Os minerais, sistemas químicos naturais, são constituintes fundamentais do ambiente natural onde o homem vive e os utiliza para sua sobrevivência e melhoria da qualidade de vida. Naturalmente, interações tanto positivas como negativas podem ocorrer entre minerais e humanos e, os estudos realizados nas duas últimas décadas sobre estas duas vertentes, têm sido desenvolvidos na esfera de ação do emergente campo científico chamado Geologia Médica. A investigação em Geologia Médica procura estabelecer relações entre o ambiente natural, particularmente o ambiente geológico, e a saúde humana e, para o efeito, deve envolver um grande número de especialistas diferenciados. Efetivamente a diagnose, a prevenção e o tratamento personalizado das doenças relacionadas com o ambiente geológico só pode ser alcançado através de ampla colaboração multidisciplinar de profissionais treinados em diversas disciplinas científicas, tais como: medicina, geologia, biologia, bioquímica, biofísica, mineralogia geoquímica, hidrogeologia, hidroquímica, ecologia, ambiente, química alimentar, agroquímica, nutrição, farmacologia, fisiologia, toxicologia, patologia, epidemiologia, geografia, planeamento do território e economia.

É remoto o conhecimento e até a relação, por vezes com efeitos catastróficos, dos processos geológicos e produtos com a vida e saúde humana. Manifestações físicas desta relação com efeitos devastadores na vida humana estão bem expressas pelos desastres naturais causados por erupções vulcânicas, tremores de terra, deslizamentos de grandes massas de terra, tufões e tsunamis. Manifestações químicas desta relação estão bem expressas por problemas toxicológicos envolvendo a incorporação de elementos e compostos tóxicos com origem nas quatro fontes antes referidas: rocha, solo, ar e água.

A Geologia Médica é um campo científico emergente recente — com início há cerca de 20 anos — que está tendo um rápido desenvolvimento e grande utilidade em termos de Saúde Pública. Que é a ciência e arte de prevenir a doença, prologar a vida, e promover a saúde através de esforços organizados e escolhas informadas da sociedade, organizações públicas e privadas, comunidades, e indivíduos, analisando a saúde duma população e os riscos que a mesma corre.

Efetivamente, está bem identificada e reconhecida a existência de relações diretas entre a Geologia, representada essencialmente pela Mineralogia e pela Geoquímica, e a Saúde Humana.

A designação Geologia Médica foi aprovada e adotada em 1997. Antes, e desde 1934, este campo científico teve várias denominações: Geomedicina, Medicina Geográfica, Medicina Ambiental, Mineralogia Ambiental, Geoquímica Ambiental, e Mineralogia e Geoquímica Médicas.

Não obstante a impropriedade da expressão Geologia Médica ela é aceitável por ter a vantagem de ser simples de usar e lembrar e, ainda, por ser acessível, tanto aos decisores públicos, como ao público.

O termo “Médica” implica, como é bem sabido, o tratamento e cura da doença e o termo “Geologia”, como é igualmente sabido, tem abrangência mais ampla que a Mineralogia e a Geoquímica. Efetivamente, a Medicina, assenta em três pilares básicos e interdependentes: informação científica, diagnóstico e terapêutica.

No campo da Geologia Médica, que avalia as relações complexas entre os fatores geoambientais e os impactos na saúde humana, adicionalmente aos minerais propriamente ditos, cabe a maioria dos elementos químicos — metais e metaloides — presentes em rochas, solos, águas minerais (água de beber, de torneira e engarrafada), presentes também nas emissões de gases naturais (gases vulcânicos e gás radão emitido em territórios onde ocorrem minerais radioativos) e, presentes até mesmo em emissões gasosas de origem antropogénica derivadas de atividades industriais envolvendo matérias-primas minerais tais como, cerâmica e cimento que produzem emissões de fluor, enxofre e mercúrio.

O conceito de Geologia Médica tem relações com dois outros novos conceitos, Saúde Ambiental e Saúde Eco. O conceito de Saúde Ambiental é mais abrangente que o conceito de Geologia Médica, sendo definido como um ramo da Saúde Pública cujos alvos são as interações do ambiente natural e do ambiente construído na saúde humana. O conceito de Saúde Eco (EcoHealth, em Inglês) tem por alvo a investigação de como as mudanças dos ecossistemas (biológicos, físicos, sociais e económicos) criadas pelo homem afetam a sua saúde. As recentes doenças fortemente virulentas tais como, SARS, Ébola e outras entre as quais está a recentíssima COVID-19, todas elas resultantes de mudanças nos ecossistemas promovidas pelo homem.

