Em 1922 e 1924, o matemático e engenheiro russo Aleksandr Friedmann avançou a ideia de um Universo em expansão, com base na Teoria da Relatividade Geral. Independentemente, em 1925, também o padre jesuíta belga Georges Lemaître propôs a ideia de um Universo em expansão a partir de um “átomo primordial” ou “ovo cósmico”, com base nas observações de Vesto Slipher relativas à galáxia Andrómeda e na Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Ambas propostas remetem à possibilidade de, retrocedendo no tempo, se atingir um momento inicial — uma origem1, 2, 3, 4.

Já em 1929, Edwin Hubble publicou o culminar de um conjunto de observações astronómicas de galáxias próximas (então imprecisamente conhecidas como nebulae). Nesse trabalho, mostrava-se que a velocidade de recessão dessas galáxias era maior quanto maior a distância até nós, isto é, que quanto mais longe se encontrava uma galáxia em relação a nós, mais rápido ela se afastava. Esta relação é dada por meio de uma constante de proporcionalidade direta conhecida como constante de Hubble (na realidade, chama-se hoje parâmetro de Hubble por ser uma função do tempo) com um valor medido então de cerca de 70 km s-1 Mpc, que representa que as galáxias a um megaparsec de distância se afastam de nós a uma velocidade de 70 km s-1.

Notemos que os trabalhos teóricos de Friedmann e de Lemaître encontraram grande resistência por parte da comunidade científica, que até então considerava o Universo como algo estático, e por a ideia de um “átomo primordial” remeter a uma criação divina, precisamente avançada por um padre.

O próprio Einstein procurou introduzir uma constante nas suas equações de modo a prevenir a possibilidade de um Universo em expansão. Todavia, anos mais tarde e rendido às observações de Hubble, Einstein afirmou que essa constante tinha sido o maior erro da sua vida. Curiosamente, essa constante cosmológica, mas com outro valor, permite precisamente tentar dar resposta a um dos mistérios atuais: a energia escura (FIGURA 1).


FIGURA 1. A) Encontramos Edwin Hubble a realizar observações astronómicas no telescópio Schmidt do Monte Palomar (Califórnia, EUA), em 1949. B) O conjunto de dados observacionais que recolheu e permitiu descobrir a relação entre a velocidade de recessão e as distâncias das galáxias em relação a nós, e que hoje tem o seu nome: lei de Hubble5.

Os desenvolvimentos teóricos de Friedmann e Lemaître e as observações de Hubble constituem os dois pilares da teoria do Big Bang, segundo a qual o Universo se cria a partir de uma singularidade inicial, ou seja, um ponto de elevadíssima densidade e temperatura que começa a expandir-se, criando o espaço-tempo. Essa designação de Big Bang surgiu num contexto bastante jocoso, no qual o astrónomo britânico Fred Hoyle rejeitou veementemente essa hipótese e a caracterizou como uma irrealista “grande explosão”, propondo em 1948, em alternativa, a ideia de um universo estacionário6. Importa referir que esta última ideia também foi proposta de forma independente pelos astrónomos Herman Bondi e Thomas Gold7.

