O 14C é formado na troposfera e estratosfera, através da reação de neutrões com o azoto (isótopo 14N), neutrões esses que são formados pelos raios cósmicos que atravessam a atmosfera:

\(n+_{7}^{14}N\rightarrow p+_{6}^{14}C\)

onde \(n\) representa um neutrão e \(p\) um protão. Após a sua formação, o 14C reage com o oxigénio atmosférico, formando 14CO2, que se espalha pela atmosfera e pelos oceanos. As plantas absorvem o CO2 através da fotossíntese, os animais comem as plantas, e assim sucessivamente, e dessa forma o 14C se espalha por toda a biosfera.

No entanto, o 14C não é estável, decaindo lenta mas espontaneamente para 14N, através da reação:

\(_{7}^{14}C\rightarrow _{7}^{14}N+e^{-}+\overline{v_{e}}\)

\(e^{-}\) representa um eletrão e \(\overline{v_{e}}\) um antineutrino de eletrão. Este processo contínuo de transformação de 14N em 14C e decaimento de 14C novamente em 14N gera um equilíbrio no qual a concentração de 14C se torna constante (embora fatores externos afetem este equilíbrio, tal como se verá adiante).

Quando um organismo morre, deixa de assimilar o 14C do meio ambiente, porque já não realiza fotossíntese, ou porque já não se alimenta. Assim sendo, o 14C que incorporou vai desaparecendo continuamente, transformando-se em 14N, sem ser reposto. Quanto mais tempo passar após a morte do organismo, menos 14C ele terá, e essa é a base da datação por 14C.

O decaimento do 14C em 14N é muito lento. O tempo de semivida do 14C (o tempo necessário para que a sua concentração se reduza a metade) é de cerca de 5730 anos. Isso significa que 5730 anos após a morte do organismo a concentração de 14C será 1/2 da concentração inicial; após 11460 anos será 1/4; após 17190 anos será 1/8; e por aí adiante. Ao fim de 50 mil anos a quantidade de 14C é apenas de cerca de 0,2 % da quantidade natural. Sendo que a quantidade natural de 14C é já por si extremamente baixa, torna-se difícil datar amostras com idade muito para além de 50 mil anos.

Este modelo simplificado assume que a concentração de 14C se manteve constante ao longo dos tempos, o que não é inteiramente correto, devido a fatores externos, tais como a libertação de carbono provindo da queima de combustíveis fósseis, que quase não têm 14C devido ao vasto tempo durante o qual os combustíveis estiveram armazenados geologicamente, consequentemente reduzindo a sua fração de 14C; aos testes nucleares não subterrâneos, realizados entre 1955 e 1963, que produziram bastante 14C na atmosfera devido à grande quantidade de neutrões libertada nas explosões nucleares; às flutuações na intensidade dos raios cósmicos, e no campo magnético da terra, que afetam a quantidade de neutrões na atmosfera e consequentemente a formação de 14C a partir de 14N, entre outros efeitos. Vários métodos foram desenvolvidos para tomar em consideração as variações de 14C ao longo dos tempos, e determinar a concentração real de 14C em épocas passadas. Um dos mais eficazes baseia-se na análise de 14C nos sucessivos anéis do tronco de árvores muito antigas; uma vez se forma um anel por ano, e cada anel, aquando formado, incorpora o 14C que existia de facto na época em que foi formado, cada anel fornece um testemunho sobre a fração de 14C existente no ano da sua formação. Este e outros métodos permitem obter datações denominadas como “calibradas”, bastante mais rigorosas.

Para além destas e de outras incertezas “técnicas”, há ainda incertezas contextuais. Por exemplo, uma estatueta de madeira pode ser datada como sendo do sec. XI, mas pode de facto ter sido esculpida no sec. XV, por exemplo, aproveitando traves de madeira de uma casa antiga construída com árvores cortadas no sec. XI. As incertezas contextuais podem ser reduzidas através do conhecimento histórico, uma vez que o estilo de escultura usado nas duas datas era bastante diferente.

Tendo consciência de todas estas limitações, o impacto e a importância da datação por 14C é tão grande que ela deu origem a uma verdadeira revolução na datação, com especial impacto na arqueologia. Neste contexto, é natural usar a datação por 14C para clarificar não só dúvidas históricas como também para identificar falsificações intencionais.