Em 2006, foi estabelecida a IMGA (International Medical Geology Association), presentemente com cerca de 500 associados de vários países, agregados em grupos nacionais.


O papel da Geologia Médica

O papel da Geologia Médica está limitado à obtenção de informação científica relativa aos efeitos positivos e negativos do ambiente natural e do ambiente geológico, mais precisamente dos materiais e processos geológicos na saúde humana e também dos ecossistemas, papel muito importante em termos de Saúde Pública.

A prevenção da doença devida aos impactos do meio natural é o objetivo principal da Geologia Médica, à qual compete: 1. Identificar e caracterizar as fontes naturais e antropogénicas dos materiais nocivos existentes no ambiente e, encontrar soluções para prevenir e minimizar os problemas; 2. Identificar as anomalias de certos minerais senso lato (s.l.) potencialmente adversos para a saúde humana/animal, presentes em solos, sedimentos e águas; 3. Aprender como fazer previsões sobre o movimento e alteração dos agentes químicos, infeciosos e outros, causadores de doença, no tempo e no espaço; 4. Compreender as razões da exposição das pessoas a tais materiais e o que pode ser feito para prevenir ou minimizar os efeitos; 5. Garantir ao público, quando caso disso, da não existência de problemas de saúde derivados de materiais geológicos ou de processos industriais envolvendo materiais geológicos; 6. Avaliar os efeitos benéficos na saúde humana/ animal dos materiais e processos geológicos.


Relações entre Minerais lato sensu (l.s.) e a Saúde Humana

Alguma informação histórica

Existe informação que culturas tão antigas como a Mesopotâmica (3000—2000 a.C.) e a Assírio-Babilónica (2000—300 a.C.) utilizavam minerais, especialmente nitro, KNO3, e halite, NaCl, e as chamadas “terras medicinais”, para fins terapêuticos, informação citada e inscrita nas chamadas “tábuas de argila” de Nippur (isto é, placas feitas com barro), na Mesopotâmia, datadas de há cerca de 2500 a.C., porventura um dos textos mais antigos da Medicina onde são referidos 120 medicamentos de origem mineral.

Também no Antigo Egipto era utilizada a chamada “terra de Nubia” como anti-inflamatório de uso tópico, isto é, externo; se revestiam pernas e pés como lama ou fango, tal como ainda hoje se pratica nalguns balneários termais; se utilizava ocre amarelo (mistura natural de argila e óxi-hidróxidos de ferro) para tratar afeções da pele; e se utilizava ainda argila e natron, Na2CO3.10H2O, para mumificar cadáveres).

A referência escrita mais antiga sobre o uso dos minerais para fins terapêuticos diz respeito ao papiro de Ebers datado de há cerca de 1500 a.C. No papiro, com dimensões 20,25m de comprimento e 0,30m de largura, são descritos os tratamentos de enfermidades envolvendo cerca de 500 substâncias, minerais algumas delas, tais como alúmen e cobre e, também, minerais de chumbo (sob a forma de pós brancos, vermelhos e amarelos), de cobre e de antimónio, constando ainda o modo de utilização e as doses recomendadas.

Os antigos Egípcios, particularmente as mulheres, utilizaram minerais também para fins cosméticos para protegerem a pele e os olhos da agressividade provocada pelo clima local. As pálpebras dos olhos eram cuidadas com pós de malaquite, Cu2CO3(OH)2 e galena, PbS. Igualmente, para fins cosméticos, eram utilizados pigmentos minerais depois de misturados com gorduras animais e resinas e, ainda argilas. É conhecido que a rainha Cleópatra (44—30 a.C.) utilizou, entre outros cosméticos baseados em minerais, argila rica em sais de magnésio que era extraída do Mar Morto.

O Mar Morto, situado entre Israel e Jordânia, é considerado uma Clínica ou Centro de Talassoterapia a céu aberto devido às reconhecidas propriedades dermoterapêuticas e dermocosméticas das suas águas, sais minerais e lodos. As águas possuem efeitos relaxantes, antialérgicos, calmantes, hidratantes e nutritivos, contribuindo para fortalecer o organismo e revitalizar a pele. Os sais minerais são considerados eficazes no tratamento e prevenção de várias doenças, tais como psoríase, acne e afeções dos foros reumático, respiratório e cardiovascular. Os lodos que atapetam o fundo, de cor negra e muito plásticos, saturados em sais minerais e ricos em enxofre e compostos orgânicos são utilizados em aplicações tópicas (peloterapia).

