O Homem


Não se mecaniza a vida, não se logifica o sentimento, não se automatiza o espírito livre e criador. Não se resolvem problemas sentimentais por meio de equações, e ainda bem que tal não é possível. (...) O matemático deve sempre evitar o perigo da deformação profissional, que pode ser nociva para a própria atividade científica (...). Nas horas vagas, o seu espírito deve orientar-se para outros domínios: procurar na arte, na literatura, na filosofia, um equilíbrio que foi perturbado (sem cair num diletantismo dispersivo, outro perigo a evitar!)” J. Sebastião e Silva (1950).


Nascido a 12 de dezembro de 1914 em Mértola, filho de uma professora primária e de um funcionário municipal, que faleceu quando Sebastião e Silva tinha nove anos e frequentava o ensino primário, prosseguiu o ensino básico em Beja e o secundário em Évora. Em 1933 obteve uma bolsa para estudar Matemática em Lisboa, na Faculdade de Ciências (FCUL), licenciando-se em 1937, ano em que começou a lecionar no ensino particular. Iniciou a sua atividade de investigador em 1940 no recém-criado Centro de Estudos de Matemática de Lisboa (CEML), como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura (IAC), sob a direção científica de António Monteiro, que se havia doutorado em 1936 em Paris com M. Fréchet.

Já como 2.º Assistente da FCUL, obteve uma bolsa de estudo para investigar em Roma entre 1943 e finais de 1946. Entre 1947 e 1950 lecionou na FCUL onde completou o doutoramento sobre As Funções Analíticas e Análise Funcional, em 1949. Professor Catedrático de Matemáticas Gerais e de Cálculo Infinitesimal e das Probabilidades no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, em 1951, ano em que se casou vindo a ser pai de três filhos, retornou à FCUL em 1960 como professor de Análise Superior, onde foi Catedrático até ao falecimento em 25 de maio de 1972.

Grande melómano, segundo um familiar, num dos seus regressos à sua vila natal terá utilizado o sistema de som do teatro para compartilhar música clássica e de ópera com os mertolenses. Segundo um dos seus discípulos, era


possuidor de uma cultura vastíssima, vivamente interessado por todos os problemas do Homem, Sebastião e Silva era o oposto do cientista confinado nos limites da sua ciência. A sua conversa era um encanto, e um estímulo permanente ao exercício da inteligência e à abertura do espírito.” J. Campos Ferreira (1997).



A obra de José Sebastião e Silva está disponível online no link do Centenário.

O Professor


Um dos principais deveres do ensino é ensinar o aluno a pensar. E todo o aluno deve ambicionar adquirir autonomia mental e espírito crítico suficiente para não se deixar facilmente convencer com argumentos errados.” (...) “Os formalismos rigorosos têm a exatidão inflexível das máquinas de calcular, às quais se aplicam. A linguagem comum não tem a precisão das máquinas; mas, por isso mesmo, oferece outras vantagens, que a tornam imprescindível: a plasticidade, o dinamismo, o élan criador; numa palavra - a vida.” J. Sebastião e Silva (1964).


O gosto e a facilidade com que explicava a Matemática ter-se-á revelado em Beja ainda enquanto adolescente e aprofundado num colégio no Estoril, até 1942. Como docente na FCUL, em 1947, foi o primeiro a lecionar Álgebra Moderna e Topologia Geral em Portugal, e, posteriormente nos anos 1960’s, foi determinante no ensino da Análise Superior e Funcional, para o que redigiu cursos que estão disponíveis livremente e ainda hoje se consultam com proveito.

Em 1963 foi nomeado presidente da Comissão para a modernização do ensino da Matemática no 3.º ciclo dos liceus, e inicia, no ano seguinte, a orientação das turmas piloto e a publicação do influente Compêndio de Matemática e do seu Guia, livros que, juntamente com a Geometria Analítica Plana e o Compêndio de Álgebra, ambos adoptados no ensino oficial, ainda hoje são uma referência.

Conforme salienta uma professora de Matemática que trabalhou com ele,


Sebastião e Silva valorizava muito estes aspectos da linguagem e acreditava que as dificuldades em Matemática resultavam principalmente de deficiências na comunicação e na leitura, além da má compreensão dos conceitos mais básicos. (...) A melhor homenagem que podemos fazer a José Sebastião e Silva é acreditar no valor social e formativo da Matemática e ensiná-la com paixão.” Y. Lima (1997).



Sebastião e Silva, 4.º a contar da direita, à esquerda de Fréchet, em Lisboa, em 1942.

O Cientista

Embora seja vago o significado da palavra “cultura” podemos dizer que a cultura científica resulta precisamente da síntese dos dois termos complementares: a teoria e a prática. E, mesmo quanto à cultura geral, que inclui os aspectos filosófico, literário, artístico e humano, tem-se verificado que a sua ausência prejudica seriamente a formação de bons técnicos e de bons cientistas. E mais ainda a de bons dirigentes.” J. Sebastião e Silva (1964).

