Oito mil milhões
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- DCV/ Universidade de Coimbra
Referência Canhoto, J., (2023) Oito mil milhões, Rev. Ciência Elem., V11(1):001
DOI http://doi.org/10.24927/rce2023.001
Palavras-chave
“In God we trust; all others must bring data”. Esta frase, que tem sido atribuída a um engenheiro, estatístico e gestor americano, de seu nome William E. Deming, pretende mostrar a importância que os dados têm para a ciência e para tomada de decisões. Seguem-se alguns números sobre a população humana. Em 15 de novembro passado a população mundial atingiu o incrível número de 8000 milhões. Uma visita ao Worldometer (www.worldometers.info) mostrou que no dia 25 de Fevereiro deste ano esse número tinha aumentado em cerca de 18 milhões. As estimativas da ONU para 2050, são de perto de 10000 milhões e 11200 milhões em 2100. Não querendo ser mais aborrecido que o próprio Deming, deve referir-se que em 1900, a população era de 1600 milhões e, em 1950, de 2500 milhões. Uma estimativa do número de humanos que pisaram o planeta desde há cerca de 50000 anos, ou seja na versão Homo sapiens, sustenta que tenham sido 106 mil milhões. Isto significa que cerca de 7,5% de todos os humanos que já existiram são nossos contemporâneos e que, desde o início do século XX, o número de humanos no planeta aumentou cinco vezes.
Aplicando esta informação ao pensamento de Bill Clinton (It’s the economy, stupid) a conclusão só pode ser uma: é a demografia, idiota. Do ponto de vista evolutivo é muito interessante, e também irónico, que a principal ameaça a uma espécie seja ela própria e não outras espécies ou fatores ambientais. Para um problema desta complexidade não há soluções milagrosas. Políticas de limitação da natalidade, como as aplicadas na China, podem ter resolvido parcialmente o problema do crescimento populacional, mas trouxeram outros problemas, como o envelhecimento da população, para além de serem eticamente questionáveis. O grau de formação das mulheres é sem dúvida um aspeto importante desta equação. Estudos recentes na Índia, que durante este ano ultrapassará a China como o país mais populoso, mostraram uma estreita correlação entre o nível de literacia das mulheres e a taxa de fertilidade, com o número de filhos a decrescer em estados em que as mulheres têm um nível académico superior. Situações análogas verificaram-se nos países mais desenvolvidos, em que o número de nascimentos desceu consideravelmente ao longo das últimas décadas, de tal forma que isso se tornou um problema grave em muitos países, Portugal incluído.
Do ponto de vista prático a questão é mais simples embora a solução não seja menos complexa: como garantir a segurança alimentar a uma população em constante crescimento? Ou seja, como alimentar 8 mil milhões de pessoas? Não há soluções milagrosas e muitos caminhos têm sido apontados, desde a utilização de insetos, à produção de carne em laboratório ou ao incremento do consumo de algas. Passando, claro, pela diminuição das perdas das culturas e pela redução do desperdício alimentar. Para se ter uma ideia de como estes aspetos são importantes, importa referir que se estima que mais de 40% das colheitas sejam perdidas devido a fatores bióticos (pragas, doenças) ou abióticos (condições ambientais). Se a isto juntarmos o que desperdiçamos em nossas casas e as perdas de produtos perecíveis em superfícies comerciais, facilmente concluímos que muito há a fazer. Mas não nos iludamos, a alimentação continuará a ter como base a produção de plantas quer consumidas diretamente quer para a produção de carne. E, de entre as plantas que são cultivadas para fins alimentares ou para a alimentação animal, um número muito restrito continuará a ser preponderante. É o caso dos cereais (trigo, milho e arroz), a soja, alguns tubérculos e raízes e vários frutos. Assim, o grande desafio da humanidade nas próximas décadas será produzir mais em menos terra e de uma maneira sustentável, não apenas do ponto de vista ambiental, mas também numa perspetiva socioeconómica. Não é certamente por acaso que os dois primeiros objetivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas são: 1) erradicar a pobreza e 2) acabar com a fome.
Indiferente a estes problemas globais, a Revista de Ciência Elementar segue o seu caminho e chega ao 10.º aniversário. Um excelente conjunto de diversificados artigos e de rubricas que os nossos leitores podem desfrutar estão disponíveis neste número 37.
Com este número chega também uma nova estação, por isso, como diria o grande Chico “Buarque, canta a primavera, pá”.
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