O Mar Morto é um lugar único no planeta, caracterizado por quietude, silêncio, atmosfera (mais rica em oxigénio e bromo que o normal e com cerca de 330 dias/ano de sol e luz singulares), que ocupa uma depressão tectónica cuja base atinge 416 m abaixo do nível do mar e que é atravessada pelo rio Jordão.

O Mar Morto é efetivamente um lago endorreico com grande salinidade (cerca de 320 gramas/litro, isto é, aproximadamente dez vezes superior à salinidade do Mar Mediterrâneo), condição que permite flutuar na água, sendo as concentrações nos minerais Mg, Ca, Br, K e outros superiores às encontradas noutros mares e oceanos.

Uma referência muito particular a uma das obras chinesas com raiz muito antiga e famosa em matéria médica é o catálogo chamado Pen Ts´ao Kang. Este catálogo iniciado pelo imperador Shen Nung (3217—3077 a.C.) contendo 365 plantas medicinais (uma para cada dia do ano) foi revisto e acrescentado por imperadores posteriores, e chegou a conter 354 produtos medicinais de origem mineral, sendo 61 “terras”, isto é, argilas e solos argilosos. Do catálogo constam os minerais calcite, CaCO3, e outros minerais, tais como o vitríolo verde que corresponde a melanterite, FeSO4.7H2O, o enxofre, S, o cinábrio, HgS, o nitro, KNO3, e o talco, Mg3Si4O10(OH)2.

Por sua vez, na Grécia Antiga as chamadas terras medicinais eram muito utilizadas com fins terapêuticos, sob a forma de aplicações externas ou tópicas e de aplicações internas (via oral), sendo conhecidas pelos nomes das ilhas gregas onde ocorriam e eram extraídas, Lemnos, Samos, Kimolos, Milos e Chios, daí os nomes, por exemplo, Terra lemnia, T. samia e T. cimolia. Também era muito usada a T. Bolus armenus extraída na Capadócia, na antiga Arménia, hoje Turquia.

As terras referidas e outras ainda eram utilizadas no tratamento de afeções da pele e nalguns casos eram mesmo ingeridas. Neste caso as terras eram preparadas por prensagem na forma de pequenos discos ou pastilhas nos quais eram impressos os símbolos de deusas gregas.

Eram as chamadas terras seladas ou moedas de terra, cada tipo de selo correspondendo a cada tipo de composição (FIGURA 1). O uso das terras seladas prosseguiu no tempo e continuou ainda na Idade Média onde tiveram aplicação no combate às epidemias de peste.


FIGURA 1. Disco de Terra Lemnia rubra com 23mm de diâmetro. Natural History British Museum, London, U.K.

Galeno (129—c. 210 d.C.) e também Hipócrates (460—370 a.C.), este considerado o pai da Medicina, relacionaram certas enfermidades, por exemplo, dificuldades respiratórias, com contaminações produzidas pela exploração mineira e alguns minerais, sulfuretos de arsénio (auripigmento, As2S3 e realgar, AsS) e sulfuretos de mercúrio (cinábrio, HgS) são qualificados como venenos

O grego Dioscórides no livro De Materia Medica publicado no ano 60 d.C. incluiu um capítulo dedicado às propriedades físicas e curativas dos minerais e cita minerais qualificados como venenos.

O romano Plínio o Velho (23—79 d.C.) no seu livro Historia Natural descreve o uso de lamas ou fangos de origem vulcânica para tratamento de afeções estomacais e intestinais, provenientes da região do Monte Vesúvio, próximo de Nápoles, em Itália, e também de lamas ou fangos para fins dermatológicos, provenientes da ilha Vulcano, pertencente ao arquipélago das Ilhas Eólicas, no norte da Sicília, em Itália. Plínio o Velho refere enfermidades associadas à exposição de pós do mineral cinábrio, HgS.

Durante o Império Bizantino (que vai do século V ao século XV), também conhecido por Imperio Romano do Oriente, prosseguiu o uso das já conhecidas e de novas terras medicinais, o mesmo acontecendo com o período de dominação da cultura árabe.

