Foi em Viena de Áustria que, em maio de 1914, nasceu o terceiro e último filho do casal Hugo Perutz e sua mulher Adele Goldschmidt. Chamou-se Maximilian Ferdinand Perutz (figura 1). O pai era natural da atual República Checa e a mãe era austríaca – família abastada, de ascendência judaica. Em 1905 nascera o irmão Franz e, em 1909, a irmã Lotte. Reservado e tímido, os livros eram a sua companhia e o estímulo intelectual privado; e a montanha, os gelos e um par de esquis o seu refúgio. Pelos 16 anos despertou para a química com as aulas no Theresianum (Viena). Seguiu-se a Universidade de Viena e o curso de química.


figura 1. Max Ferdinand Perutz (1960)

Max Perutz apercebe-se que, com o clima político instalado, o seu futuro não está na Áustria. Em 1936, ruma ao Laboratório Cavendish, na Universidade de Cambridge, sob a direção de (Sir) Lawrence Bragg (1890-1971). Integra o grupo de investigação de Desmond Bernal (1901-1971) com o objetivo de decifrar a estrutura de proteínas. A escolha de Perutz recaiu sobre a hemoglobina, a metaloproteína que contém ferro e que está presente nas hemácias. Era seu intuito investigar a estrutura tridimensional da molécula, determinar dimensão e ângulo das ligações entre átomos, e decifrar a relação entre a estrutura e a sua função distribuidora de oxigénio. Tarefa árdua, a molécula da hemoglobina tem milhares de átomos! Durante mais de vinte anos Max Perutz explorou por cristalografia de difração de raios X a estrutura 3D da macromolécula (figura 2).

Teve de aguardar por avanços da matemática e da computação e descobrir o efeito da “substituição isomórfica” com átomos pesados – o que permitiu uma compreensão estrutural detalhada. Teve de ultrapassar uma guerra, o que não foi fácil.

Em 1938, o exército alemão nazi invadiu e anexou a Áustria. Perutz passa de estudante de doutoramento a refugiado no Reino Unido. Logo depois recebe os pais, traumatizados e pobres, em Cambridge; e obtém o Ph.D. com a tese “The Crystal Structure of Horse Methaemoglobin” em março de 1940. Ainda em 1940 é feito prisioneiro e deportado para o Canadá. Apesar de gravemente doente, sobreviveu. “Rejeitado como judeu pela minha Áustria nativa e agora rejeitado como alemão pelo país que adotei”, palavras amargas de Max Perutz.

Max Perutz associava à sua competência de químico a de glaciologista. Acompanha, em 1938, Gerald Seligman (1886-1973), o famoso glaciologista britânico, na expedição à High Altitude Research Station Jungfraujoch, na Suíça. E de novo, em 1948, noutra dedicada ao estudo dos fluxos glaciares, superficial e de profundidade. Tal estudo foi pioneiro sobre o comportamento dos gelos por efeito do aquecimento global.


figura 2. Modelo da hemoglobina (1959)

Em plena Segunda Guerra Mundial, Perutz foi chamado a participar num plano científico de nome de código “Habacuque”. Consistia na construção de uma base de aterragem de aviões feita de gelo reforçado no meio do Atlântico. Com a sua equipa, trabalhou numa câmara fria, no subsolo do Smithfield Market em Londres. Nasceu assim o “pykrete”, uma mistura altamente resistente de gelo e polpa de madeira. O projeto foi abandonado: Portugal deu autorização para que fossem utilizados os aeroportos das ilhas dos Açores.

Em 1947 é criada, no Laboratório Cavendish, a unidade de investigação Medical Research Council Unit for Molecular Biology (MRC Unit), tendo Max Perutz por diretor e John Kendrew como colaborador. Finalmente, em 1959, a estrutura da macromolécula hemoglobina dá-se a conhecer; e também a mioglobina, por John Kendrew. A hemoglobina estudada era de cavalo, mas Perutz adianta que as hemoglobinas de todos os vertebrados devem seguir idêntico modelo. A forma exterior da molécula, um tetrâmero, seria aproximadamente esferóide: quatro iões Fe2+ combinam-se com protoporfirinas e formam quatro grupos heme. As protoporfirinas têm uma estrutura formada por quatro anéis pirrólicos; no centro, podem acomodar um ião metálico.

Após a atribuição do Nobel em 1962, Perutz continuou a trabalhar sobre o mecanismo de atuação da hemoglobina no transporte do oxigénio e, em colaboração com Hermann Lehmann (1910-1985), identificou hemoglobinas anómalas que explicavam sintomas clínicos. Estudou a coordenação de ligandos à hemoglobina, estudo que permitiu o desenvolvimento a posteriori de fármacos úteis na prestação de oxigénio na hipóxia tumoral e na regeneração de tecidos danificados por enfarte. Entretanto, a MRC Unit crescera e dera lugar, em 1962, ao MRC Laboratory of Molecular Biology – LMB, tendo por chairman Max Perutz. Conservou o cargo até 1979.

Max Perutz casou com Gisela Peiser, “de olhos bondosos e coloridos de arco-íris”, em 1942. Tiveram dois filhos, Vivien Angela (n. 1944), historiadora de arte (Universidade de Cambridge), e Robin Noel (n. 1949), professor de química (Universidade de York).

Recebeu muitos prémios e honras: Fellow da Royal Society (1952) e chairman fundador da European Organisation for Molecular Biology (1963); o título de Commander of the British Empire (CBE) e, depois do Prémio Nobel, a Royal Medal da Royal Society (1971), a Copley Medal (1979), a ordem Pour Le Mérite (1987) vinda da Alemanha (1987) e a Order of Merit do Reino Unido (1988). Recebeu ainda o prémio literário Lewis Thomas Prize, “em reconhecimento do cientista como poeta”, em 1997.

Veio a falecer (Cambridge, 2002) de um carcinoma raro e incontrolável.

A montanha esteve sempre presente na sua vida. Na parede do seu gabinete, uma bela fotografia: “Os meus esquis...”.