Fruto
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- CEF/ Universidade de Coimbra
Referência Canhoto, J.M., (2021) Fruto, Rev. Ciência Elem., V9(1):010
DOI http://doi.org/10.24927/rce2021.010
Palavras-chave alimentação, alimentos, frutos, plantas, flor, carpelo, gineceu, antera, estigma, estilete, ovário, sementes, dispersão vegetal, angiospérmicas, morfologia, estrutura, polinização, germinação, saco embrionário, pistilo, epicarpo, drupas, bagas, carnudos,
Resumo
Uma visita a um mercado ou a um supermercado dá-nos uma ideia da enorme diversidade de frutos que existem. Com a actual facilidade de transporte, podemos mesmo observar não apenas os frutos comuns da nossa área geográfica, mas também frutos que há poucos anos atrás nem sequer conhecíamos, vulgarmente designados por frutos exóticos. Tendo a nossa alimentação uma forte componente cultural, associamos os frutos, por norma, a algo que comemos no final de uma refeição. No entanto, muitos frutos são utilizados como legumes, como acontece com o feijão-verde ou o tomate. Também é comum chamarmos frutos a coisas que não são frutos. Por exemplo, as amêndoas e os pinhões são sementes, mas é vulgar designá-los por frutos secos. Neste artigo pretende- -se clarificar o que é um fruto e quais os diferentes tipos de frutos que existem.
O fruto surgiu tarde durante a evolução das plantas. Trata-se de uma estrutura que apareceu com as angiospérmicas, as últimas plantas a surgirem durante o processo evolutivo (http://tolweb.org/angiosperms)1, em vez de outras plantas, como as briófitas, pteridófitas e gimnospérmicas, não formam frutos. Aquilo a que chamamos fruto resulta do ovário, um órgão da flor (FIGURA 1A) e B)) que, em consequência da fecundação, sofre uma série de modificações estruturais dando origem ao fruto2. Este, envolve a semente ou as sementes que resultam dos óvulos (FIGURA 1C)). Essas modificações implicam aumento de tamanho, mudança de côr, alterações na textura e, em muitos casos, a emissão de compostos voláteis. Assim como a função do sol não é fazer crescer as couves, como referiu Flaubert, também a função dos frutos não é serem usados na nossa alimentação, embora na realidade isso aconteça. Os frutos desempenham essencialmente duas funções: proteger as sementes e/ou ajudar à sua dispersão.
No que diz respeito à dispersão das sementes, ela pode ocorrer de várias maneiras, quer seja através de mecanismos que permitem projectar as sementes, quer seja pela existência de estruturas que permitem a ligação ao pelo dos animais, ou pela atracção de animais. As cores e os aromas produzidos durante os últimos estádios de maturação dos frutos atraem estes agentes dispersores que, ingerindo os frutos, libertam depois as sementes nas fezes. Neste caso, a matéria orgânica associada às sementes facilita o desenvolvimento das jovens plantas provenientes da germinação.
Estima-se que existam entre 250.000 a 300.000 espécies de angiospérmicas3. Produzindo cada uma destas espécies um fruto com características particulares, fácil é imaginar a grande diversidade de frutos que existe. Acresce a isto o facto de, nas espécies que são utilizadas na alimentação, como fruteiras, o melhoramento genético ter produzido novos tipos de frutos4. É o caso, por exemplo, das bananas comerciais, que não possuem sementes. Este tipo de frutos, que também podem surgir espontaneamente na natureza, como acontece com as laranjas da Baía (“laranjas com umbigo”), resultam de programas de melhoramento que visam eliminar a produção de sementes.