Na Idade Média, no século XI, o médico árabe nascido na Pérsia, Ibn Sina (ou Avicena) (980—1037) conhecido por Príncipe dos Médicos, filósofo iniciador da escola alquimista cuja influência perdurou até ao século XVIII, altura em que começou o estabelecimento da Física e da Química como verdadeiras ciências, também estudou e promoveu o uso de terras medicinais. O mesmo aconteceu com Averroes (1126—1198) médico e filósofo nascido em Córdoba.

Avicena no seu livro Canon de Medicina refere alguns remédios e as prescrições respetivas. Nas suas reflexões sobre alquimia teórica explica como a partir dos 4 elementos tradicionais da filosofia grega (água, terra, ar, fogo) podem formar-se não só as substâncias inorgânicas, como as pedras preciosas e os metais, mas também os 4 humores (sangue, linfa, bílis amarela e bílis preta) da medicina antiga.

A alquimia aboliu deste modo a fronteira entre o inorgânico e o vivo e, por sua vez, tornou- se no fundamento ou base da medicina e da metalurgia.

Um dos objetivos da alquimia, que foi confundida com a química até ao século XVII, era a transmutação, isto é, a transformação dos metais em ouro empregando processos secretos e mágicos, como é referido no livro De Mineralibus publicado em 1250 por San Alberto Magno (1200—1280), onde é citado o interesse terapêutico de alguns minerais.

A utilização de minerais para fins terapêuticos consta nos famosos livros conhecidos por Lapidários, entre eles, os Lapidários de Alfonso X (1221—1284) cujo cognome era “o Sábio”.

No Renascimento os efeitos positivos e negativos dos minerais na saúde humana são melhor conhecidos. Os minerais começam a ser utilizados como matéria-prima para a preparação de medicamentos.

Paracelsus (1493—1541), médico e alquimista nascido na Suíça, formulou pela primeira vez, medicamentos com base em substâncias extraídas dos minerais através de reações químicas. Georg Bauer, mais conhecido pelo seu nome em latim Georgius Agricola, no seu livro De Re Metallica, publicado em 1556, refere que certos minerais, no estado sólido ou após dissolução, podem ter, ou efeitos curativos, ou atuarem como venenos. Georg Bauer refere ainda os efeitos prejudiciais para a saúde dos mineiros, com efeito em dificuldades respiratórias, os pós produzidos particularmente quando a extração mineira era feita por via seca.

Durante a Idade Média e Renascimento alguns minerais foram utilizados como venenos de origem mineral para fins criminais. Os mais conhecidos eram os sais de arsénio, As2S3 e AsS que tinham a vantagem de não possuírem odor e sabor e poderem ser administrados sem o percebimento das vítimas.

Na história de então há exemplos de especialistas em envenenamentos que utilizavam sais solúveis de arsénio, como era o caso da família Bórgia, em Itália, no século XV. Mais tarde, em França, no século XVII, Catarina de Médicis introduziu a modalidade do uso de venenos incorporados em perfumes.

Ainda no Renascimento, surgem as primeiras Farmacopeias (textos onde, entre outros princípios ativos, constam minerais reconhecidos pelo seu interesse medicinal, requisitos respetivos e códigos oficiais para a preparação dos medicamentos.

As primeiras Farmacopeias foram a Farmacopeia de Valencia (1601) e a Farmacopeia Londinensis (1618).

Nos séculos XVI e XVII continuou ainda o uso de terras medicinais, procedentes da América do Sul.

A terminar uma nota interessante referindo que Antoine Lavoisier (1743—1794), químico francês, fundador da Química moderna, em 1789, publicou o Tratado Elementar da Química, obra que colocou a Química a par da Física como ciência quantitativa, distanciando-a definitivamente da alquimia.

Lavoisier identificou o oxigénio observando que este em contacto com substâncias inflamáveis produz combustão e, classificou a água como sendo uma substância composta por oxigénio e hidrogénio, quando até então a água era considerada uma substância simples, isto é, impossível de se decompor.

No livro referido Lavoisier, formulou o “Princípio da Conservação da Matéria” também conhecido por “Lei de Lavoisier” expresso como “Rien ne se perd, rien ne se creé, tout se transforme” ou “Numa reação química a massa total da matéria envolvida é a mesma no final como era no princípio”. Lavoisier foi pioneiro da chamada estequiometria.


