O estudo da duração do dia tem como base a relação entre duas escalas de tempo: o tempo universal (UT) e o tempo atómico internacional (TAI).

O tempo universal é uma das escalas de tempo baseada no movimento de rotação da Terra (escala de tempo rotacional) e pode ser determinado a partir de observações de estrelas, satélites e fontes de rádio extragalácticas. O tempo universal corresponde ao ângulo horário do Sol médio referido ao meridiano de Greenwich, também conhecido como tempo solar médio de Greenwich (GMT – Greenwich Mean Time). As observações brutas do tempo universal estão sujeitas às irregularidades associadas ao movimento do eixo de rotação instantâneo da Terra. Existem três formas de tempo universal: UT0, UT1 e UT2.

O UT0 corresponde ao tempo observado num determinado lugar sendo afetado pelo movimento do polo (variação do eixo de rotação instantâneo da Terra em torno de um eixo médio, o Polo Terrestre Convencional) e pelas variações no movimento de rotação da Terra.

O UT1 corresponde ao UT0 corrigido do efeito do movimento do polo. É a variante de tempo universal mais importante, dado que permite conhecer a orientação angular instantânea da Terra no espaço.

O UT2 corresponde ao UT1 corrigido das variações periódicas anuais e semianuais do movimento de rotação da terra.

O tempo atómico internacional (TAI) é uma escala de tempo atómico mantida pelo Bureau International des Poids et Mesures (BIPM). É o resultado da análise estatística de cerca de 200 relógios atómicos que operam em laboratórios de tempo distribuídos por todo o globo. A unidade de tempo do TAI é o segundo, tal como definido no Sistema Internacional de Unidades (SI). O TAI foi estabelecido no dia 1 de janeiro de 1958 (nesta data UT1-TAI ≈ 0).

Para relacionar o tempo atómico com a rotação da Terra, é necessário introduzir o conceito de tempo universal coordenado (UTC). A unidade de tempo fundamental do UTC é a mesma do TAI, mas contrariamente ao TAI, o UTC não é uma escala de tempo contínua. De forma a manter-se próximo do UT1, o UTC sofre periodicamente uma adição ou subtração de segundos intercalares (leap seconds), sendo satisfeitas as seguintes condições: 1) a diferença entre o TAI e o UTC é um número inteiro de segundos; 2) a diferença entre o UT1 e o UTC, DUT1, nunca excede 0,9 s, em valor absoluto.

O conceito de duração do dia (LOD - Length of Day) estabelece uma relação entre o TAI e o UT1, sendo definido como a diferença entre a duração do dia observada pelas técnicas da geodesia espacial e 86400 s SI (duração nominal de um dia), ou seja, trata- -se, mais especificamente, de um excesso de duração do dia, \(\Delta \)LOD.

As flutuações na LOD são devidas à redistribuição de massas no interior da Terra, associada a fenómenos periódicos (e.g. deformações produzidas pelas atrações gravitacionais do Sol, Lua e outros corpos celestes, que originam as marés terrestes e oceânicas) e irregulares (e.g. sismos, degelo, movimento de placas tectónicas), com períodos que podem variar entre algumas semanas e décadas.

Na FIGURA 1 está representada a série temporal de LOD, disponibilizada pelo International Earth Rotation and Reference Systems Service (IERS). A série analisada é constituída por observações diárias de LOD, para o período compreendido entre 1962 e 2021. A série permite identificar três “ciclos” na duração do dia: 1962 - 1987, 1987 - 2003 e 2003 - 2021. A tendência da LOD é de uma clara diminuição, acentuada a partir do ano 2000. O valor máximo foi observado em 12 de abril de 1972 (cerca de +4,4 ms) e o valor mínimo em 19 de julho de 2020 (cerca de -1,5 ms), ano em que foi observado o maior número de valores negativos de LOD. O ciclo iniciado em 2003 é caracterizado por uma maior estabilidade na velocidade de rotação da Terra.

De modo a identificar as principais flutuações na duração do dia, foi utilizada a técnica de análise por decomposição em onduletas (wavelets). Esta técnica permite decompor uma série temporal em séries de detalhe com diferentes escalas de resolução temporal, cada uma das quais representando uma certa banda de frequências, e uma série suavizada que representa a tendência da série.

