A agricultura teve que tomar um desenvolvimento em larga escala para fazer face ao descontrolado aumento da população humana, para mitigar a fome atávica de certas regiões, tendo isso sido possível com a chamada “Revolução Verde”. Esta nova etapa da agricultura Moderna ficou a dever-se fundamentalmente a Norman Borlaug, considerado o “Pai” destas novas práticas intensivas e galardoado com o Prémio Nobel (1970). O valor desta nova via de exploração agrícola ficou bem demonstrado quando em 1966–1967 permitiu abastecer 60 milhões de pessoas da região de Benguela, na India, que se encontravam em situação de carência alimentar fatal.


FIGURA 1. Norman Borlaug.

Como decorrência dos reconhecidos efeitos que a agricultura intensiva impunha ao ambiente, surgiram propostas de outras vias que pretendiam contrariar essas consequências prejudiciais, dando origem ao aparecimento daquilo que ficou conhecido por Agricultura Orgânica.

De acordo com a Legislação europeia e portuguesa aplicável em Portugal este tipo de agricultura recebe a designação de Agricultura Biológica (AB) podendo ser usada apenas a forma reduzida Bio, estando a designação Agricultura Orgânica (AO) oficializada para o Brasil, embora também se utilize entre nós.

A AB/AO é correntemente caracterizada por aquilo que não pode utilizar — não usar pesticidas ou fertilizantes de síntese química, não empregar sementes, ou propágulos, geneticamente modificados (GMO), não usar monoculturas, não lavrar, etc..

Esta proibição relativa à interdição de usar Organismos Geneticamente Modificados (GMO) só pode encontrar explicação numa atitude fundamentalista, radical e ignorante, pois muitas plantas que são GMO seriam de interesse numa agricultura que não quer, nem pode, usar pesticidas, e seria lógico que recorresse a plantas resistentes a pragas que atacam as não modificadas geneticamente. Vários trabalhos salientam e defendem a vantagem que a AB/AO poderia tirar se recorresse a certas plantas GMO. Cuba, ainda que seja correntemente contabilizada nas listas deste tipo de agricultura, constitui exceção a este rígido princípio, pois utiliza GMO, principalmente milho modificado resistente à traça do grão (Sitotroga cerealella).

Merece a nossa melhor atenção uma entrevista recentemente publicada no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung ao Dr. Urs Niggli. Este cientista é conhecido como um forte defensor da AB/AO. É director do Research Institute of Organic Agriculture, sediado na Suiça e professor na Universidade de Kassel.

Nesta entrevista Niggli defende que a AB/AO poderá usar organismos geneticamente modificados (GMO) agora que está disponível uma técnica de intervenção no genoma com grande precisão a CRISPR.

Vale a pena transcrever, em tradução livre, um parágrafo interessante dessa entrevista. “Não podemos sonhar acordados e ser felizes na “biobolha”! Se mudássemos completamente para agricultura orgânica a produtividade desceria fortemente. Então teríamos de importar uma muito maior quantidade de alimentos e assim exportar impactos ambientais para outros países… Isto teria efeitos catastróficos na biodiversidade…A associação de elevada productividade e de sustentabilidade é maneira de ir hoje em dia. Implica mais do que orgânica.”.

A AB/AO é apresentada como originando produtos mais saudáveis e com composição melhorada, como protegendo a biosfera do solo, como diminuindo a poluição ambiental, ou seja, beneficiando a saúde, melhorando e enriquecendo o solo e protegendo o ambiente. Com estes importantes predicados não admira que tenha vindo a conseguir adeptos, não obstante o preço mais elevado daquilo que produz. Sobretudo os consumidores jovens sentem-se atraídos por esta nova lavoura, entusiasmados com os benefícios apregoados. A generalidade dos consumidores não têm tendência a fazer uma análise profunda e fundamentada daquilo que lhes é oferecido e, nesta ausência de estudo, aceitam passivamente aquilo que é propagandeado de modo insistente.

Os métodos da AB/AO estão internacionalmente regulados pela “International Federation of Organic Agriculture Movements” (IFOAM) criada em 1972 — e foram aprovados por cerca de 117 países.

Em 2019, a área mundial ocupada por Agricultura Orgânica é indicada pelo respetivo lobby como sendo aproximadamente 70 milhões de hectares, representando 1,4% de toda a área agrícola.


Um pouco de História.

Admite-se que nos inícios da agricultura não foram usados quaisquer produtos para aumentar a produtividade dos solos utilizados, obtendo-se aquilo que a terra dava.