É impossível compreender a morfologia e estrutura de um fruto sem nos focarmos mais pormenorizadamente na parte feminina da flor (gineceu), que possui três partes distintas: o estigma, o estilete e o ovário. O estigma é a parte do gineceu onde os grãos de pólen são depositados (polinização) e germinam (FIGURA 1B)), ou seja, emitem um tubo polínico que transporta os dois gâmetas masculinos até ao saco embrionário situado no interior dos óvulos e que possui o gâmeta feminino (oosfera). O tubo polínico cresce ao longo do estilete (FIGURA 1B) e C)), até ao óvulo (FIGURA 1C)) onde descarrega os gâmetas masculinos5. A fecundação desencadeia uma série de modificações nos óvulos as quais, por sua vez, provocam alterações profundas na parede do ovário, que inicia o seu desenvolvimento num fruto5. A unidade básica do gineceu é o carpelo ou folha carpelar2. Se o gineceu possui apenas uma folha carpelar, diz-se unicarpelar; se possui mais do que uma é chamado pluricarpelar (FIGURA 2A)). Quando existe mais do que um carpelo, eles podem estar fundidos ou não. Se houver apenas um único carpelo, como já vimos, o gineceu também é designado como simples. A FIGURA 2A) mostra uma secção transversal de um ovário pertencente a um gineceu pluricarpelar sincárpico, neste caso com três carpelos (tricarpelar). Algumas particularidades da flor podem indiciar qual o número de carpelos, como por exemplo o número de estigmas. No hibisco (Hibiscus rosa-sinensis L.) o carpelo termina em 5 estigmas bem nítidos (FIGURA 2B)). Uma observação do fruto em estados precoces de desenvolvimento mostra também os 5 carpelos fundidos (FIGURA 2C)), o mesmo se verificando quando se analisa uma secção transversal do ovário ou do fruto (FIGURA 2D)).
Alguns autores utilizam o termo pistilo como sinónimo de carpelo ou mesmo de gineceu. No entanto, os termos não são sinónimos6, 7, pois o pistilo corresponde ao conjunto do ovário, estilete e estigma de um só carpelo ou resultantes da fusão de dois ou mais. Assim, os termos apenas são sinónimos quando se trata de uma flor unicarpelar6. A fusão dos carpelos também implica a existência de espaços (lóculos) no interior do ovário. Se existe apenas um espaço, os ovários são uniloculares; se há mais do que um são designados em função do número de lóculos: biloculares (dois), triloculares (três), pluriloculares (vários). Em regra, o número de lóculos corresponde ao número de folhas carpelares que constituem um ovário8, 9.
Um fruto verdadeiro é aquele que resulta exclusivamente da parede do ovário10. Como exemplo podemos referir o damasqueiro, fruto da espécie Prunus armeniaca L.. Numa secção transversal de um fruto deste tipo (FIGURA 3A)), podemos observar, distintamente, três camadas: 1) o epicarpo, que vulgarmente designamos por casca, 2) o mesocarpo, correspondente (parte comestível) e 3) o endocarpo, uma parte rígida no interior do qual se localizam as sementes. No seu conjunto, estas zonas formam o pericarpo, que em muitos tipos de frutos não apresenta esta organização tão nítida. No entanto, existem frutos, em que o fruto verdadeiro (resultante do ovário) se encontra associado a outras peças florais que também proliferaram e que assim contribuem para a estrutura final11. É o caso, por exemplo, da pêra (fruto da espécie Pyrus communis L.), maçã (fruto da espécie Malus domestica Borkh.) e marmelo (fruto da espécie Cydonia oblonga Mill.), em que a parte comestível é a proliferação do tubo floral chamado hipântio (FIGURA 3B)). Estes frutos, são designados pomos, e as árvores fruteiras que os produzem globalmente conhecidas por pomóideas.
Uma maneira de agrupar os frutos baseia-se na estrutura do epicarpo8, que se pode apresentar hidratado ou com um teor em água reduzido. No primeiro caso, os frutos dizem-se carnudos e, no segundo, secos (FIGURA 3C)). Dois grandes subtipos de frutos carnudos são as drupas e as bagas. Os primeiros são típicos do género Prunus, como já referimos, de tal modo que às árvores fruteiras como os pessegueiros, as ameixeiras ou as cerejeiras se atribui a designação de prunóideas. Estes frutos caracterizam-se por um mesocarpo carnudo e um endocarpo muito rígido. Também os citrinos são uma baga, mas aos quais se atribui um subtipo particular – hesperídio (FIGURA 3D)). Apresenta um epicarpo coriáceo, um mesocarpo branco e um endocarpo divido em gomos onde se acumula um líquido rico em ácido cítrico e ácido ascórbico (vitamina C). As nozes (FIGURA 4A)) que usamos na nossa alimentação não são mais que o endocarpo dos frutos da nogueira (Juglans regia L.). O mesmo acontece com os cocos (FIGURA 4B)), o endocarpo dos frutos do coqueiro (Cocus nucifera L.). Por sua vez, as bagas, apresentam uma grande diversidade. À semelhança das drupas possuem um pericarpo hidratado, mas não existe um endocarpo ósseo protetor das sementes. A goiaba, o kiwi ou a banana são exemplos de bagas.
