O conhecimento em geociências é vital para entender as ameaças globais do século XXI e será através dele que os seres humanos obterão as respostas para desenvolver a capacidade para manter o atual modo de vida1. Assim, sendo esse conhecimento fundamental para a promoção de um desenvolvimento sustentável da sociedade global, é legítimo pensar a inclusão de conteúdos desta natureza nos currículos nacionais de nível básico e secundário, em todo o mundo. Embora em muitos países se verifique a existência curricular desses conteúdos, como é o caso de Portugal, nem sempre os programas são cumpridos de forma adequada. Para além disso, verificam-se lacunas na formação inicial dos professores e poucas oportunidades de desenvolvimento profissional. A estes constrangimentos, acresce a falta de qualidade dos materiais didáticos disponíveis7.

Foi na sequência destas circunstâncias que conduziram à desvalorização do ensino das geociências que a European Geosciences Union (EGU) lançou o programa internacional EGU Geoscience Education Field Officer (EGU GEFO) criando a figura do Geoscience Education Field Officer (GEFO)5 enquanto agente promotor de uma estratégia inovadora que pretende contribuir para o desenvolvimento profissional dos atuais e futuros professores. Através da dinamização de oficinas com atividades práticas e dinâmicas interativas, o GEFO tem proporcionado, a professores do ensino básico e do ensino secundário, experiências diferenciadas de lecionação dos conteúdos curriculares relacionados com as geociências2, 3.

As propostas de oficinas dinamizadas pelo GEFO baseiam-se no método de ensino desenvolvido e testado pela Earth Science Education Unit (ESEU) da Universidade de Keele, Reino Unido. Um método inovador de formação e atualização profissional de professores, baseado em práticas interativas e numa panóplia de recursos didáticos que tem sido aplicada com sucesso desde 1999 no Reino Unido10.

Os tópicos abordados nas oficinas incluem diversos conteúdos curriculares (e.g. tectónica de placas, ciclo das rochas, sismologia e vulcanologia, escala do tempo geológico, história da Terra) e abrangem quase todos os temas de geociências que, de acordo com o International Geoscience Syllabus9, os alunos do ensino básico e secundário devem conhecer e compreender.

O GEFO prepara as suas oficinas, de acordo com o público alvo, a partir dos recursos didáticos originais de apoio da ESEU, que são de acesso livre e estão disponíveis em linha8. Seguidamente, adapta estes materiais ao currículo nacional e ao nível de ensino objeto de aplicação. Na FIGURA 1 apresenta-se um exemplo de protocolo concebido para uma das atividades e na FIGURA 2 o produto final.


FIGURA 1. Protocolo para simulação da deformação das rochas durante o ciclo litológico, do curso de formação “Atividades práticas para o ensino da Ciências da Terra”.

Estas atividades são particularmente atrativas e apelativas, uma vez que para além do seu carácter prático, são muito simples, utilizam materiais de fácil aquisição, pouco dispendiosos e, na sua maioria, disponíveis nos laboratórios das escolas.

O modus operandi do GEFO, baseado na simplicidade, na criatividade e na inovação, propicia com muita facilidade uma grande adesão por parte dos professores que veem nas oficinas a oportunidade de descomplicar conteúdos e, com a replicação das estratégias, garantir o interesse dos seus alunos para o estudo das geociências.

O GEFO colabora com entidades profissionais e científicas das quais se destacam, em Portugal, a Associação Portuguesa de Geólogos, a Associação Portuguesa de Professores de Biologia e Geologia, a Casa das Ciências e diferentes Universidades; contudo, o GEFO está disponível para cooperar com outras entidades que pretendam integrar estas oficinas nos seus planos de atividades.


FIGURA 2. A) e B) Modelo de simulação da deformação das rochas durantes o ciclo litológico obtido pelos participantes do curso de formação “Atividades práticas para o ensino da Ciências da Terra”.

O programa internacional EGU Geoscience Education Field Officer

A European Geosciences Union (EGU) é a principal organização internacional que promove a investigação nas áreas das Ciências da Terra e do Espaço na Europa. Com o objetivo de garantir um futuro sustentável e justo para a humanidade e para o planeta, a EGU tem fomentado, desde a sua criação, a realização de investigação fundamental e aplicada que abordam os principais desafios sociais e ambientais. Neste contexto, a sua estrutura inclui uma Comissão de Educação (EGU CoE) que tem dinamizado uma série de iniciativas na área da educação e promoção das geociências4. A mais recente dessas iniciativas consistiu no lançamento, em 2019, do programa EGU GEFO, que inclui quatro membros de países europeus, Espanha, França, Itália e Portugal. Atualmente, o programa EGU GEFO conta ainda com o apoio da International Geoscience Education Organisation (IGEO) e da International Union of Geological Sciences (IUGS) que patrocinam um membro oriundo da Índia e outro proveniente de Marrocos. Brevemente o programa contará com elementos de mais países europeus e outros de regiões fora da Europa.

