Muito se tem escrito sobre o “Antropocénico/Antropoceno”! Num ápice, este tema foi absorvido no vocabulário mediático, seja nas mais diversas publicações e/ou opiniões. As evidências estão aí, o papel do Homem sobeja na poluição criada, a biodiversidade transformada, a alteração do clima, a emissão desmesurada dos gases de efeito de estufa, com os impactos nos diversos subsistemas terrestres. Desde logo, na atmosfera. Depois, nos oceanos, com a sua crescente acidificação e, na biosfera, com todo o efeito de stress, que lhe é reconhecido. Os três subsistemas que mais rapidamente interagem entre si. Mas, também a ação sobre a litosfera que, é bom lembrar, é só o maior reservatório de carbono do planeta, tanto na forma inorgânica como orgânica. E de onde resulta o excesso de CO2 que cresce na atmosfera, com taxas anuais a caminho dos 3 ppm! Por outro lado, a mesma litosfera que é o alvo preferencial de outros georrecursos, todos finitos, sendo alguns deles à luz das ditas “energias verdes”, explorados à velocidade da demanda. Todavia, sejamos claros, sem os ditos recursos, o planeta não funciona (…), é a tal questão da sustentabilidade, um requisito necessário, mas cada vez mais exigente. Onde a ciência, o conhecimento, tem de ser compatibilizado com as melhores metodologias de exploração e de respeito ambiental. E, já agora, de mudança de mentalidade. A Nossa! Dos Humanos.

Volto ao Antropocénico, o termo que foi amplificado no início do novo milénio por Paul Crutzen, prémio Nobel da Química em 1995. Um conceito que serve praticamente todos os domínios da ciência e, ao que parece, ainda mais, no domínio das humanidades. Sublinhamos a forma fácil como tem sido popularizado, numa relação direta da ação do Homem com o ambiente que o rodeia. Esta premissa é um facto, seja desde o primeiro Homem – mas isso já vai longe –, passando pela revolução industrial, quando os níveis de CO2 começaram a crescer, reforçada pela evolução das próprias sociedades nos tempos da atualidade. Dizem que a principal evidência terá sido pela década de 50 do século passado. Pois, não havendo grande negação quanto aos efeitos visíveis do Homem no sistema em que habita, a Terra, a ciência assim o comprova. O problema é a assunção deste termo como uma nova Época geológica formal. Que se conclui ser requerida por uma grande diversidade de áreas da ciência (…) e das humanidades. Porém, se a ideia é sobre idade geológica, isso constitui um real problema para os geólogos. É que a definição de uma nova Época geológica obriga ao cumprimento de regras, de uma metodologia e de um conjunto de critérios, necessariamente sob a perspetiva da geologia, que devem ser observados no seu registo. À semelhança de todos os intervalos de tempo instituídos na Tabela Cronostratigráfica, o processo de avaliação inicia-se através de uma comissão de especialistas, o chamado Working Group (WG), que tem por missão encontrar o melhor registo à escala internacional que possa testemunhar esse momento, único, da história da Terra. Para que conste, Portugal exibe dois desses momentos da história do nosso planeta, que são um tipo de padrão à escala global: os casos dos andares Toarciano, em Peniche, e do Bajociano, no Cabo Mondego, ambos intervalos do Jurássico. Quem participou nos respetivos WGs, detém uma noção clara da complexidade envolvida, desde a construção da proposta, até à sua aprovação e formalização, passando por um escrutínio extremamente rigoroso. Tal processo cruza-se com uma série de comissões, sob a égide da Comissão Internacional de Estratigrafia (CIE), terminando no comité executivo da International Union on Geological Sciences (IUGS). No caso do Antropocénico, e depois do seu WG concordar quanto ao local que melhor poderá representar o princípio da nova Época (o espaço aqui disponível não permite ir mais longe nas explicações), o dossier passará pela Subcomissão do Quaternário, já que o Antropocénico pretende ser uma subdivisão deste, “subtraindo” tempo ao instituído Holocénico, passando depois pelas outras duas comissões acima referidas. Há que lembrar que este caso é muito diferente de todos os outros, e não é minimamente comparável com o que podemos observar no registo geológico, mais antigo. A Terra tem cerca de 4600 milhões anos de história! Na verdade, a proposta do Antropocénico, como possível Época geológica, é tudo menos pacífica entre a comunidade geológica. Estamos a falar de uma idade onde o tempo, o geológico, ainda não foi suficiente para materializar um registo, que seja inequívoco e cientificamente válido e que confirme uma mudança significativa no processo evolutivo da Terra.

Bom, a definição formal do Antropocénico, que será o mais curto intervalo da história da Terra, leva-me até The Anthropocene epoch: Scientific decision or political statement?, publicado em 2016 na revista GSA Today, e que tem como primeiro autor, Stanley Finney, o então Presidente da CIE e atual Secretário Geral da IUGS. Pelo título, é mais ou menos isso! (...). No entanto, sugere-se a leitura…. Que se apreenda que não detemos qualquer preconceito. O que se deseja é que se alcance a coerência e se ajuste o figurino! Que se defina esse limite basal do Antropocénico com a demonstração, efetiva, do lugar e do argumento científico, onde tudo começa. Sendo uma Época geológica, e para manter a lógica da Tabela Cronostratigráfica, terá mesmo de ser “Antropocénico”, e não “Antropoceno”! Pela mesma razão que, em português lusitano, não se fala ou escreve, Plioceno ou Holoceno.