Azul Egípcio
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- CICECO/ DQ/ U. Aveiro
Referência Nolasco, M. M., (2023) Azul Egípcio, Rev. Ciência Elem., V11(2):016
DOI http://doi.org/10.24927/rce2023.016
Palavras-chave luminescência no infravermelho próximo imagem bimomédicas, impressão digital
Resumo
A história da descoberta, “desaparecimento” e redescoberta do Azul Egípcio é fascinante. Este pigmento sintético, o primeiro do mundo, foi a principal fonte da cor azul em grande parte do mundo civilizado durante três mil anos. Depois, deixou de ser utilizado e acreditou-se que este pigmento e o seu processo de fabrico se tinham perdido para a história. Mas acabou por ser redescoberto — em parte devido a uma observação casual — e o conhecimento da sua constituição química permitiu recriar o processo de síntese. Recentemente, com a revelação da sua extraordinária emissão na região do infravermelho próximo, o futuro do Azul Egípcio tornou-se brilhante, e de mais do que uma maneira (FIGURA 1).
O pigmento Azul Egípcio (FIGURA 2) data do terceiro milénio a.C. e é reconhecido como o primeiro pigmento sintético utilizado pelo Homem. Foi produzido pela primeira vez na 4.ª Dinastia do Egito e foi usado no Egito e na bacia do Mediterrâneo até ao final Império Romano1. Pouco depois do início da Idade Média deixa de haver registos do uso deste pigmento: o Azul egípcio caiu em desuso e, a partir daí, o método da sua preparação foi esquecido.
No final do século XIX e início do século XX, começou a ser estudado em profundidade por muitos investigadores e, em 1959, usando análises de raios-X, Pabst descobriu que o Azul Egípcio é, na verdade, um tetra-silicato de cálcio e cobre (CaCuSi4O10), o mesmo que o mineral cuprorivaite, descoberto em 1938 por Minguzzi na lava do Vesúvio2.
O Azul Egípcio tem uma estrutura cristalina tetragonal, que consiste em camadas paralelas de tetraedros de silicato. Estas camadas são mantidas juntas por ligações não covalentes, garantidas pela camada de iões Ca2+ intermediários3. Por sua vez, os iões Cu2+ estão inseridos na estrutura covalente de silicato, numa geometria de coordenação quadrangular plana. Assim, o Azul Egípcio é muito estável e exibe uma cor azul brilhante que resulta da absorção óptica dos iões Cu2+.
A estrutura em camadas do Azul Egípcio pode ser modificada e transformada numa estrutura de monocamada através de um processo de exfoliação. Neste processo, os iões Ca2+ são removidos, promovendo assim a separação das camadas de silicato de cobre na forma de “folhas”. A exfoliação do Azul Egípcio oferece uma forma de obter uma nano-estrutura de CaCu- Si4O que pode ser manipulada como uma dispersão coloidal4, compatível com uma variedade de técnicas de processamento com a finalidade de obter materiais multifuncionais.
Os complexos CuO46- de geometria quadrado-planar têm três transições eletrónicas d-d características na região visível (FIGURA 3), dando origem a três bandas largas nos espectros ópticos do Azul egípcio.
Em 2009, os químicos ficaram empolgados com um desenvolvimento interessante: o azul egípcio é capaz de emitir luz na região do infravermelho próximo (NIR, near infrared) quando exposto à luz vermelha. Essa emissão é extraordinariamente forte e duradoura, embora não possa ser vista a olho nu, pois a visão humana não abrange o intervalo da luz infravermelha do espectro. No entanto, a emissão pode ser observada usando uma câmara digital com filtros modificados que permitam detetar somente a luz infravermelha. Visualizada desta maneira, a emissão assume a forma de um brilho intenso de luminescência induzida por luz1.
Se, nos tempos antigos, a única aplicação do Azul Egípcio era em pinturas, atualmente as suas extraordinárias propriedades permitem-nos não só reconstruir o passado, como também moldar o futuro tecnológico.
Por exemplo, o azul egípcio apresenta-se como um material atraente para aplicação na área forense. As impressões digitais latentes descobertas em casos criminais desempenham um papel crucial na identificação de indivíduos devido aos seus padrões característicos. No entanto, a visualização bem-sucedida dessas marcas de dedos latentes é frequentemente um desafio, devido à falta de sensibilidade ou seletividade dos métodos aplicados perante as pequenas quantidades do resíduo da impressão digital.
Uma abordagem alternativa é usar pós de polvilhamento que exibem luminescência no infravermelho próximo (FIGURA 4). Como poucos substratos luminescem nesta região do espectro, tais pós podem destacar detalhes da impressão digital, evitando a interferência causada pela luminescência de fundo.
O elevado tempo de vida, a maior penetração no tecido humano dos fotões infravermelhos quando comparados com os fotões UV ou visíveis, bem como a menor fototoxicidade, abre a possibilidade de se obter imagens biomédicas mais detalhadas e de alta resolução espacial, usando o azul egípcio como agente de imagem. Recentemente, o desenvolvimento da química de superfície covalente em nanofolhas de Azul Egípcio permitiu o acesso a inúmeras reações de (bio)conjugação de grupos de ácidos carboxílicos.
A funcionalização da superfície covalente de nanofolhas via ativação de Si-H foi realizada com hidrosilanos ancorados com moléculas de pireno fluorescentes no visível para demonstrar a conjugação pela localização conjunta de fluorescência Vis/NIR nas nanofolhas de Azul Egípcio. O mesmo procedimento de ancoragem foi repetido e validado com carboxilatos. Dessa forma, permitiu-se que o ácido fólico fosse conjugado com nanofolhas de Azul Egípcio, direcionando-as para células cancerígenas que expressam o recetor de ácido fólico (FIGURA 5).
Referências
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