A implementação do programa EGU GEFO teve início no final de 2018 quando a EGU CoE lançou, em diversos países europeus, um convite à submissão de candidaturas à posição de GEFO. Fora da Europa a IGEO/IUGS seguiu um procedimento semelhante. Uma vez selecionados, os seis GEFO oriundos de Espanha, França, Índia, Itália, Marrocos e Portugal reuniram-se pela primeira vez em Viena (Áustria) em abril de 2019. Ali participaram num curso intensivo de dois dias, durante o qual receberam formação acerca do método de ensino e aprendizagem e dos materiais didáticos a usar no âmbito do programa EGU GEFO. Os GEFO são investigadores e profissionais da educação em geociências que lecionam nos ensinos básico, secundário ou superior e contam com o apoio da EGU CoE através de um pequeno financiamento que possibilita o desenvolvimento e divulgação do programa no seu país, e de uma pequena rede de colaboradores nacionais. Assim, de regresso aos seus países, os GEFO adquiriram e construíram os materiais didáticos necessários ao desenvolvimento de um conjunto de oficinas de formação e iniciaram o processo de divulgação junto de entidades nacionais (e.g. associações nacionais de professores, universidades, associações científicas, Ministério da Educação, Geoparques) que pudessem acolher as suas iniciativas, bem como marcaram presença em eventos científicos com a apresentação de comunicações orais publicitando a sua oferta formativa.

O balanço do primeiro ano de atividade (maio 2019 a abril 2020) mostra que, no conjunto dos países envolvidos, foram dinamizadas mais de duas dezenas de oficinas nas quais participaram cerca de quatro centenas de professores pertencentes a 188 estabelecimentos escolares2.


Atividades desenvolvidas em Portugal

Em Portugal, até dezembro de 2020, foram dinamizadas cinco oficinas e um curso de formação, com duração entre 90 minutos e 15 horas respetivamente, e nas quais participaram 120 professores que lecionavam em 84 escolas. As temáticas abordadas foram muito diversificadas (e.g. Estrutura da Terra e ondas sísmicas; Campo magnético terrestre; Tectónica de Placas; Fósseis e Tempo geológico; e Tipologia e ciclo das rochas) e as iniciativas especificamente definidas para o evento em que foram enquadradas; a maioria das atividades desenvolveu-se em regime presencial. Contudo, devido à pandemia de COVID-19, um evento decorreu em regime virtual.

Ao longo das diversas sessões, os participantes, individualmente ou em grupo, foram sempre muito ativos na dinamização das atividades, o que ajudou a alcançar o objetivo de desenvolverem a prática de manipulação dos materiais, de proporcionar a intercomunicação, o questionamento e a partilha de opinião (FIGURA 3).


FIGURA 3. Atividade ‘Detetive das rochas’ integrante da oficina “As rochas: pretextos e contextos”.

Com este método, consideramos que o professor fica mais capacitado para mudar a sua prática pedagógica, uma vez que fica habilitado a replicar estas atividades com os seus alunos.

No final de cada sessão das oficinas/curso de formação foi fornecido um formulário de avaliação aos participantes através de um questionário em linha. De entre o total de participantes nas atividades realizadas (n = 120), 79,2% responderam às questões. Todavia, os dados apresentados dizem respeito apenas aos 74% (n = 89) que autorizaram a utilização das suas respostas em trabalhos académicos.

Da análise dos resultados obtidos verificou-se a prevalência de participantes do sexo feminino (82,0%) e que a totalidade (n = 89) eram professores, maioritariamente, integrados na carreira (91,1%). De acordo com as etapas propostas6, os participantes incluíam-se, sobretudo, nos intervalos de tempo de serviço [entre 7 e 25 anos] (47,2%) e [entre 26 e 35 anos] (42,7%), evidenciando, assim, uma grande experiência profissional. A maior parte dos participantes (98,9%) leciona no 3.º ciclo do Ensino Básico e Ensino Secundário, principalmente, as disciplinas de Ciências Naturais/Biologia e Geologia (73,0%).

Da avaliação global ficou explícito o interesse dos participantes nas sessões e a perceção da importância da existência do GEFO e deste programa internacional, explícito nos seus comentários, que salientam, por exemplo: - a qualidade dos materiais, "Excelentes recursos didáticos de trabalho prático, muito motivadores e facilmente exequíveis em sala de aula”; - a simplicidade e adaptabilidade das atividades, “Experiências simples, mas muito úteis para a aprendizagem dos alunos. Adaptáveis a diferentes idades. Passíveis de serem utilizadas para mobilização de inúmeros conceitos”.; - a diversidade de aplicabilidade das propostas “Gostei muito deste workshop, foram realizadas experiências e atividades de campo muito interessantes e fáceis de pôr em prática dentro da sala de aula ou numa atividade de campo.”;


Considerações finais

A conceção da figura de GEFO é uma estratégia inovadora, diferenciadora e catalisadora de sucesso no ensino e aprendizagem das geociências com capacidade para recriar nos professores as competências necessárias ao fomento de uma educação geocientífica.

Em Portugal, os dados obtidos permitem-nos concluir que os participantes aproveitaram muito da frequência das atividades (oficinas e curso de formação) realizadas e mostraram interesse em participar em iniciativas futuras, o que condiz com os resultados obtidos na avaliação global da implementação do programa EGU GEFO no conjunto dos países envolvidos2, 11.

Para o sucesso da ação do GEFO e do programa EGU GEFO e para o cumprimento dos objetivos propostos salienta-se, à semelhança do que aconteceu em todos os países envolvidos: os excelentes recursos provenientes da experiência da ESEU, o método de trabalho interativo, a permanente colaboração e apoio da EGU CoE e a rede de colaboradores nacionais dos GEFO2 e, também, no caso português, a recetividade das instituições nacionais que acolheram e apoiaram as iniciativas deste programa.

Futuramente, pretende-se aumentar e diversificar a quantidade de atividades e alargar a sua disponibilização a diferentes pontos do país; assim como, avaliar a mudança nas práticas em contexto de sala de aula dos participantes que frequentaram estas iniciativas.