As planárias são pequenos animais invertebrados de vida livre, pertencentes ao filo dos Platelmintas (Classe Turbellaria, Ordem Tricladida), que há mais de 100 anos fascinam cientistas e não cientistas devido à sua grande capacidade regenerativa. Estão descritas alguns milhares de espécies que podem ser aquáticas (de água doce e de água salgada) ou terrestres. Apresentam simetria bilateral, com uma única abertura ligada à faringe, um tubo muscular extensível para o exterior do animal, usado na ingestão do alimento e na defecação (FIGURA 1). Apresentam tecidos complexos e órgãos como dois ocelos, um cérebro bilobado, duas cordas nervosas ventrais e uma cavidade gastrovascular ramificada. Deslocam-se rapidamente devido ao movimento coordenado de cílios localizados na sua epiderme ventral e apresentam o corpo coberto por muco. As planárias são animais hermafroditas que se podem reproduzir sexuadamente, com fecundação interna, ou assexuadamente.

As planárias são excelentes modelos biológicos, para a compreensão de processos biológicos comuns ao funcionamento de outras espécies, são fáceis de manter em laboratório, a baixo custo e com pouca necessidade de espaço, e fáceis de manipular.


FIGURA 1. Anatomia externa e interna da planária.

Cultura e manutenção laboratorial de planárias

As planárias de água doce pertencem a cerca de 1300 espécies que podem ser encontradas em ribeiros e lagos não poluídos, geralmente associadas à zona inferior de uma rocha ou de um tronco. Podem ser facilmente recolhidas para um balde através da aplicação de um leve jato de água na rocha e recolha para um recipiente com a ajuda de uma pipeta de plástico, de modo a não produzir lesões nos animais. Após a colheita, devem ser transportadas em recipientes cheios de água, isto é, sem ar, e, durante o transporte, as temperaturas devem estar entre 1 e 25°C. No laboratório, pelo menos metade da água deve ser substituída por água sem cloro e, no dia seguinte, toda a água deve ser renovada.

As culturas de planárias podem ser mantidas em recipientes adequados para a alimentação, por exemplo garrafões de água cortados, contendo água da torneira sem cloro com pH entre 6,8 e 7,8, sujeitas a um fotoperíodo de 12 a 16 horas e a uma temperatura entre os 10 e os 20°C. Temperaturas superiores, até 25°C, são aceitáveis, mas o crescimento bacteriano e os riscos de infeção são superiores. Podem ser mantidas 200 a 300 planárias por cada litro de água e os recipientes devem ter uma cobertura, que permita uma boa circulação do ar. O fecho do recipiente levará à morte das planárias, uma vez que são seres aeróbios.

No laboratório, podem ser alimentadas com fígado de boi triturado. Após a eliminação de gordura e dos vasos sanguíneos, o fígado, tem de ser cortado em fragmentos (1 cm) e triturado, até formar uma massa homogénea, colocado num saco plástico, e imediatamente congelado (-20°C).

Uma vez por semana, descongelar um pequeno fragmento de fígado e adicionar à cultura, devendo-se assegurar que o fígado chega ao fundo do recipiente. Ao fim de 2 horas, todo o fígado que não foi consumido tem de ser retirado da cultura e, em seguida, toda a água tem de ser substituída. Os recipientes têm de ser mantidos sem algas e sem bactérias e as culturas não podem ter cheiro. Na manutenção de culturas a longo prazo, as planárias devem ser alimentadas 2 vezes por semana, seguidas de renovação completa da água.


Regeneração

A regeneração é um processo fascinante que substitui estruturas danificadas ou perdidas em indivíduos adultos. A estrela-do-mar consegue regenerar um ou mais braços, os caranguejos regeneram patas, os peixes regeneram barbatanas e as salamandras conseguem regenerar um membro. Em casos extremos, como na hidra, no pólipo de coral e na planária, um fragmento de tecido regenera um indivíduo completo.

