Plantas e Pessoas na Biblioteca
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- * IHC/FCSH/ Universidade Nova de Lisboa
- ɫ IHC/FCSH/ Universidade Nova de Lisboa
- ‡ Agrupamento de Escolas Amadora Oeste
- + Agrupamento de Escolas Amadora Oeste
Referência Fernandes, F. M., Carvalho, L. M., Almeida, M.L., Afonso, O., (2020) Plantas e Pessoas na Biblioteca, Rev. Ciência Elem., V8(3):040
DOI http://doi.org/10.24927/rce2020.040
Palavras-chave projeto, biblioteca, botânica, interação cultural
Resumo
O conhecimento das interações culturais entre pessoas e plantas é fundamental para fomentar a utilização sustentável dos recursos vegetais. Com o projeto Plantas e Pessoas na Biblioteca Seomara (Escola Secundária Seomara da Costa Primo) quisemos sensibilizar a comunidade escolar para as vantagens do agir informado, o que fizemos mediante a realização de três exposições: Presépios Botânicos, Árvore da Laca e Arte Nipónica, Coco-do-Mar - A Maior Semente do Reino Vegetal. O projeto foi distinguido, na 2.ª Edição do Concurso da Escola Amiga da Criança (2019), com o Selo de Escola Amiga da Criança, na categoria de Atividades Extracurriculares e/ou Interdisciplinares.
A evolução humana está intimamente dependente das plantas, nomeadamente porque estas contribuem para estabilizar a biosfera através da sequestração de dióxido de carbono e da emissão de oxigénio, bem como da produção de alimentos e recursos imprescindíveis à cultura material, de que são exemplo as fibras, as gomas, as resinas, os óleos e os pigmentos. É importante conservar não só as espécies vegetais de uso comum e global, devido ao seu elevado valor económico, mas também, as espécies de uso local utilizadas por comunidades não-urbanas. A compreensão das complexas ligações culturais entre plantas e pessoas é especialmente valiosa se o objetivo for a descoberta de soluções de conservação e sustentabilidade. Todos os anos se descobrem novas espécies vegetais, cujas potencialidades deveriam ser estudadas. Contudo, a destruição de habitats, as alterações climáticas e a sobre-exploração de recursos, entre outros fatores dependentes da ação humana, têm tido como consequência a extinção de espécies conhecidas e, provavelmente, de outras ainda não devidamente estudadas.
Com o projeto Plantas e Pessoas na Biblioteca Seomara quisemos, mediante a realização de exposições físicas e da sua versão virtual, sensibilizar a comunidade educativa para as vantagens do agir informado, tendo sido três as exposições realizadas: Presépios Botânicos; Árvore da Laca e Arte Nipónica; Coco-do-Mar - A Maior Semente do Reino Vegetal. As exposições estiveram patentes na Biblioteca da Escola Secundária Seomara da Costa Primo (Amadora). Esta escola tem como patrona Seomara da Costa Primo (1895-1986), a primeira mulher portuguesa a obter o doutoramento em Ciências Biológicas – Botânica (1942). Em 1930, Seomara escreveu sobre a necessidade da «transformação dos métodos de ensino em métodos ativos, que tendem a favorecer a atividade pessoal da criança» e, em 1943, afirmou que a cultura pode servir para «elevar a sua mentalidade» e que a mesma «é pedra de toque de um país verdadeiramente civilizado». Tendo presente estas premissas, desenvolvemos uma parceria com o Museu Botânico do Instituto Politécnico de Beja, para trazer, aos nossos alunos, exemplos das interações entre o homem e as plantas, em diversos contextos culturais, interligando a Botânica, a História e a Literatura. A comunidade educativa da Escola Secundária Seomara da Costa Primo integra alunos, em número muito significativo, provenientes da América Latina, nomeadamente, do Brasil, de África, especialmente dos países onde o português é uma das línguas oficias e, ainda, de diferentes países da extinta União Soviética. Trata-se de um ambiente multicultural onde a ocorrência de atividades de complemento curricular que visem promover o enriquecimento cultural e a inserção dos educandos na comunidade assumem especial importância. Por conseguinte, a ampliação das oportunidades de aprendizagem promotoras do desenvolvimento holístico dos estudantes e das suas famílias é vital para o sucesso social e académico.