Alguma Informação Contemporânea

Os seres vivos modificam e, ao mesmo tempo, são influenciados pelo ambiente com o qual interagem. Os solos, que são palco de diversas interações biológicas, são constituídos basicamente pelo intemperismo das rochas e, consequentemente, refletem o quimismo destas. Os elementos químicos presentes em um solo estarão presentes nos vegetais ali cultivados e nos animais silvestres que os consumirem. Através desse consumo, por meio das águas que transpassam os solos e as rochas e pela inalação de gases e poeiras expelidos através de processos geológicos, diversos elementos químicos chegam aos organismos dos seres vivos. Dentre os elementos químicos conhecidos, vinte e cinco são considerados essenciais para os seres humanos, sendo o carbono (C), oxigénio (O), hidrogénio (H) e o azoto (N) os mais importantes, por participarem da estrutura do DNA e de proteínas, além de outros processos fundamentais para o funcionamento do organismo humano. Os outros vinte e um elementos essenciais são classificados em macronutrientes (Ca, Cl, P, K, Na, S) e micronutrientes (Mg, Si, Fe, F, Zn, Cu, Mn, Sn, I, Se, Ni, Mo, V, C e Co). Outros elementos – apesar de não essenciais – podem ser absorvidos e depositados no corpo humano através de sua ingestão ou inalação, como o Al, Ba, Cd, Pb, As, Hg, Sr, U, Ag e Au e podem ser danosos à saúde, se presentes em alta concentração (FIGURA 2).


FIGURA 2. Tabela Periódica dos elementos químicos mostrando os que são essenciais (em verde), tóxicos (em laranja) e tanto essenciais como tóxicos (verde/laranja). Na Tabela aqui representada constam só 103 elementos. Atualmente, a Tabela Periódica compreende 118 elementos, sendo artificiais todos os que possuem número atómico superior ao do urânio (U), número 92.

Como macro ou micronutrientes os elementos químicos referidos podem ser benéficos, tóxicos ou letais, dependendo da dose. Este princípio foi estabelecido há muitos anos. De acordo Paracelsus (1493—1541 d.C.), “Todas as substâncias são venenos; não há nenhuma que não seja veneno; a dose correta diferencia o veneno do remédio”. Paracelsus considerava que qualquer aumento da concentração duma substância ou elementos causa efeitos biológicos negativos que podem levar à inibição de certas funções biológicas e, eventualmente, à morte.

Em muitos aspetos da vida, ou demasiado ou muito pouco, pode ser igualmente negativo ou deletério. Efetivamente, elementos químicos não essenciais podem ser toleráveis, tóxicos ou letais, dependendo da dose e da duração da exposição.

A FIGURA 3 mostra a curva “dose/resposta funcional” indicando em verde a quantidade ótima dum elemento/mineral necessário para proporcionar e manter a saúde dum indivíduo em boas condições e, também e, indicando em vermelho as quantidades da sua deficiência e toxicidade, que contribuem para desordens de saúde.


FIGURA 3. Curva dose/resposta funcional.

A dose/resposta para um organismo específico pode diferir de organismo para organismo, mas permanece constante o subjacente princípio de deficiência, concentração ideal e toxicidade.

A FIGURA 4 mostra que minerais existentes no solo, na rocha, no ar e na água podem ser incorporados no corpo humano por três vias: ingestão de alimento sólido e líquido, inalação de poeiras, gases e fumos, e absorção dérmica.

O corpo humano produz diariamente os nutrientes essenciais necessários à vida. Efetivamente, o corpo humano é semelhante a uma fábrica produtora de tecidos, tais como, pele, músculos e ossos, e que alimenta os glóbulos vermelhos que transportam os nutrientes e o oxigénio a todas as partes do corpo. Para cumprir estas funções necessita de matérias-primas, os minerais e as vitaminas (micronutrientes que são compostos orgânicos, quer lipossolúveis, como acontece com as vitaminas A, D, E, K, quer hidrossolúveis, como acontece com as vitaminas B, C), uns e outros obtidos através dos alimentos ou dos chamados suplementos alimentares.


FIGURA 4. Fontes e vias de incorporação dos minerais no corpo humano.

Várias patologias podem ser causadas por minerais presentes no ar que se respira, na água que se bebe, ou nos alimentos que se consomem, tais como silicose, asbestose, arsenicose, hidrargirose ou mercurose, fluorose, saturnismo ou plumbismo, selenose e cadmiose, entre outras.

