Ecologia do litoral rochoso alentejano
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- * DBio/ECT/ Universidade de Évora
- ɫ DBio/ECT/ Universidade de Évora
- ‡ CIEMAR/ECT/Universidade de Évora
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Referência Castro, J. J., Cruz, T., Jacinto, D., Silva, T., (2021) Ecologia do litoral rochoso alentejano, Rev. Ciência Elem., V9(3):053
DOI http://doi.org/10.24927/rce2021.053
Palavras-chave biodiversidade, ecossistemas, marinhos, rochosos, polvo, mexilhão, percebe e ouriço--do-mar, lapas, búzios, caranguejos, ambiente, litoral, Alentejo, zona entremarés, intertidal, zona entremarés
Resumo
No litoral rochoso do Alentejo pode-se encontrar uma grande abundância e diversidade de organismos vivos. Algumas espécies que aí vivem são popularmente conhecidas e utilizadas para consumo humano, como é o caso do polvo, mexilhão, percebe e ouriço-do-mar, e de várias espécies de lapas, búzios e caranguejos. Outras, como as cracas ou diversas espécies de algas ou de anémonas-do-mar, não são normalmente consumidas desta forma na costa alentejana e são menos conhecidas, embora algumas sejam apreciadas como alimento noutros países ou regiões.
O ambiente litoral tem características muito especiais e algumas destas espécies apenas se encontram neste ambiente e estão especialmente adaptadas a nele viver. Num litoral marinho sob a influência da maré, como é o caso do litoral rochoso alentejano, a zona entremarés (ou intertidal) encontra-se na transição entre os ambientes permanentemente imersos e emersos.
No litoral marinho alentejano, a zona entremarés inclui fundos rochosos, ou de substrato duro, que são mais frequentes na costa oceânica, mas também fundos móveis com sedimentos. Estes são geralmente de areia na costa oceânica, e mais finos (lamas ou lodos, dominados por silte e argila) nos estuários (por exemplo, dos rios Sado e Mira) e nas lagoas costeiras (por exemplo, de Melides ou Santo André).
Na costa continental portuguesa ocorrem diariamente duas marés cheias e duas marés baixas, cuja amplitude varia ao longo dos ciclos lunar e solar. Em Lua cheia e Lua nova, as marés são vivas e têm maior amplitude, mas em quarto crescente e minguante as marés são mortas e a sua amplitude é menor. Na FIGURA 1, esta variação pode ser vista na água da superfície da Terra (a azul, não representada à escala, assim como os astros), mais deformada em marés vivas. Por outro lado, as marés equinociais têm maior amplitude que as solsticiais.
Na zona entremarés (FIGURA 2), os fundos marinhos são cobertos por água do mar na maré cheia e descobertos na maré baixa (total ou parcialmente, consoante a amplitude da maré) durante algumas horas.
Os organismos que aí vivem são marinhos e algumas espécies apenas se encontram neste ambiente e estão especialmente adaptadas às suas grandes variações espaciais e temporais.
Numa zona entremarés rochosa (FIGURA 3), o fundo marinho é irregular (geralmente tem muitas frestas e poças de várias dimensões) e os organismos marinhos que aí vivem estão sujeitos à variação de fatores físicos, como a maré, a dessecação, o stress térmico e o hidrodinamismo, mas também de fatores biológicos, como a predação, a competição e os processos de fixação ao substrato que, em conjunto, condicionam a sua distribuição e abundância.
Nesta zona entremarés, a distribuição vertical das espécies de algas, líquenes e animais é muito variável: umas são mais abundantes em níveis inferiores, outras em níveis superiores ou intermédios; umas distribuem-se em quase toda esta zona, outras encontram-se sobretudo em poças de maré. Cada espécie tem a sua zona ou área de distribuição vertical, com um limite superior e outro inferior.
Nos fundos rochosos entremarés há organismos marinhos que vivem fixos ao fundo de modo permanente (FIGURA 4), como algas, anémonas-do-mar, mexilhões, cracas e percebes, ou são sedentários e possuem mobilidade reduzida, como lapas, burriés e búzios.
No caso de algas marinhas que vivem fixas às rochas neste ambiente, ficar fora de água durante algumas horas pode implicar perder grande parte da sua água e, em casos extremos, morrer devido à dessecação e ao calor.
Para animais que aí vivem, fixos (por exemplo, anémonas-do-mar, mexilhões, cracas ou percebes) ou sedentários (por exemplo, lapas ou burriés - FIGURA 5), que são marinhos e respiram na água do mar, ficar fora de água durante várias horas exige a manutenção de água no seu corpo e outras adaptações.
Os mexilhões, as cracas e os percebes possuem conchas ou placas calcárias que se fecham na maré baixa, mantendo o seu corpo com água. Em contacto com a rocha, a concha das lapas também permite esta manutenção de água, e as anémonas-do-mar recolhem os seus tentáculos e produzem um muco que as protege da dessecação (FIGURA 6).
