupa que não gosta de viver no seu roupeiro. Pese embora que todas as personagens existam antropomorficamente, e a obra siga os cânones do conto infantil, a narrativa assenta sobre uma série de critérios científicos, descrevendo-se todos os fenómenos naturais de acordo com a realidade.
Delineadas a partir do conto-manual e dinamizadas pelos comunicadores de ciência do CCVEstremoz em parceria com os professores das turmas intervenientes, a Escola Ciência Viva do CCVEstremoz propõe aos alunos do 1º Ciclo de Ensino Básico um conjunto de atividades do tipo hands-on activities, a decorrer dentro de um espaço próprio, de feições semelhantes às da sala de aula “clássica” mas munido de elementos próprios (maquetes de astros do sistema solar, teares, um “teatro de sombras”, luzes e projetores de diferentes formatos, um planetário insuflável, uma “estação meteorológica”, etc.). Os alunos trabalham em grupos, sendo que cada um recebe um “caderno de atividades” – suporte de registo da atividade que serve ainda de veículo de recolha de dados para avaliação (figura 3). Para cada um dos dias está reservada a leitura (ou escuta de audiolivro) dos três primeiros capítulos do conto-manual. Das atividades protocoladas para a Escola Ciência Viva do CCVEstremoz destaca-se a que se repete diariamente – a atividade “Oiço, Leio e Aprendo” (figura 2) – e as atividades “Ver no Escuro”, “Terra no Espaço” e “Tinturaria”, propostas para o 1º, 2º e 3º dias de atividade, respetivamente.
Os professores acompanhantes são incentivados a dar continuidade ao projeto, ou pelo menos à leitura do conto-manual em sala de aula, como complemento à matéria lecionada. Por questões logísticas, no ano letivo 2018-2019 só foi possível dar início às atividades a partir do segundo período. Envolvida a participação dos alunos 2º, 3º e 4º anos de escolaridade, inclusive de turmas mistas, delineou-se também um leque de atividades que pudessem ser expandidas a partir dos segmentos do conto-manual em vigor. É objetivo do CCVEstremoz desenvolver atividades específicas para alunos do 2º, 3º e 4º anos de escolaridade a partir de três outros contos-manuais, com linguagens e narrativas distintas, em graus crescentes de complexidade – e nesse sentido, prevêem-se mais três anos experimentais. Neste ano letivo, as turmas do 1º ano realizarão as atividades do conto-manual já editado, ao passo que com as turmas mistas e dos 2º, 3º e 4º se trabalhará o novo conto-manual, já produzido (e “dedicado” ao 2º ano de escolaridade). A partir do quinto ano do projeto cada ano de escolaridade trabalhará o manual correspondente (com exceção das turmas mistas, cuja gestão será feita de modo ligeiramente diferente).
Durante o ano letivo transato, o projeto recebeu um total de 353 alunos. Inspirados noutras pedagogias2, procurou-se avaliar parâmetros como “é o suporte narrativo uma ferramenta de ensino?”, “sentiram-se os alunos “participantes” da história?” e “como é que os professores e alunos responderam ao contexto em que a narrativa, e as subsequentes atividades experimentais, tomaram lugar?” Dessa avaliação, salientam-se duas percentagens: 95 % – alunos que, no primeiro dia de atividades, sentiram que “ouvir o início da história lhes fazia querer ler o resto”; 94% – professores que classificaram o projeto como uma mais-valia no desenvolvimento de estratégias de integração de conteúdos pluridisciplinares.
Conhecem-se as limitações dos estudos deste cariz, sobretudo por tomar lugar num contexto muito específico e a escala reduzida, mas está em curso nova recolha pedagógica.
Referências
- 1 Avraamidou, L. & Osborne, J., The Role of Narrative in Communicating Science. International Journal of Science Education. 2009.
- 2 Morais, C.., Storytelling with Chemistry and Related Hands-On Activities: Informal Learning Experiences To Prevent “Chemophobia” and Promote Young Children’s Scientific Literacy. Journal of Chemical Education. 2015
- 3 Murman, M., Avraamidou & L., Animals, Emperors, Sense: Exploring a Story-based Learning Design in a Museum Setting. Inernational Journal of Science Education, Part B: Communication and Public Engagement. 2013
- 4 Sackes, M. et al., Using Children Literature to Teach Standard-Based Science Concepts in Early Years. Early Childhood Educational Journal, 2009.
- 5 Programas do 1º Ciclo. Direção Geral da Educação
- 6 Contos, Lendas e outras Lengalengas com Ciência. Centro Ciência Viva de Estremoz
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