Uma das áreas onde a falsificação é recorrente e lucrativa é a pintura. Para se ter ideia da dimensão do problema pode-se citar o caso catastrófico do museu de Etienne Terrus, no sul de França, que descobriu no ano transato que cerca de 60% das obras da sua coleção de pintura eram falsificações! Outro caso recente, e dramático, consistiu na exposição que decorreu no Palácio Ducal de Génova, também em 2018, dedicada a Modigliani, e sob a qual se concluiu que (pelo menos) 20 dos 21 quadros expostos eram falsos! Sendo que as vendas no mercado da arte (do qual a pintura é um componente muito importante) atingiram 67 mil milhões de euros em 2018, é fácil de entender a gravidade do problema.

A análise por 14C pode muitas vezes identificar falsificações, através da datação da tela e dos materiais que compõem a tinta (em especial a resina). A tela é simples de analisar. Sendo composta de material orgânico (tal como linho ou algodão), a idade da tela revela a data em que o material foi colhido, e deve anteceder a data registada na pintura. No caso de a pintura ser feita sob painel de madeira a datação do painel também é trivial. Se a tela ou painel forem posteriores à data registada na pintura estaremos perante uma falsificação. No entanto, muitos falsificadores famosos, tal como o infame Han Van Meegeren (1889-1947), que se especializou em executar falsificações de obras de Vermeer, ou o tristemente célebre Wolfgang Beltracchi (1951-), que terá falsificado mais de 50 pintores famosos (e lucrado milhões de euros com a venda de quadros falsos), tinham por método comprar quadros antigos sem grande valor e reutilizar as telas antigas para conferir um ar de genuinidade às falsificações. Nestes casos, a data da tela pode anteceder a data da pintura, o que, por si só, não permite identificar uma falsificação.

O passo seguinte consiste na muito mais conclusiva análise dos componentes orgânicos da tinta. Tal não era viável até há pouco tempo devido à quantidade de material necessário para a determinação (gramas de tinta), cuja recolha não podia ser feita sem danificar a pintura. No entanto, com o advento de modernos métodos analíticos (para os quais a espectrometria por aceleração de massa contribuiu grandemente) a quantidade de carbono necessária para análise tem vindo a diminuir drasticamente e, nos nossos dias, é viável realizar a análise com apenas alguns micrograma de tinta, possível de extrair sem danificar a obra. Se os componentes orgânicos da tinta forem posteriores, ou muito anteriores, à data presumida do quadro, estará descoberta uma falsificação.


FIGURA 1. A) O quadro de Sarah Honn, datado de 1866. A região de onde foi retirada a amostra de tinta está marcada a azul. B) A amostra de tinta usada na análise (28 micrograma).

Uma aplicação desta técnica foi recentemente levada a cabo para estudar um quadro assinado por “Sarah Honn” e datado de 5 de maio de 1866 (Figura 1). O quadro era de facto atribuído ao falsificador Robert Trotter (1952-), que inclusivamente terá admitido ter vendido já 52 falsificações. Foi recolhida uma minúscula amostra de tinta com a massa de 160 micrograma, e datada por análise de 14C.

A amostra apresentava níveis de 14C largamente superiores aos valores padrão presentes na atmosfera, claramente indicativos do período em que decorreram testes nucleares não subterrâneos, e que levaram à formação de imenso 14C. A quantidade de 14C permitiu atribuir à tinta uma datação de 1958-1961 ou de 1983-1989. A dupla datação deriva do facto de a quantidade de 14C ter começado a subir em 1955, atingido um pico em 1963, e decaído de aí e em diante, devido à redução e eliminação de testes nucleares a céu aberto. O valor de 14C encontrado enquadrava-se bem num troço da curva ascendente da quantidade de 14C (1958-1961) e também num troço da curva descendente (1983-1989). Qualquer das duas hipóteses comprova que o quadro é uma falsificação da 2ª metade do sec. XX. De facto, o próprio falsificador terá confessado ter pintado o quadro em 1985, o que comprova a validade da datação por 14C.

Um outro caso de fraude, agora na arqueologia, foi também desmascarado pela datação por 14C. No sec. XIX tinha lugar uma intensa discussão científica sobre a data de chegada do Homo sapiens ao continente americano. Em 1864 Éduard Lartet descobriu uma representação de um mamute gravada num dente de mamute em La Madeleine (França), um testemunho extraordinário da convivência do Homo sapiens com um mamífero do Pleistoceno já extinto. A descoberta gerou uma intensa atividade arqueológica nos Estados Unidos da América, no sentido de descobrir evidências de um ancestral humano pleistocénico no continente. Foi neste contexto que o “pendente da azinheira” emergiu fantasticamente em 1889. Reza a história que este pendente, feito de concha e com um mamute ou mastodonte gravado, teria sido descoberto (também) em 1864, no Delaware. O descobridor do pendente, Hilborn T. Cresson, um assistente de arqueologia que trabalhava no museu Peaborne da Universidade de Harvard, enfatizou que a sua descoberta teria uma importância comparável à do desenho do mamute gravado em osso de mamute descoberto em La Madeleine.

