Desmond Bernal
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- DQB/ Universidade de Lisboa
Referência Maia, R. G., (2020) Desmond Bernal, Rev. Ciência Elem., V8(4):050
DOI http://doi.org/10.24927/rce2020.050
Palavras-chave física, biofísica, cristalografia, raios x
Resumo
John Desmond Bernal (1901–1971), físico e químico britânico, foi o cientista mais erudito do seu tempo. Chamavam-lhe Sage. Investigou a estrutura da grafite e da água, sólida e líquida. A ele se devem as primeiras conceções, planeamentos e ações no domínio da biologia molecular e/ou estrutural. Ofereceu-nos a primeira resolução tridimensional da estrutura de uma proteína, de esteróis, de hormonas sexuais, da vitamina D2, do vírus do mosaico do tabaco. Interrogou a função social da ciência, a sua história, a origem da vida. O êxito do Dia D – 6 de junho de 1944 – muito deve a Desmond Bernal.
Samuel George Bernal, irlandês, casou com a norte-americana Elizabeth Miller, de esmerada educação. Viviam em quinta própria em Brookwatson, Irlanda. John Desmond foi o primeiro filho do casal. Seguiram-se Kevin O’Carrol (n. 1903), Geraldine (n. 1906), Fiona (n. 1908; não sobreviveu) e Godfrey (n. 1910). Desmond era extremamente precoce, com uma memória prodigiosa. Frequentou a escola diocesana local e, pelos 10 anos, seguiu com o irmão Kevin para Hodder Place, a escola preparatória jesuíta de Stonyhurst, Lancashire, Inglaterra. Em 1914, os irmãos mudaram-se para Bedford School, escola protestante pública situada na English Midlands.
Em 1918/19, tempo de Grande Guerra, Desmond queda-se por Dublin. Sozinho, num quarto de hotel, apenas com a visita diária de um tutor por uma hora, estuda para a admissão na Universidade de Cambridge. Os exames coincidem com a morte do pai, mas os resultados falam por si: uma bolsa de estudos para o Emmanuel College da Universidade de Cambridge. Cambridge foi o turning point, o seu pensamento alimenta-se de ciência, mas também de política, de economia, de filosofia... Ganha o cognome de Sage.
Tendo obtido o seu grau universitário, Bernal vai integrar o Laboratório Davy-Faraday da Royal Institution, em Londres, sob a direção de William Bragg (1862-1942), como seu assistente de investigação. Utilizando cristalografia de difração de raios X, decifrou a célula unitária e a controversa estrutura da grafite e relacionou estrutura e propriedades metálicas, térmicas e elétricas. Para tal, Bernal inovou a instrumentação e construiu as Bernal charts para simplificação dos cálculos. Em 1927, Desmond Bernal retorna a Cambridge. Com o posto de first lecturer, cria a sua própria escola de investigação e de investigadores no Laboratório Cavendish.
Nos anos 30, as investigações de Desmond Bernal vão derivar para as moléculas da vida. Estudou a água e a estrutura dos cristais de gelo que justificam as suas propriedades “anómalas”. Depois, enfrentou a estrutura da hormona sexual estradiol (FIGURA 2A)) e da vitamina D2, o ergocalciferol (FIGURA 2B)) - e de outros esteróis e seus derivados, colesterol, ergosterol. Para Bernal, estruturas de hormonas e de vitaminas eram peças de um puzzle que permitiriam a solução dos problemas químico-biológicos fundamentais. Em simultâneo, estudou cristais de pepsina, o enzima proteico produzido no estômago. Propôs a sua estrutura 3D, esferoide achatada nos polos. Trabalho gigantesco, um big-bang na época. A sua principal colaboradora foi Dorothy Hodgkin (1910-1994) que, tal como ele, possuía uma capacidade de visionamento tridimensional extraordinária.
O desafio seguinte para Bernal consistiu no desvendar da estrutura do TMV, Tobbaco Mosaic Virus. O TMV é o agente infeccioso responsável por grandes prejuízos nas colheitas da planta do tabaco; muito estável, tornou-se um modelo em relação a todos os vírus, e até à própria vida. Só em 1950, a natureza do vírus ficou plenamente decifrada. Com a colaboração de Isidor Fankuchen (1904-1964), Bernal concluiu que o vírus dispunha de um arranjo espiralado, um empacotamento caracteristicamente proteico, com um tubo oco central, em cuja borda serpenteava o ácido ribonucleico, RNA. A substância ativa do TMN não era só proteína, nem só ácido nucleico. Assim é a vida.
Em 1937, Desmond Bernal aceita a cátedra de física no Birkbeck College da Universidade de Londres. Concebe um centro biomolecular, multidisciplinar, com ênfase no estudo de proteínas. Em 1948, foi inaugurado o Biomolecular Research Laboratory em Torrington Square. A reputação do Sage atraiu grandes cientistas, Rosalind Franklin (1920-1958) e Aaron Klug (1926-2018), entre eles. Pelo meio, o interregno da Segunda Guerra Mundial e seus estragos.
Conselheiro científico de Lord Louis Mountbatten, chefe das Operações Combinadas dos Aliados, o sucesso da Operação Overlord, iniciada com o desembarque das tropas na Normandia, muito deve a Desmond Bernal. Bernal foi fundamental na escolha do local, dia e hora do Dia D, através do mapeamento da costa e informações sobre movimento das ondas e duração das marés. Muito mais terá feito Desmond Bernal pelo esforço de guerra – “gostava de lhes poder dizer, mas não posso”, responderia ele.
Desmond Bernal tinha 21 anos quando casou com Agnes Eileen Sprague. Eileen deu à luz dois rapazes, Michael (n. 1926) e Egan (n. 1930). Bernal teve mais dois filhos: Martin (n. 1937) de Margaret Gardiner, e Susanna Jane (n. 1953) de Margot Heinemann. Martin foi historiador e Jane médica psiquiatra. Bernal viveu o amor livre, defendeu o socialismo, pugnou pela Paz. Era um inspirador e um eloquente gerador de ideias. Publicou vários livros que atestam o seu pensamento: The Social Function of Science (1939), Science in History (1954), verdadeiro tratado sociológico da ciência, e The Origin of Life (1967), entre outros. Na década de 60 sofreu vários acidentes vasculares cerebrais que progressivamente o debilitaram. Faleceu em setembro de 1971.
Bernal foi eleito Fellow da Royal Society (1937), recebeu a Royal Medal (1945), o Stalin Peace Prize (1953) e a Grotius Gold Medal (1959). O cientista e escritor C.P. Snow, na sua novela The Search, construiu a personagem central, Constantine, à imagem de Bernal.
“Era infinitamente curioso”, escreveu Jane Bernal. “O cientista mais brilhante que alguma vez conheci”, escreveu Linus Pauling.
Referências
- 1 BROWN, A. J. D. Bernal – The Sage of Science, Oxford University Press, Oxford. 2005.
- 2 GOLDSMITH, M. Sage – A Life of J.D. Bernal, Hutchinson, Londres. 1980.
- 3 GONÇALVES-MAIA, R. Desmond Bernal – Ciência na História, Coleção “Dos Átomos e das Moléculas”, vol. 3, Edições Colibri, Lisboa, 2017; LF Editorial, nº 3, São Paulo. 2016.
- 4 J. D. Bernal, A Life in Science and Politics, ed. B. Swann e F. Aprahamian, Verso, Londres. 1999.
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