Mas a história da teoria do Big Bang não termina aqui. Na realidade, a proposta de Lemaître partia do pressuposto errado que o estado inicial do Universo era frio. Somente em 1948, surge a hipótese de George Gamow de que os elementos químicos teriam sido formados de partículas elementares primordiais num Universo quente. Consequentemente, surge a ideia de que persistiria nos dias de hoje uma radiação fóssil desta época do Universo na região dos micro-ondas e com uma temperatura de cerca de 5K (ou seja, -268,15 oC): a radiação cósmica de fundo, proposta por George Gamow, Ralph Alpher e Robert Hermann. Mais tarde, em 1965, esta radiação foi detetada pelos norte-americanos Arno Penzias e Robert Wilson. Esta descoberta merece umas breves palavras devido ao contexto curioso em que decorreu. Penzias e Wilson trabalhavam na Bell Telephone Laboratories, em New Jersey, com um detetor de micro-ondas para comunicações extremamente sensível, quando detetaram um ruído surpreendentemente mais elevado do que estariam à espera obter. Procuraram limpar o “material dielétrico branco” deixado por pombos na antena, causa provável de tal sinal. Contudo, isso não aconteceu, e quando varreram várias regiões do espaço de observação, concluíram que o ruído não desaparecia nem dependia da posição para a qual apontavam a antena, pelo que a causa teria de ser externa à atmosfera terrestre. Adicionalmente, não dependia de ser noite ou dia, ou do momento do ano de observação, pelo que a fonte de tal radiação teria de provir de fora da galáxia. Paralelamente, os físicos da Universidade de Princeton, Bob Dicke e Jim Peebles, estavam a trabalhar nas ideias de Gamow-Alpher-Hermann sobre uma radiação cósmica de fundo. Após ficarem a saber dos trabalhos dos físicos de Princeton, Penzias e Wilson rapidamente perceberam que já haviam detetado essa radiação com uma temperatura não muito diferente da prevista: cerca de 2,7 K, muito próximo do zero absoluto. Essa descoberta valeu-lhes o Prémio Nobel da Física de 19781, 2, 3, 4 (FIGURA 2).


FIGURA 2. Anisotropias da distribuição de temperatura na radiação cósmica de fundo, com uma temperatura média de 2,74K, em que as diferenças entre regiões mais quentes (vermelho) e as regiões mais frias (azul) são da ordem dos 0,3 mK. Esta radiação é também o único corpo negro perfeito existente, utilizando a fórmula de Planck.

Também existem outras evidências que suportam a teoria do Big Bang. Por exemplo, a questão porque é que o Universo é escuro se existem estrelas mais ou menos uniformemente distribuídas por todas as direções? Este problema é conhecido como o paradoxo da noite escura, atribuído a Heinrich Wilhelm Olbers em 1826, embora tenha sido colocado também por Johannes Kepler (1610), Edmond Halley (1720) e Jean-Philippe de Chéseaux (1744) e tem como resposta para o céu noturno ser escuro o Universo não ser finito temporalmente, isto é, evoluir com uma expansão levando a que os fotões não cheguem todos até nós, caso contrário veríamos uma noite ofuscantemente iluminada. Assim, quanto mais longe se observam as galáxias, mais jovens elas são devido à luz que foi emitida há muito mais tempo para chegar a nós. Acresce também o facto de as estrelas terem uma idade finita e de o Universo observável (região do Universo que pode enviar sinais luminosos e nós os conseguirmos detetar) ser finito8.

A teoria do Big Bang é, portanto, a teoria atual mais amplamente aceite pela comunidade científica para explicar o Universo e a sua origem. Contudo, podemos indagar-nos acerca do centro a partir do qual o espaço-tempo se expandiu: qual o centro do Universo?

Para elucidar a nossa resposta, façamos uma analogia simples: o nosso Universo corresponde à superfície de um balão. Suponhamos agora que marcamos pintas no último e o insuflamos. O que notamos? As pintas afastam-se umas das outras, não porque se movam na superfície do balão, mas porque essa própria superfície se expande de igual modo em todas as direções. Então onde está o centro dessa expansão? Dentro do balão, pelo que não há centro na superfície, o que se traduz em não haver centro do Universo.

Também nos podemos indagar acerca do tempo e do espaço antes do Big Bang. Na realidade, estes conceitos só fazem sentido após aquele, como por exemplo, só faz sentido perguntar acerca do volume interior de um edifício quando este está construído. Todavia, esta limitação não impediu a conceção de novas ideias para resolver este problema, em particular, podemos destacar a ideia de que o instante zero corresponde à busca do polo Norte (ou Sul) com uma bússola: o instrumento deixa de ser útil neste ponto, ou seja, o tempo deixa de poder ser medido e passa a ser uma direção como as espaciais. Esta ideia deriva da proposta de “não fronteira” e é um exemplo da genialidade de Stephen Hawking e as suas contribuições para a Física Teórica. Outras propostas incluem as possibilidades de superestruturas como o Multiverso onde o nosso Universo seria apenas mais um elemento, ou os cenários de branas no qual a colisão de duas branas teria dado origem ao nosso Cosmos1.