Infelizmente Cresson era um indivíduo pouco recomendável, que tinha uma história conhecida de furto de antiguidades. Na sua carta de suicídio, em 1894, Cresson declarou que suspeitava ser perseguido pela polícia americana por causa suas falsificações de dinheiro, algo que abona pouco a favor da genuinidade do pendente da azinheira! Talvez por estes motivos, e pela explicação duvidosa dada por Cresson sobre o contexto da descoberta do artefacto, o pendente da azinheira passou largamente ignorado durante quase um século, até reemergir na capa da prestigiada revista científica Science em 1977, para contextualizar um artigo científico em que se argumentava que o pendente seria um artefacto do Pleistoceno tardio, ou talvez do período interglacial (ou seja, teria mais de 40 mil anos de idade), e que testemunharia a interação do Homo sapiens com o mamute lanoso no continente americano.

Diversos cientistas duvidaram da autenticidade do pendente da azinheira. Para além do historial muitíssimo pouco recomendável do descobridor, um dos fatores que geravam mais desconfiança era a semelhança do desenho encontrado no pendente da azinheira e no osso encontrado em La Madeleine (Figura 3). Provavelmente por estar consciente desse facto, Cresson tinha declarado ter achado o pendente em 1864, altura em que o primeiro esboço rudimentar do desenho de mamute encontrado em La Madeleine ainda não tinha sido publicado (só o foi em 1869).

Para resolver o dilema recorreu-se mais uma vez à datação por 14C. O objetivo foi datar a concha onde a gravura do pendente da azinheira foi inscrita. Para o pendente ser autêntico, seria condição necessária (mas não suficiente) que a concha tivesse uma idade de, pelo menos, 10500 anos (aproximadamente), pois esta é a época em que se acredita que os mamutes lanosos teriam sido extintos no continente americano. Ainda assim, Cresson poderia ter encontrado uma concha num depósito pleistocénico e nela gravado a imagem, tal como faziam os falsificadores de quadros com as suas telas.

Uma amostra da concha com 0,3 grama foi retirada em 1986. O resultado foi absolutamente revelador: a concha datava do ano 885 (com uma incerteza de ± 125 anos). Perante este resultado não restaram dúvidas que se tratava de uma falsificação de Cresson, em linha com outras falsificações e furtos que terá levado a cabo durante a sua vida.


FIGURA 2. Desenho esquemático da gravação encontrada no pendente da azinheira (esquerda) e no osso descoberto em La Madeleine (direita). A semelhança entre as duas gravuras é evidente. Desenhos da autoria de Philipa Brebner, inspirados nas reproduções de W. C. Sturtevant e J. R Lewis (esquerda) e de Patrick Paillet ©MNHN-Patrick Paille (direita).

É curioso reparar que Cresson teve o cuidado de procurar uma concha num depósito arqueológico, embora não suficientemente antigo; não usou uma concha moderna. No entanto, ele não previra que as técnicas de datação por 14C iriam no futuro desmascarar a sua fraude.

Em conclusão, a datação por 14C tem auxiliado a arte e a arqueologia a desmascarar diversificadas fraudes e a levantar muitas questões. Inúmeros exemplos poderiam ser citados, tais como a caveira de Calaveras (datada como sendo do sec. XI, e não do Pleistoceno como tinha sido anunciado), ou o Santo Sudário de Turim (datado como sendo do sec. XIV e não do sec. I). No entanto, a datação por 14C também contribuiu para comprovar a autenticidade de inúmeros objetos históricos de valor incalculável, tais como os manuscritos do Mar Morto (datados como sendo do intervalo que vai desde o sec. IV a.C. ao sec. I A.D, dependendo do manuscrito em questão) ou vários evangelhos apócrifos, tal como o Evangelho de Judas (recentemente datado como sendo do sec. III A.D.). A datação por 14C é uma ferramenta poderosíssima para datar objetos históricos, para validar teorias, para criar conhecimento que seria inacessível sem esta técnica, e essa é a sua função principal. No entanto, ela também serve para repor a verdade e os factos históricos quando pessoas desonestas os tentam manipular.