Nas suas primeiras publicações na Portugaliae Mathematica, de 1940 em diante, introduziu um método numérico para as raízes de polinómios, que foi testado inicialmente em Roma no Istituto per le Applicazioni del Calcolo e ainda hoje é citado, e tratou de questões de Topologia Geral, resolvendo uma questão colocada por Fréchet, que conheceu em Lisboa em 1942. No seu período romano, onde conheceu F. Enriques, F. Severi, G. Castelnuovo, L. Fantappié e M. Picone, apresentou os seus trabalhos de investigação, em lógica e fundamentos da Matemática e em Funcionais Analíticos nas Academias científicas romanas, em cujas revistas publicou.

Em 1952 foi nomeado Diretor do CEML, anexo à FCUL no âmbito do IAC a quem submeteu, no ano seguinte, uma proposta de regulamento do Instituto Português de Matemática, e desenvolveu investigação em Análise Funcional, acompanhando e participando nos desenvolvimentos contemporâneos e formando jovens discípulos. Em 1955, na sequência das ideias da sua tese, que influenciaram o trabalho de G. Köthe e de A. Grothendieck, introduziu os espaços localmente convexos (LN*), os espaços de Silva. Na década seguinte, motivado pelas aplicações à Física, desenvolveu uma teoria das ultradistribuições com vista ao cálculo operacional e tornou-se, em 1961, consultor do Laboratório de Física e Engenharia Nucleares de Sacavém.

Em 1964 organizou, em Lisboa, um relevante International Summer Institute sobre a Teoria das Distribuições, com a participação de L. Schwartz e de J-L. Lions, entre outros cientistas de 19 países. Em 1966 tornou-se consultor do Instituto de Física Matemática (IFM), criado pelo IAC, defendendo publicamente a sua existência e intervindo ativamente na controvérsia antes do seu curto período de atividade, entre 1972 e 1975.



Manteve contatos com Matemáticos italianos e a sua atividade científica até ao fim, como relata o testemunho de um seu aluno:


Infelizmente, a saúde do Prof. Sebastião e Silva, que acabou por não poder ocupar o seu gabinete do IFM, deteriorou-se rapidamente dando-se o seu falecimento em maio de 1972. Ficou-me na memória a última visita que lhe fiz no IPO de Lisboa onde estava internado: encontrei-o a dormitar com um caderno e um lápis na mão com que escrevia, com grande sacrifício, aquele que foi o seu último trabalho de investigação publicado já após o seu falecimento! Foi um exemplo para todos nós que o admiramos como um dos maiores cientistas portugueses do século XX.” J. P. Dias (2014).


O Centenário

A Universidade de Lisboa comemorou o centenário do mais original e influente matemático português do século XX durante o ano letivo de 2014—2015, com uma Exposição documental no átrio da Reitoria, inaugurada em 23 de outubro de 2014, e um vasto conjunto de iniciativas coordenadas pelo Centro de Matemática e Aplicações Fundamentais, em colaboração com outras entidades e com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian.

No dia do centenário, a 12 de dezembro de 2014, a homenagem decorreu no Anfiteatro do Laboratorio Chimico, com o lançamento do carimbo comemorativo dos CTT, com a celebração dos setenta e quatro anos da SPM e com o lançamento do catálogo da exposição da Reitoria. Esta exposição, cujos módulos estiveram posteriormente expostos na Faculdade de Ciências da ULisboa, foi completada por uma pequena exposição itinerante, que esteve em Óbidos, de 15 a 19 de outubro de 2014, por ocasião do 7.º Encontro Luso Brasileiro de História da Matemática, percorreu diversas instituições em Lisboa, Beja, Oeiras, Évora, durante as Tertúlias realizadas, e no Porto, na Biblioteca da Faculdade de Ciências, que se associou às comemorações com uma Exposição de Livros da biblioteca pessoal de J. Sebastião e Silva, que se inaugurou a 5 de maio de 2015.

As diversas iniciativas decorridas no ano letivo de 2014—2015, agruparam um conjunto de Testemunhos de alunos e discípulos, de familiares, amigos e contemporâneos e de sete Tértúlias, que se iniciaram em Lisboa no Instituto Superior de Agronomia, passando pelo Liceu Nacional de Oeiras, que agora tem o seu nome, pelo Museu da ULisboa, em cujas instalações J. Sebastião e Silva estudou, ensinou e dirigiu o Centro de Estudos de Matemática de Lisboa, entre 1952 e 1972, e terminaram em Mértola, em 27 de junho de 2015, por ocasião do 28.º Encontro do Seminário Nacional de História da Matemática.

O Portal do centenário, para além de uma Introdução Bibliográfica e de uma Cronologia biográfica, contém uma Lista das Publicações de J. Sebastião e Silva, cujos elos para as versões digitalizadas das suas obras incluiem os quatro livros do Compêndio de Matemática e os dois respetivos Guias, os Textos para o Ensino Superior, a reedição em três volumes dos Textos Didácticos, os Artigos Didáticos e de Divulgação e todos os Artigos de Investigação.


NOTA

O autor integrou e agradece à Comissão da ULisboa para o centenário de José Sebastião e Silva, em particular, a Suzana Nápoles e Anabela Teixeira. http://jss100.campus.ciencias.ulisboa.pt/