Ao longo do ano letivo, sucederam-se diversas iniciativas, muitas vezes duas a três em simultâneo, de divulgação científica e cultural, entre as quais se incluem as exposições. Sendo o Museu Botânico do Instituto Politécnico de Beja reconhecido pelo estudo e divulgação, numa perspetiva multidisciplinar, da relação que as pessoas estabeleceram com as plantas em diversas civilizações, e, tendo sido Seomara da Costa Primo autora de importantes livros de Botânica, decidimos prestar-lhe um tributo apresentando à nossa comunidade educativa objetos, do acervo do Museu Botânico, apelativos pela sua raridade e/ou singularidade. O acesso às exposições, em contexto escolar, mas não formal, foi livre e efetuado por todos os que sentiram o apelo para o fazer, quer à versão física das exposições quer à versão virtual das mesmas, as quais foram publicadas num blog a elas dedicado. A avaliação que esta categoria de visitantes fez das exposições está presente sob a forma de comentários que, alguns, generosamente, publicaram no blog. Paralelamente, dez turmas efetuaram visitas de estudo, guiadas pelos autores, à versão física das exposições, seguidas de discussão, em contexto de sala de aula, no âmbito da Unidade Curricular Sociedade, Tecnologia e Ciência, dos Cursos do Ensino Profissional. Durante as visitas, combinámos a visita guiada dirigida com a exploração livre de modo a potenciar a aprendizagem cooperativa entre pares. A visita guiada foi baseada no uso de narrativas como meio de elucidar a relação entre Ciência e Sociedade. Durante a subsequente discussão, em sala de aula, estimulámos o envolvimento mental e verbal dos alunos e o estabelecimento de ligações dos novos conceitos e observações efetuadas com os seus conhecimentos e experiências prévias, promovendo assim a aprendizagem. A avaliação que os alunos destas turmas fizeram foi muito positiva, tendo os mesmos afirmado ser muito proveitoso existirem exposições, realizadas na escola, que lhes permitam usufruir de Cultura, Ciência e Arte.
Exposição - Presépios Botânicos
Para esta exposição, desenvolvida entre novembro de 2018 e janeiro de 2019, selecionámos um conjunto de presépios, provenientes de nove países, que foram criados com súber, caules, flores, sementes e frutos de 18 espécies (FIGURA 1).
Os presépios foram contextualizados com factos de origem botânica e histórica, como, por exemplo, que o primeiro presépio terá sido construído, em 1223, sob a orientação de São Francisco de Assis (c.1181-1226), na floresta que, então, rodeava a cidade de Greccio (Itália). Com o tempo, esta tradição disseminou-se pelas principais instituições religiosas europeias e posteriormente foi adotada pela aristocracia; já no século XVIII, a tradição generalizou-se a todas as classes sociais. Os alunos apreenderam que a diversidade de presépios é elevada e que a sua génese é um processo criativo muito interessante, atendendo à variedade de estruturas vegetais que podem ser utilizadas.
Exposição - Árvore da Laca e Arte Nipónica
Nesta exposição, ocorrida na primavera de 2019, apresentámos um conjunto de peças lacadas (FIGURA 2), fotografias da árvore-da-laca, da respetiva resina e das distintas fases do processo de lacagem. Os alunos aprenderam que a laca é uma secreção vegetal obtida a partir de uma árvore decídua, da espécie Toxicodendron vernicifluum (Stokes) F.A.Barkley (Anacardiaceae), que sendo nativa da China foi, posteriormente, introduzida no Japão. A laca é produzida em células que revestem canais resiníferos, os quais existem nas raízes, caule, folhas e frutos imaturos. A extração da resina inicia-se quando o tronco tem, pelo menos, 30 cm de diâmetro, podendo ser feita durante décadas, até que a árvore atinja cerca de 60 anos.
Os alunos apreenderam que a laca se aplica no estado líquido, sem adição de solventes ou agentes de secagem, e que é composta por uma mistura de fenóis complexos (urushiol), gomas e matérias albuminosas, tendo a particularidade de secar e endurecer (polimerizar) numa atmosfera húmida. A arte associada à lacagem é comum em várias regiões da Ásia, no entanto, foi na China e no Japão que a mesma alcançou maior sofisticação artística e virtuosismo técnico. Os alunos foram informados que um objeto lacado requer dezenas de operações distintas e, por vezes, mais de 300 camadas de laca, podendo esta ser misturada com ouro ou com outros minerais pulverizados, para lhe alterar a cor.