Com o passar do tempo os agricultores começaram a ver que determinadas práticas aumentavam a produção. Essas práticas comportavam principalmente adição ao solo de dejetos humanos e de animais e de urina. O chamado estrume, largamente usado em agricultura, proveniente dos currais e o “estrume verde” de restos vegetais mais ou menos alterados por acção de micro-organismos, passaram a ser generalizadamente usados durante séculos e ainda hoje a eles se recorre.

Já há mais de 2000 anos gregos e romanos sabiam como corrigir certos terrenos com a adição de Margas (compostos com calcário e argila) e era corrente a adição de cinzas que, além de corrigirem a acidez de alguns terrenos, iam fornecer, sabemo-lo agora, a ação favorável de fósforo, potássio e cálcio.

Teofrasto (discípulo de Aristóteles) 300 anos a.C., concluiu que cultivando num terreno Leguminosas e enterrando-as depois, iria beneficiar as culturas seguintes, isto numa época em que se desconhecia a fixação do azoto atmosférico por aquelas plantas. Aristóteles (384–322 a.C.) enunciou a chamada teoria do húmus, que seria uma força sobrenatural existente nas terras, tendo o condão de originar plantas; os homens só iriam despertar e incrementar tal força ao fazer o amanho da terra.

Como nota interessante — e demonstrativa da atenção e perspicácia que os agricultores dedicavam à sua atividade — pode-se referir que na Alemanha do século XVI os excrementos humanos dos Luteranos eram mais bem pagos dos que os produzidos por populações Católicas. Hoje sabe-se que os excrementos dos Luteranos eram mais ricos em azoto, por não estarem sujeitos às restrições que os católicos tinham no consumo de carne.

É curioso que até meados do século XIX pouco se progrediu no conhecimento da melhoria das práticas agrícolas, muito possivelmente porque a reverencia aos ensinamentos de Aristóteles fazia esquecer dados que iam sendo obtidos. Exemplo disto mesmo foram os trabalhos em 1828, do botânico alemão Carl Sprengel (1787–1859), que enunciou o princípio de a produção vegetal ser limitada pelo elemento que, em relação às necessidades das plantas, se encontrava no solo em quantidade deficiente, conhecimento este, que se fosse bem interpretado, acabava com a “teoria do húmus” de Aristóteles.

Pela mesma época o químico alemão, Liebig (1803–1873) continuou e confirmou esse princípio, que passou a ser geralmente aceite. Foi este investigador que acabou por dar origem a trabalhos subsequentes sobre adubos minerais. Foi em Inglaterra que se realizaram trabalhos que originaram a primeira fábrica para produção comercial de adubo fosfatado. Curiosamente, muitos dos trabalhos experimentais subjacentes a este assunto realizaram-se numa propriedade agrícola situada em Rothamsted, que viria a originar a bem conhecida Rothamsted Experimental Station (hoje designada Rothamsted Research) que desde 1834 realizou estudos fundamentais para a agricultura científica moderna e onde foram estabelecidos os princípios da nutrição vegetal.

O potássio e o azoto foram, durante décadas, fornecidos pelo Guano do Perú e pelo Nitrato do Chile, até que foram descobertos processos de produção comercial desses adubos.

A descoberta dos adubos químicos foi fundamental para o aumento da produção agrícola. Segundo a FAO (Food and Agriculture Organization — UNESCO) o contributo dos referidos adubos para o aumento da produção agrícola ronda os 60% sendo o resto devido a avanços na genética, combate a pragas, regadio, drenagem. Só para se ter uma perspectiva do espetacular aumento da produção agrícola e recorrendo novamente à FAO, sabe-se que em 1840 (em que não havia adubos minerais) a produção média de trigo na Europa era cerca de 650 kg/ha, já em 1950 passou para 1500 kg/ha e presentemente ronda os 4000 kg/ha.


Os começos da Agricultura Biológica/Agricultura Orgânica.

Fácil é compreender que o enorme aumento de produção agrícola exigiu um paralelo aumento na quantidade de adubos lançados nos campos de cultivo. Este aumento de adubos minerais e de pesticidas indispensáveis para combater as pragas agrícolas, chamou logo a atenção de pessoas preocupadas com a agressão ao solo, na sua composição e no seu microbioma.