Apesar de todos os organismos pluricelulares dependerem das células estaminais para a sua sobrevivência e perpetuação, as planárias foram adotadas para o estudo da regeneração e da biologia das células estaminais porque, conseguem regenerar um indivíduo completo de, praticamente, qualquer fragmento do seu corpo, num tempo relativamente curto. A extraordinária plasticidade tecidular das planárias contrasta com a incapacidade regenerativa de Caenorhabditis elegans (nemátode) e de Drosophila melanogaster (mosca-da- -fruta), dois modelos biológicos usados em laboratórios de todo o mundo. Esta plasticidade resulta da abundância de células estaminais, os neoblastos, que se encontram dispersos por todo o corpo da planária adulta, exceto na faringe e na região anterior aos ocelos. Os neoblastos constituem 20 a 25% do número total de células de uma planária, são as únicas células com capacidade de divisão e podem originar qualquer tipo de células do animal.

Outra característica interessante das planárias é a sua capacidade de sobrevivência sem alimentação durante vários meses, diminuindo o seu tamanho. Por exemplo, a espécie Schmidtea mediterranea pode ter uma variação de tamanho de 40 vezes passando de 20 mm para 0,5 mm (FIGURA 2). Ainda mais curioso é o processo ser reversível, assim que o alimento volta a estar disponível o animal volta a aumentar de tamanho.


FIGURA 2. Variação do tamanho da planária em função da disponibilidade de alimento. O quadrado representa 1 mm2.

A planária pode ser cortada em fragmentos que regeneram um indivíduo completo de menores dimensões. Durante o processo de regeneração, a forma do corpo e as suas proporções são mantidas. Cada fragmento regenera de um modo preciso as partes em falta, em coordenação com o resto do corpo em remodelação, preservando a orientação do seu eixo corporal, originando um animal com as proporções adequadas.

Para a realização das experiências de regeneração, as planárias não devem ser alimentadas durante 48 horas. A diminuição de temperatura diminui a velocidade de deslocação do animal facilitando o corte, que deve ser executado com o auxílio de um bisturi desinfetado ou de uma lamela.


FIGURA 3. Regeneração da planária (Dugesia japonica).

Após a amputação ocorre uma forte contração dos músculos que fecham o corte, minimizando a exposição dos tecidos internos e a área da ferida. Um fragmento da região anterior continuará em movimento, um mecanismo que permitiria à planária fugir de um predador. Passados cerca de 30 minutos, uma fina camada de células é transferida para a zona de corte. Em seguida, os neoblastos aumentam a sua taxa de proliferação e, no local de corte originam um novo tecido sem pigmentação, o blastema, onde ocorre a diferenciação, de modo a substituir as partes perdidas (FIGURAS 3 e 4). A regeneração está completa quando o animal tem as proporções adequadas e a pigmentação é homogénea. Ao fim de cerca de 15 dias a um mês, dependendo da espécie utilizada, as planárias começam a alimentar- se. Poder-se-á monitorizar a evolução da regeneração com o auxílio de uma lupa estereoscópica, bem como o registo fotográfico para posterior análise de imagem.


Conclusão

A planária é um animal de fácil manutenção e a baixo custo, que revela um elevado potencial como modelo para estudos de biologia do desenvolvimento, experiências de regeneração e estudos de ecotoxicologia, permitindo, em contexto de sala de aula, a obtenção de resultados num intervalo de tempo relativamente curto.

A perspetiva hands-on como método de trabalho na sala de aula, além de facilitar a aquisição e aplicação de conhecimentos fundamentais referentes à regeneração animal, encoraja a curiosidade dos discentes.

A utilização de planárias obriga à manutenção de um organismo modelo com um protocolo adequado, de modo a garantir a reprodutibilidade dos resultados. A realização pelos alunos de diferentes experiências com planárias permite colocar os alunos em situações em que constroem a metodologia a utilizar, compreendem a importância do controlo, a seleção, a colheita e o tratamento de dados e o desenvolvimento de um modelo explicativo para os resultados.