Numa primeira fase, a série foi corrigida das oscilações induzidas pelas marés terrestres e oceânicas. Estas oscilações compreendem períodos que variam entre poucos dias e 18,6 anos. De modo a abranger flutuações de curto e longo período, foi estabelecida uma decomposição com 11 níveis (J = 1, ... , 11). Cada nível J captura as oscilações entre 2J - 2J+1 dias, pelo que o nível 1 representará as oscilações entre 2 e 4 dias, o nível 2 entre 4 e 8 dias, e assim sucessivamente. Revestem-se de particular importância os níveis que capturam as oscilações sazonais, nomeadamente a variação semianual (nível 7) e anual (nível 8). Os resultados da análise estão representados na FIGURA 1.


FIGURA 1. A) Série temporal LOD (azul), segundos intercalares (castanho), MEI (verde). B) Oscilação semianual. C) Oscilação anual. D) Oscilação intra-década (1,4 – 11,2 anos). E) Série temporal corrigida dos efeitos das marés oceânica e terrestre (azul) e tendência (vermelho).

Como se pode verificar pela análise da figura, os períodos anual e semianual, associados à interação sazonal da atmosfera e hidrosfera com a terra sólida, são claramente dominantes, com amplitudes inferiores a 1 ms. Embora com menor amplitude, existem oscilações intra-década com períodos de 2-3 anos (associadas à oscilação quase bienal, QBO, caracterizada por uma propagação descendente alternada de ventos zonais de Este e Oeste na estratosfera tropical) e de 6-7 anos. Embora existam várias teorias, a troca de momento angular atmosférico com a Terra sólida e mecanismos de interação entre o manto e o núcleo são provavelmente as que geram maior consenso na explicação da variação de 6-7 anos (qualquer redistribuição de massa no interior ou à superfície da Terra é acompanhada por variações da rotação da Terra sólida, seguindo o princípio de conservação do momento angular total). A troca de momento angular atmosférico com a Terra sólida é também associada a um período de ~50 dias, não representado na FIGURA 1.

Existem naturalmente algumas irregularidades na duração do dia, como sejam as associadas a fenómenos como o El Niño Oscilação Sul (ENSO), resultado de um aquecimento anómalo das águas superficiais do Oceano Pacífico tropical central e oriental. Na figura é representado o índice multivariado ENSO, MEI, que constitui uma representação das anomalias atmosféricas e oceânicas que ocorrem durante os eventos ENSO. É visível a alta correlação que existe entre os fenómenos El Ninõ (estão assinalados os eventos de maior intensidade) e a LOD. Também os sismos de grande magnitude são responsáveis por oscilações na LOD, mas de forma impercetível. Os grandes sismos de Sumatra (2004) e do Chile (2010) poderão ter provocado um decréscimo na LOD de ~7 \(\mu \)s e de ~1 \(\mu \)s, respetivamente (segundo modelos do Jet Propulsion Laboratory, NASA).

Finalmente uma nota sobre a introdução dos segundos intercalares. A frequência com que os segundos intercalares são introduzidos está intimamente relacionada com a maior ou menor variação da velocidade de rotação da Terra. O primeiro ciclo que é identificado na tendência da série é aquele em que houve um maior número de segundos intercalares, enquanto que no terceiro desses ciclos, o mais longo, houve apenas a introdução de 5 segundos intercalares (do total de 27). A velocidade de rotação da Terra aumentou neste último ciclo, observando-se vários valores negativos de LOD.

A manter-se esta tendência poderá acontecer que haja necessidade de introduzir um segundo intercalar, mas negativo, de modo a satisfazer a condição de manter a diferença entre o UT1 e o UTC inferior a 0,9 s, em valor absoluto. Por outro lado, a questão da introdução dos segundos intercalares tem sido alvo de debates, com inúmeros argumentos a favor e contra. Depois de impasses em encontros científicos realizados em 2003, 2012 e 2015, a decisão foi agora protelada para 2023. Coloca-se a questão: será que iremos ter o primeiro segundo intercalar negativo ou deixar de ter segundos intercalares?