Exposição - Coco-do-Mar – A Maior Semente do Reino Vegetal
Nesta exposição, ocorrida em março e abril de 2019, apresentámos sementes (FIGURA 3), fotografias históricas e atuais do coqueiro-do-mar e das suas estruturas, assim como textos clássicos onde as sementes são referidas. Aos alunos foi dado a conhecer que durante o século XVI, os portugueses trouxeram, do Oriente, especiarias e outros produtos exóticos que maravilharam naturalistas e monarcas renascentistas, interessados em preciosidades oriundas de reinos longínquos, e que entre estas preciosidades se encontravam as sementes do coqueiro-do-mar. Esta Exotica Naturalia foi muito desejada devido à forma antropomórfica, ao desconhecimento sobre a sua origem e às suas alegadas virtudes medicinais. As sementes eram recolhidas nas praias das Ilhas Maldivas e da Índia e, por vezes, também eram encontradas nas águas do Índico, longe de qualquer terra conhecida. A primeira referência ao coco-do-mar encontra-se no relato da viagem de Fernão de Magalhães (c.1480-1521) da autoria de António Pigafetta (c.1491-1534) que foi publicado em 1526. Também o naturalista português Garcia de Orta (c.1501-1568) referiu o coco-do-mar nos Colóquios dos Simples, os quais foram publicados em Goa, no ano de 1563, assim como o poeta Luís de Camões (c.1524-1580) o referiu no seu poema épico, Os Lusíadas (1572). Somente em 1768, a expedição comandada pelo francês Nicolas Marion Dufresne (1724-1772) que desembarcou nas Ilhas Seychelles, para obter madeira, ao adentrar-se na densa floresta descobriu no solo centenas de cocos-do-mar.
Os alunos apreenderam que: (1) o coqueiro-do-mar [Lodoicea maldivica (J.F.Gmel.) Pers. (Arecaceae)] é uma das seis palmeiras endémicas das Seychelles, (2) as suas sementes podem atingir comprimento superior a 50 cm e pesar cerca de 20 kg, (3) as sementes não flutuam (o que impediu a espécie de se dispersar para outras regiões), (4) o coqueiro atinge mais de 30 metros de altura, (5) é uma espécie dióica (com flores femininas e masculinas em indivíduos distintos), (6) a inflorescência masculina (com tamanho e espessura de um braço humano) tem pequenas flores em forma de estrela e exala uma fragrância melífera, (7) as flores femininas agrupam-se em inflorescências com cinco a treze flores, e, cada uma delas contém três óvulos, dos quais, em geral, apenas se desenvolve um, embora, ocasionalmente se possam encontrar frutos com duas ou três sementes (FIGURA 4), (8) os coqueiros-do-mar florescem, pela primeira vez, após cerca de 25 anos de desenvolvimento vegetativo, (9) a maturação da semente prolonga-se por sete anos, (9) a palmeira mais antiga, com 800 anos, integra um bosque, com cerca de 4000 coqueiros-do-mar, existente no Vallée de Mai (Ilha de Praslin), o qual é, desde 1983, reserva inscrita na lista de Património da Humanidade (UNESCO).
Os textos históricos que integraram a exposição e nos quais as sementes são referidas são os seguintes: (1) Décadas da Ásia de João de Barros (c. 1496-1570) “(...) em algumas partes debaixo da agua salgada nasce outro genero dellas [árvores], as quaes dam hum pomo maior que o coco; e tem experiencia que a segunda casca delle he muito mais efficaz contra a peçonha, que a pedra Bezoar, que vem daquellas partes Orientaes, que se cria no bucho de huma alimaria [animal], a que os Parseos chamam Pazon (…)”; (2) Colóquios dos Simples e Drogas da Índia“(...) Não, nem ouvi falar lá delle; por onde lhe não dou tanto credito; e, porque não se offreceo caso onde curasse com elle alguma pessoa, somente ouvi dizer a muytas pessoas, dinas de fé, ser muyto bom pera a peçonha (...) E seyvos dizer que muytos homens bebem por estes coquos, e dizem que se achão muyto bem; mas não sey se o faz a emaginaçam: e por esta razam não quis afirmar ser bom nem máo, nem vos direy cousa alguma ser boa, senão sendo testemunha de vista ou [sabendo-o por] pesoas dinas de fé.”; (3) Os Lusíadas (1572)…“Nas ilhas de Maldiva nace a pranta / No profundo das agoas soberana, / Cujo pomo contra o veneno urgente / He tido por Antidoto excelente.”
Consideramos que o presente projeto contribuiu para a divulgação do conhecimento das relações entre pessoas, plantas e ambiente, bem como para a sensibilização promotora da utilização sustentável dos recursos vegetais. O projeto aqui apresentado, foi premiado na 2.ª Edição do Concurso da Escola Amiga da Criança (2019), instituído pela CONFAP e a Leya Educação, com o Selo de Escola Amiga da Criança, na categoria de Atividades Extracurriculares e/ou Interdisciplinares.
Referências
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- 3 PRIMO, S. C. A mulher contemporânea, entrevista. Diário de Lisboa. 1943.
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- 10 ORTA, G. Colóquios dos Simples e Drogas da Índia, Lisboa, (edição fac-simile dirigida e anotada pelo Conde de Ficalho, Academia Real das Ciências de Lisboa/Imprensa Nacional, Lisboa, 1891-1895). (Colóquio Décimo Sexto - Do Coquo). 1987.
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