A silicose é causada por partículas finas (0,001—0,005mm) de sílica cristalina regra geral sob a forma de quartzo (SiO2), mineral muito comum em rochas como o granito e rochas similares extraídas de pedreiras para fins ornamentais ou para produção de britas e também nas areias de regiões desérticas, partículas que sendo inaladas fixam-se nos pulmões, obliteram os alvéolos pulmonares e provocam fibroses extensivas e enfizemas que levam ao aparecimento de dificuldades respiratórias (dispneia) e da pneumoconiose (enfermidade em que o tecido pulmonar se torna rígido e perde capacidade de funcionar), podendo ser letal. O nível máximo de exposição ao pó respirável de sílica cristalina está fixado em 0,4mg/m3. São os profissionais que trabalham em minas e pedreiras que sofrem de patologias respiratórias que só se manifestam com gravidade ao fim de duas décadas de exposição diária.

A asbestose é causada pelos asbestos também chamados amiantos (termo obsoleto), sendo ambos termos comerciais usados para espécies minerais de hábito cristalino fibroso ou acicular que pertencem à classe dos silicatos, mais precisamente à subclasse dos filossilicatos e ao grupo das serpentinas, sendo o crisótilo, Mg3Si2O5(OH)4, o mais comum, e à subclasse dos inossilicatos e ao grupo das anfíbolas, sendo a actinolite, Ca2(Mg,Fe)5(Si4O11)(OH,F)2, o mais comum. Os asbestos pertencentes ao grupo das serpentinas têm dureza Mhos estimada entre 3—3,5, enquanto os asbestos pertencentes ao grupo das anfíbolas têm dureza Mhos estimada entre 5—6.

As serpentinas fibrosas são menos perigosas para a saúde humana do que as anfíbolas fibrosas, devido ao menor tamanho e à maior flexibilidade das fibras respetivas.

O termo asbesto deriva duma palavra Grega que significa “inextinguível”. Os asbestos exibem alta resistência, térmica e química, propriedades que justificam a utilização pelo homem desde tempos remotos em materiais refratários e em materiais isoladores elétricos e térmicos. São as fibras ou agulhas de tamanho variável (10—50\(\mu\)m de comprimento e até 3\(\mu\)m de espessura) e quimicamente resistentes que fazem os asbestos perigosos, porque quando inaladas se fixam no tecido pulmonar provocando a doença asbestose, que no mínimo, causa dispneia (insuficiência respiratória) e, no máximo, causa fibrose ou pneumoconiose. O cancro chamado mesotelioma da membrana pleural que recobre o pulmão pode ser consequência da exposição a minerais fibrosos, como o são os asbestos e, contra ele, não existe tratamento. Exposição prolongada a asbestos pode causar cancro do esófago, da laringe, do estômago e do intestino.

A asbestose pode ser uma doença profissional, sendo as áreas profissionais de risco as seguintes: construção civil, centrais elétricas, estaleiros navais, altos-fornos e climatização e ventilação.

Na segunda parte do último século os asbestos foram muito utilizados em materiais, como o chamado fibrocimento (material misto de cimento e asbesto ou de cimento e amianto) aplicado nos telhados de casas, de escolas e, também, noutros edifícios, e ainda no revestimento de condutas de aquecimento e ar condicionado devido às propriedades de isolamento térmico e elétrico do asbesto. Tal aconteceu em Portugal desde a década de 60 até à década de 90 do século XX, pelo facto do fibrocimento ser também material de construção barato e resistente. Os asbestos eram utilizados ainda como material de isolamento em caldeiras, tetos falsos e em condutas de sistemas de ar condicionado.

O asbesto foi considerado cancerígeno, na década de 60, pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e desde 2005 é proibido, pela União Europeia, a produção e uso de asbestos em materiais de construção, sendo obrigação dos Estados membros, de acordo com uma Diretiva de 1999, identificar a presença de asbestos nos edifícios públicos.

No D.R, 1ª série, nº 141, de 24 de julho de 2007, consta a transposição da Diretiva nº 2003/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, de 27 de março de 2013. Nela constam os aspetos essenciais para a proteção sanitária dos trabalhadores contra os riscos de exposição aos asbestos durante o trabalho. Define também as características físicas das fibras respiráveis: comprimento superior a 5\(\mu\)m e diâmetro inferior a 3\(\mu\)m, cuja relação comprimento/diâmetro seja superior a 3:1, assim como o valor limite de exposição: 0,1 fibra por cm3. Portugal ainda não cumpriu integralmente esta determinação para os edifícios públicos (particularmente Escolas e Pavilhões Gimnodesportivos), não obstante uma Lei de 2011 da AR que dava o prazo de um ano ao Executivo para concluir o processo.