Admite-se que a primeira referencia à AB/AO se deve ao filosofo austríaco Rudolph Steiner, criador da “ciência espiritual”, quando em 1924 e durante uma série de conferências sobre métodos de cultivo, apresentou os princípios gerais daquilo que, anos mais tarde, viria a ser designado por Agricultura Orgânica.

Desde o começo da década de 1920 que Albert Howard e a esposa Gabrielle Howard, botânicos ingleses que residiam na India, aí dedicaram-se a estudar — e mesmo a intervir — nos processos da agricultura local. Quando regressaram a Inglaterra, já na década seguinte, começaram a propagandear aquilo que designaram por Agricultura Natural. Em 1939, o alemão Ehrenfried Peiffer, autor do livro “Bio-Dynamic Farming and Gardening”, deslocou- -se a Inglaterra para participar numa workshop sobre agricultura e aí encontrou-se com os Howards. No ano seguinte foi publicado um manifesto intitulado “Look to the Land” onde pela primeira vez surge a expressão Agricultura Orgânica. Logo no ano seguinte Howard publicou a obra “Agriculture Testament” que teve grande difusão e influencia, levando à formação, nos USA, do “Rodale Institute” para experimentação com base nos princípios e disseminação da Agricultura Orgânica.

Uma referencia tem de ser feita a Lady Eve Balfour, pessoa grandemente empenhada na divulgação da Agricultura Orgânica e que, em 1939, em Inglaterra, organizou o chamado “Haughley Experiment” utilizando duas propriedades agrícolas próximas para comparar, pela primeira vez, Agricultura Orgânica com agricultura Convencional, esta usando produtos químicos, trabalhos interessantes, mas que não permitiram retirar conclusões cientificamente seguras, por falta de adequado planeamento experimental.


Nem tudo que reluz é ouro.

É fácil admitir que talvez não seja tudo positivo, pois geralmente as moedas têm duas faces diferentes.

Há um estudo feito pela Universidade de Cranfield, UK, de 2003 a 2005 onde se podem encontrar comentários de interesse. Aí pode ler-se que a produção orgânica, em geral, implica mais trabalho e acarreta mais elevado teor de lixiviação de Azoto, emissões de óxido Nitroso, de Amónia, eutrofização e acidificação dos solos, ainda que o consumo energético seja, em princípio, menor que na Agricultura Convencional. E, mais importante, a exploração orgânica exige sempre área agrícola maior, de 65% a 200%, sendo as culturas mais exigentes o trigo (200% ou +) e as batatas (160%).

Em relação à produção animal os dados apontam para exigências de terreno ainda maiores, pois para frangos orgânicos admite-se ser preciso o dobro da área, para suínos um quarto mais e para bovinos três vezes mais. Deve ser dito que certos processos de produção animal podem ser realizados em terrenos marginais, sem uso agrícola e que a produção simultânea de pasto e cereais pode não exigir uma área muito maior.

Trabalho da Universidade de Oxford (2012) veio mostrar que, em alguns casos, o processo orgânico é pior para o ambiente, como no caso de leite, cereais e suínos produzindo mais elevados gazes de estufa, mas a produção de bovinos e de azeite apresentavam valores inferiores em comparação com os processos convencionais. Como conclusão geral pode dizer-se que gastam menos energia, mas exigem mais terreno agrícola.

Uma forte crítica apresentada por vários setores anti-agricultura orgânica, afirma que tal processo agrícola, devido à exigência de maiores extensões de terreno para cultivo, levaria tendencialmente à destruição das florestas tropicais e iria fazer desaparecer muitos ecossistemas. A AB/AO é considerada um luxo, acessível aos que têm poder de compra para pagar alimentos mais caros e que se sentem bem por um tipo de “efeito placebo” e que não deveria ser incrementado o seu uso devido precisamente à menor produção que a caracteriza.

A AB/AO não permite o uso de pesticidas, geralmente mesmo compostos que existem na natureza mas que são produzidos por síntese química.

Substâncias permitidas incluem: Sulfato de Cobre, Ácido Bórico (inseticida), Piretrina (obtida das flores de Chrysanthemum cinerariaefolium), polisulfito de cálcio e enxofre (admitidos de síntese química); Rotenona, permitida por ser um produto natural obtido de raízes e talos de várias plantas, pese embora a sua alta toxicidade para a vida aquática e com ligações à doença de Parkinson; Bromometano (gás correntemente usado em muitas estufas de morangos); Azadiractina (potente inseticida que destrói igualmente insetos nocivos e uteis, matando abelhas, mas praticamente inofensivo para os humanos).