Os frutos secos podem dividir-se em deiscentes ou indeiscentes, consoante apresentam ou não um mecanismo de abertura para a libertação das sementes. Como exemplo dos primeiros temos as vagens das leguminosas (FIGURA 3C)), que quando maduras libertam as sementes através de duas linhas de deiscência que se localizam em lados opostos. Como exemplos dos segundos temos as nozes, não aquelas que antes foram referidas, mas um tipo de fruto típico das fagáceas, como os carvalhos e o castanheiro. Uma bolota (FIGURA 4C)) ou uma castanha (FIGURA 4D)) são dois tipos de frutos que se caracterizam por possuírem uma única semente (monospérmicos) rodeada por um pericarpo rígido sem qualquer mecanismo de abertura. Também os frutos das gramíneas (Poaceae), como o trigo, o arroz ou o milho são frutos secos indeiscentes (FIGURA 4E)). Caracterizam-se por serem monospérmicos, com um pericarpo muito reduzido, estreitamente associado à testa da semente. Assim, os grãos destas espécies não são sementes mas sim frutos, sendo importante referir que a segurança alimentar da nossa espécie depende, em grande parte, da cultura destes três cereais.
Os frutos também se podem agrupar, quanto à sua origem, em frutos simples, agregados ou múltiplos (infrutescências). Os simples resultam da proliferação do ovário de uma única flor. Um kiwi, uma azeitona ou uma bolota são frutos simples. Os frutos agregados (múltiplos) são aqueles que resultam da associação de vários frutos, cada um deles resultante de cada um dos carpelos individuais de uma única flor. É o caso das framboesas (FIGURA 4F); Rubus idaeus L.). Na verdade, cada um destes frutos, é formado por um conjunto de pequenas drupas individuais. Um morango (FIGURA 4G)) também é um fruto agregado, mas neste caso um fruto agregado de aquénios (cada uma das estruturas elipsóides que existem à superfície), um tipo de fruto seco indeiscente. A parte carnuda resulta da proliferação do receptáculo floral. Assim, um morango também pode ser considerado um pseudofruto, pois resulta da proliferação de outros tecidos que não o ovário. No que diz respeito aos frutos múltiplos ou infrutescências eles distinguem-se dos frutos agregados por resultarem de inflorescências (conjuntos de flores) em que, para além dos ovários, outras partes da flor contribuem para a estrutura final. Um bom exemplo é o ananás (FIGURA 4H)). Cada escudo da infrutescência (FIGURA 4H)) resulta de uma flor inserida num eixo caulinar carnudo, sendo o fruto o resultado do desenvolvimento sincronizado do ovário e de outras peças florais que se fundem durante este processo. A parte central do fruto, mais fibrosa, é o eixo da inflorescência/infrutescência e corresponde ao espaço central das secções de ananás em conserva.
Para uma análise mais detalhada dos diferentes tipos de frutos recomenda-se esta página web - https://www2.palomar.edu/users/warmstrong/fruitid1.htm.
Referências
- 1 EVERT, RF & EICHHORN, SE V., Raven – Biology of Plants, W.H Freeman and Company Publishers, New York. 2013.
- 2 BRESISKY, A. et al., Strasburger’s plant science, Springer, Heidelberg. 2013.
- 3 HEYWOOD, VH, et al., Flowering - plant families of the world, Firefly Books and The Royal Horticultural Society, London. 2007.
- 4 TAIZ, L., et al., Plant physiology and development, Sinauer Associates, Inc, Massachusetts. 2015.
- 5 EZURA, H. & HIWASA-TANASE, K., Plant developmental biology – biotechnological perspectives, Springer Berlin, 1. 2010.
- 6 FERNANDES, RB, Vocabulário de termos botânicos, Anuário da Sociedade Broteriana, 38, 181-292. 1972.
- 7 FONT QUER, P., Diccionario de Botánica, Editorial Labor S.A., Barcelona. 1985.
- 8 CRANG, R. et al. Plant anatomy – a concept-based approach to the structure of seed plants, Springer, Switzerland. 2018.
- 9 HESSAYON, DD, The fruit expert, Expert Books, New York. 2007.
- 10 ANÓNIMO, The agile rabbit visual dictionary of fruit, The Pepin Press, Amsterdam. 2003.
- 11 BLACKBURNE-MAZE, P., Fruit – an illustrated history. Firefly Books and The Royal Horticultural Society, London. 2003.
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