O caso mundial cuja intervenção de remoção de asbestos foi mais mediática correspondeu ao edifício Berlaymont, em Bruxelas, sede da Comissão Europeia, que foi encerrado em 1991 devido aos altos níveis de fibras que se verificou existirem no ar interior e que só reabriu em 2004.

Para os edifícios e habitações particulares ainda não existe legislação aplicável à identificação e remoção de materiais portadores de asbestos. Se os materiais portadores de asbestos estiverem em bom estado de conservação será melhor mantê-los do que removê-los. A remoção só se justifica de imediato quando for identificada a degradação e a libertação das fibras dos referidos materiais, devendo a remoção ser efetuada por empresas certificadas possuidoras de equipamentos e pessoas especializadas para o efeito.

A arsenicose, causada pela presença de arsénio (As) em concentrações muito superiores (por vezes 30—50 vezes) às do valor máximo recomendado (10 microgramas/litro) em certas águas de nascente ou captada e extraída através de furos de aquíferos subterrâneos que circulam em rochas que contêm sulfuretos de arsénico como é o caso da arsenopirite (FeAsS) e da pirite arsenífera (FeS2), e que são consumidas em certos lugares dos concelhos de Baião, Valbom, Vila Flor e Ponte de Sor. O As pode ser letal para os seres humanos. O teor médio de As na crusta terrestre é cerca de 5mg.kg-1. São cientificamente bem conhecidos os efeitos nocivos do As na saúde humana, quando está presente na água subterrânea usada para beber e cozinhar e que é extraída de poços, no Bangladesh, na Índia e no Paquistão.

Nas minas de Aljustrel e Neves Corvo existem ocorrências dos minerais de As, arsenopirite (FeAsS) e tetraedrite (Cu,Ag,Zn,Fe)5 (Sb,As)4S13. A forma reduzida As3+ pode ser mais tóxica que a forma oxidada As5+.

A hidrargirose ou mercurose (causada pela presença de concentrações de mercúrio (Hg) superiores às de referência em águas de estuários, lagunas e lagos, mercúrio que sendo fixado pelos peixes, pode entrar na cadeia alimentar). O mercúrio (Hg) é um líquido à temperatura normal do ambiente e, o seu ponto de fusão ocorre a -39oC, razão pela qual ele se pode apresentar sólido a temperaturas muito baixas.

O mercúrio (Hg) ocorre na crusta terrestre com concentração média entre 53-56ppb (partes por bilião, sendo 1ppb = 1mg.t-1). O principal mineral de Hg é o cinábrio (HgS).

As principais fontes naturais do mercúrio são as erupções vulcânicas, enquanto as principais fontes antropogénicas do mercúrio são a combustão dos recursos energéticos fósseis, carvão, petróleo e gás natural. Outra fonte de mercúrio cujo efeito nocivo na saúde humana, no sistema nervoso central, continua a ser motivo de forte controvérsia é o caso do chamado amálgama constituído por mercúrio (cerca de 50%), chumbo (Pb), prata (Ag), cobre (Cu), zinco (Zn) e estanho (Sn), que vinha sendo muito usado na obliteração de cáries dentárias. O mercúrio (Hg) é libertado da amálgama dentária no estado de vapor. A amálgama dentária tem sido usada há mais de 100 anos.

Por possíveis riscos para o ambiente foram já banidos termómetros, barómetros e manómetros (medidores de tensão arterial) que funcionavam com mercúrio.

A toxicidade do mercúrio depende das espécies químicas em que ele se apresenta. Quando se apresenta como metal (Hgo) ele é muito volátil à temperatura ambiente podendo ser inalado, penetrar primeiro nos pulmões e depois no sangue.

A fluorose é causada pela presença de concentrações de fluoreto superiores às concentrações de referência (1ppm/litro ou 1mg/kilo) em certas águas que se bebem e que causam patologias nos dentes (fluorose dentária, FIGURA 5) ou no esqueleto (fluorose esquelética). Sabe-se também que a deficiência de fluor sob a forma de fluoreto na água proporciona o aparecimento de cáries dentárias, sendo por isso que por vezes é necessário introduzir fluor na água potável nele deficiente e até nas pastas dentífricas.