Esta lista genérica logo mostra que os produtos permitidos não são totalmente inócuos para o ambiente e alguns deles, são nocivos para as pessoas.

Por exemplo, o Cobre, quer como sulfato de cobre ou hidróxido de cobre, pode ser mais prejudicial para o solo do que fungicidas cúpricos sintéticos.

Convém aqui salientar que um dos grandes malefícios atribuídos à agricultura Convencional (AC) reside nos efeitos dos pesticidas sobre insetos e sobre pássaros, directamente sobre estes, ou diminuindo fortemente as suas fontes alimentares. Estes aspectos deletérios são sobejamente conhecidos e só são aceites por que, não usando os pesticidas de síntese química, as produções agrícolas seriam catastroficamente reduzidas, adotando-se aquilo que em Ética se designa por “mal menor”.

Sabe-se que o uso dos agroquímicos empregues na AC — conhecido alvo de críticas da AB/ AO — se forem respeitados os intervalos de segurança e seguidas as regras de aplicação propostas, levam a que os resíduos que ficam nos alimentos estejam dentro dos valores de segurança para a saúde humana. Vem a propósito referir um relatório recente de estudos feitos anualmente nos USA para determinar a qualidade dos produtos alimentares, não apenas de produção local mas também importados de outros países, incluindo pesquisa detalhada de resíduos de pesticidas. O último Relatório do Departamento de Agricultura (USDA) refere-se a 2021 e foi publicado em fevereiro do corrente ano. É um estudo que usou 9600 amostras através de 2,6 milhões de análises laboratoriais. Apenas em 47 amostras (0,48%) se encontraram resíduos ligeiramente acima do limite estabelecido. O nível de pormenor destes estudo é muito grande, como se infere da lista e produtos químicos pesquisados.

A AB/AO utiliza correntemente o chamado “estrume” o que leva ao risco de contaminar produtos com bactérias aí presentes, incluindo estirpes patogénicas de Escherichia coli que já causaram situações fatais por consumo de produtos da AB/AO . Certamente muitos ainda terão memória do grave incidente ocorrido na Alemanha, em 2011. Cerca de 4000 pessoas foram contaminadas por E. coli veiculadas por alimentos de AB/AO tendo aproximadamente 800 desenvolvido situações de doença prolongada e 53 morreram.

Na União Europeia a AB/AO é muito subsidiada, constituindo basicamente o principal motivo atractivo para muitos dos que adoptam esta via de produção de alimentos, geralmente sobrepondo-se à ideia de uma eventual proteção do ambiente. Os subsídios atribuídos são na verdade bastante atractivos, chegando a várias centenas de €/ha. Dados disponíveis indicam que a EU disponibilizou 387 milhares de milhão de € para o período 2021-2027, para apoiar a AB/AO, verba indiscutivelmente considerável. A estes subsídios acresce o facto de estes produtos serem vendidos por preços superiores aos convencionais, o que torna fácil concluir que haverá cada vez mais interessados neste tipo de explorações agrícolas. Outro importante aspecto reside no facto de a verificação do cumprimento dos critérios estabelecidos ser feita de modo muito pouco efectivo, devido à impossibilidade prática de acompanhamento fatual das explorações, facilitando alguns “desvios” que passam indetectados.

Globalmente tem havido um aumento de terrenos onde se pratica a AB/AO, em todos os continentes, sendo que os seus produtos encontram os melhores mercados nas nações ricas da América do Norte e da Europa.

Muitas explorações, por vezes indicadas como AB/AO nos escritos publicitários do respetivo lobby, sobretudo na Ásia, são na realidade explorações agrícolas onde se pratica aquilo a que se costuma chamar Agricultura Pobre, ou seja, uma em que condições económicas impedem, ou reduzem muito, o uso pesticidas, adubos., etc.; em outros casos são também incluídos na publicidade grandes áreas, como na Austrália e na Argentina, mas que na realidade não são mais do que enormes extensões de pastagens “naturais”.

De um modo geral bem pode dizer-se que a autêntica AB/AO exige grande trabalho e, para ser bem feita, necessita de elevados conhecimentos. Como se compreende, uma grande dificuldade para a AB/AO é o combate às chamadas ervas daminha. Isto implica o recurso a vários meios, como rotação anual de culturas, competição nutricional ou alelopáctica pelo recurso a plantas que impedem o crescimento das ervas daninhas, cobertura do solo com plásticos, eventual recurso a animais que comam ervas e insetos, como feito em certos arrozais, como a utilização de gansos, sobretudo em campos de algodão, etc..