Os fundos rochosos são irregulares, com frestas e poças de maré, cuja abundância e dimensão também condicionam a distribuição e abundância dos organismos entremarés, pois permitem a retenção de água (FIGURA 7). É comum a ocorrência de diversas espécies em poças de maré, como algas, lapas, burriés, mexilhões, anémonas-do-mar, camarões, caranguejos, polvos, ouriços-do-mar ou estrelas-do-mar, muitas vezes diferentes ou com diferente abundância em relação às espécies que ocorrem fora das poças, num mesmo nível vertical.
A distribuição e abundância dos organismos entremarés também podem ser condicionadas por fatores biológicos, como a predação (inclui herbivoria), através da qual as lapas limitam o crescimento e a distribuição das algas de que se alimentam, ou a competição entre espécies, nomeadamente pela ocupação do espaço (FIGURAS 8, 11 e 12).
Em níveis inferiores, as algas são geralmente muito abundantes. Aí, a capacidade competitiva das algas é superior à das lapas e cracas, que são mais abundantes em níveis situados mais acima (FIGURA 9). As lapas alimentam-se sobretudo de algas e, para tal, raspam a superfície da rocha, criando espaços com menos algas. Havendo poucas algas fixas na rocha, as larvas das cracas, bem como de outros animais, conseguem fixar-se mais facilmente na superfície da rocha. Por outro lado, se houver poucas lapas e as algas se fixarem e crescerem por cima das cracas, o funcionamento (por exemplo, a alimentação e a respiração) das cracas pode ser perturbado.
Muitas destas espécies possuem ciclos de vida com estados larvares (no caso dos animais) ou propágulos (no caso das algas) planctónicos (o plâncton aquático é o conjunto de organismos que vivem à deriva na água e não possuem grande capacidade de natação). Pertencendo ao plâncton durante algum tempo (minutos a semanas), estas larvas e estes propágulos microscópicos podem ser transportados ao longo da costa ou para longe desta. No final do seu desenvolvimento, os que se encontram junto à costa e conseguem fixar-se a um substrato adequado, transformam-se em minúsculos mexilhões, percebes, lapas, cracas, algas, etc., e o seu ciclo de vida é reiniciado no litoral (FIGURA 10).
Através de interações biológicas como as referidas, muitos destes organismos são importantes do ponto de vista ecológico, atendendo à função que desempenham no ecossistema. As algas são importantes produtores primários e, as lapas, importantes consumidores primários. Organismos filtradores como as cracas, os percebes ou os mexilhões, são importantes na transferência de energia entre o plâncton e os organismos bentónicos, que vivem no fundo e dele dependem. Quando abundam, as espécies sésseis ou permanentemente fixas (algas, cracas, mexilhões e percebes) são importantes ocupadores de espaço e formadores de habitat para outras espécies (por exemplo, pequenos crustáceos e minhocas). Estas espécies e outras que vivem neste habitat são também uma importante fonte de alimento de animais de níveis tróficos superiores, como os peixes.
Estudos da zona entremarés rochosa realizados em muitos locais do nosso planeta têm permitido importantes avanços científicos, nomeadamente no desenvolvimento de teorias e na compreensão da ecologia e dinâmica de comunidades e de ecossistemas. Esta zona é um verdadeiro laboratório ao ar livre por apresentar gradientes verticais acentuados e condições físicas muito variáveis a pequena distância, e por nela viverem muitas espécies sésseis ou sedentárias, algumas muito abundantes, de pequena dimensão e facilmente manipuláveis em experiências. Em conjunto com estas caraterísticas, o fácil acesso por terra e a elevada biodiversidade tornam esta zona muito útil e interessante para atividades de ensino e investigação em biologia e ecologia marinha (FIGURAS 11 e 12).
No entanto, este fácil acesso e a proximidade de terra proporcionam a sua utilização humana em atividades recreativas, de pesca ou poluidoras, cuja intensidade deve ser condicionada a um uso sustentável (FIGURAS 13 e 14).
NOTA
Uma versão anterior deste artigo foi publicada na Naturae digital, Revista de Cultura Científica do Museu Virtual da Biodiversidade da Universidade de Évora, e pode ser consultada no endereço https://naturaemuseubiodiv.wordpress.com/2019/11/22/ecologia-do-litoral- rochoso-alentejano/.
Referências
- 1 BERTNESS, M. D., The ecology of Atlantic shorelines, Sinauer Associates, 417, 1999.
- 2 GAINES, S. D. & DENNY, M. W., Encyclopedia of tidepools and rocky shores, Univ of California Press., 1, 734. 2007.
- 3 HAWKINS, S. J. et al., Interactions in the marine benthos: global patterns and processes, Cambridge University Press, 516. 2019.
- 4 HAWKINS, S. J. et al., Rocky shores, Marine Field Course Guide 1, Immel Publishing, 144. 1992.
- 5 RAFFAELLI, D. & HAWKINS, S. J., Intertidal ecology, Chapman & Hall, 356. 1996.
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