FIGURA 5. Evidência de fluorose dentária num habitante da ilha do Porto Santo onde a água de algumas nascentes possui concentrações de fluoreto da ordem de 3-4 ppm/litro (Foto de João Baptista Pereira Silva, constante no livro Os Minerais e a Saúde Humana: Benefícios e Riscos, 2006, cujos autores são Celso Gomes e João Silva).

O saturnismo ou plumbismo (doença ocupacional corrente entre tipógrafos, pintores, soldadores e mineiros devida a inalação de gases e poeiras contendo chumbo, manifestando- se a intoxicação pelo chumbo (Pb) pela redução de hemoglobina no sangue e consequente anemia, alterações do sistema nervoso, e insuficiências renal e hepática). A OMS, em relatório de 2013, recomenda a eliminação do chumbo em tintas usadas no interior de edifícios. O chumbo, sob a forma de óxidos e sulfatos, participa na formulação de vários tipos de tintas.

A selenose é atribuída a deficiência de selénio (Se), metal muito raro na natureza, mas cujo excesso é, frequentemente, mais preocupante para a saúde humana que a sua deficiência. A concentração de selénio (Se) na maior parte das rochas e solos é inferior a 0,1ppm mas, em certas rochas vulcânicas e outras com minerais que são sulfuretos e nos solos delas derivados podem ocorrer concentrações significativamente mais elevadas. O selénio (Se) é um oligoelemento micronutriente que possui forte poder antioxidante e, protegendo as células contra os chamados radicais livres, pode evitar a sua deterioração e envelhecimento.

São conhecidas doenças atribuídas, tanto a deficiência como a excesso de selénio na dieta. A deficiência de selénio pode ser compensada com o recurso a suplementos minerais introduzidos na dieta. O máximo de selénio tolerável é 400mcg/dia (microcentigramas/dia).

O cádmio (Cd) é outro elemento químico que pode provocar efeitos negativos na saúde humana. Na crusta terrestre o Cd ocorre em concentração média estimada em 0,1 mg.kg-1 e, é usualmente encontrado associado ao zinco (Zn), particularmente em minérios de sulfuretos metálicos. O cádmio (Cd) tem sido classificado como carcinogénico no homem. A exposição do homem ao Cd ocorre como resultado de processos naturais e de processos antrópicos (combustão de recursos energéticos fósseis e outras atividades industriais).

A FIGURA 6 mostra as funções benéficas dos elementos químicos maiores, menores e traço, metais e metaloides, em particular.


FIGURA 6. Indicação simples de algumas funções benéficas de metais e metaloides na saúde humana.

Uma referência final para o facto de, em 2010, a Geologia Médica ter sido incluída como um dos dez temas principais do Ano Internacional do Planeta Terra, sob o título Earth and Health - for a Safer Environment. Então, sob coordenação da IUGS (International Union of Geological Sciences) e da UNESCO (United Nations for Education, Science and Cooperation) o Ano Internacional do Planeta Terra foi concebido para mostrar ao público em geral como as Ciências da Terra estão contribuindo para o bem-estar das sociedades humanas, podendo proporcionar um mundo mais seguro e saudável.

O crescente interesse a nível mundial pela Geologia Médica justificou a publicação, ainda em 2010, dum outro livro intitulado Medical Geology: A Regional Synthesis, livro que divulga vários exemplos dos efeitos essencialmente negativos da interação do ambiente geológico e recursos geológicos na saúde animal e, particularmente, do homem, já identificada em regiões, tais como América do Norte, América Central, América do Sul, Austrália, África, Médio Oriente, India, Europa, Rússia, China, Japão, Itália e Grécia. Neste mesmo livro são divulgados estudos muito interessantes sobre Geologia Médica realizados na América do Sul.

Os livros antes referidos abriram portas a linhas e projetos de investigação em tópicos relacionados com a interação entre o ambiente e a saúde humana/animal que requerem mais experimentação, discussão e confirmação. Será importante encontrar as melhores estratégias que proporcionam viabilidade e visibilidade a um domínio científico tão importante para a Saúde Pública. Também, exemplos da interação ambiente natural/saúde humana, têm sido divulgados em várias publicações recentes.