A AC, por outro lado, implica gastos elevados de capital e mais consumo energético.

Contudo, é preciso ter presente a população mundial de 7 milhares de milhões e em crescimento preocupante, não pode ser alimentada pela AB/AO — custe embora mais poluição, só a AC pode responder, como tem feito aliás, a este desafio, por muitos considerado como o maior que a Sociedade enfrenta no século XXI. Estima-se que, só em África, haverá um aumento de mil milhões de pessoas até 2040 — fácil é imaginar algumas das catástrofes que daí irão resultar, a nível da fauna, flora e ambiente.

É do conhecimento geral que a EU tem vindo a produzir determinações destinadas a uma significativa redução do uso de produtos agroquímicos e um declarado apoio à AB/AO. São bem conhecidos os programas Europe Green Deal e Farm to Fork, que procuram encontrar melhores vias do que as atualmente praticadas, o que é louvável e importante, caso não se caia em excessos, havendo sempre a possibilidade de se enveredar por aspectos ideológicos em detrimento dos científicos, como acontece quando políticos, na ânsia de obter resultados rápidos e que os valorizem aos olhos do público, colocam a ciência de lado. Há um caso recente que vale apena referir.

O governo do Sri Lanka, em 2021, decidiu proibir a importação de pesticidas e adubos sintéticos, a fim de conseguir uma produção agrícola totalmente orgânica. O resultado foi catastrófico. A agência noticiosa Al Jazeera de 9 de Janeiro informou que o governo tinha pago, só aos produtores de arroz, 340 milhões de US dólares e que “cerca de um terço da terra agrícola tinha ficado abandonada no ano passado, devido à falta de produtos químicos para a agricultura resultante da proibição de importação”. Este é um claro exemplo de políticas extremas sem adequada ponderação dos conhecimentos propiciados pela Ciência.

Considerando todos os credíveis elementos disponíveis apontam as seguintes conclusões: A AB/AO:

  • Não tem capacidade para produzir alimentos suficientes para a atual população existente no planeta.
  • Não é solução para o problema ambiental pois exige mais terrenos para cultivo do que a AC e se a sua área aumentasse fortemente iria destruir muitos ecossistemas preciosos.
  • Usa produtos tóxicos que prejudicam o bioma dos terrenos e leva a inquinação de lençois aquíferos.
  • Usa produtos nocivos para insetos, incluindo abelhas.
  • Ao usar estrumes facilmente leva a alimentos contaminados com micro-organismos perigosos, alguns letais.
  • Propagandeia que produz alimentos mais saudáveis, mais ricos nutricionalmente, em processos amigos do ambiente e favorecendo a biodiversidade o que são afirmações que não encontram suporte em dados científicos credíveis.

Como conclusão, pode dizer-se que a AB/AO se não pode salvar o ambiente, nem fornecer produtos mais nutritivos e mais saborosos tem uma característica inquestionável — os seus produtos são mais caros. Aliás, esta faceta é mesmo reconhecida nos diplomas legais que a eles se aplicam.


Outros mitos e outras realidades.

Food Snobery.

A grande evolução social das últimas décadas levou ao surgimento de novos conceitos numa certa franja da população, com uma visão e exigências extremistas que se costumam agrupar na chamada Food Snobery. A expressão é correntemente usada para designar as pessoas das sociedades ricas, geralmente residentes em grandes cidades — por alguns designados por “urbanoides” — que exageram nas suas escolhas alimentares — e disso fazem gala — apregoando que só utilizam produtos naturais, livres de contaminantes e substâncias nocivas, grandes consumidores de produtos ditos biológicos, ou orgânicos, nunca alimentos que tenham GMO, isentos disto e daquilo, etc., reclamando a obrigatoriedade da afixação de rótulos detalhados, capazes de permitirem aquilo que designam por uma escolha informada. Esta fileira de pessoas, caracteristicamente de um estrato socio-económico elevado, insinuam uma ideia de superioridade que os distingue dos “outros”, vendo-se como detentores da verdade, não só na área daquilo que ingerem como em diversas facetas sociológicas.

A lista de casos relacionados directamente com este posicionamento mental é extensa e curiosa. Talvez a situação mais insólita seja a relativa ao aparecimento nos supermercados de produtos como “água destilada” e “água filtrada”, que se lá estão é porque há compradores, pese embora o notório exagero e o custo mais elevado do que outras águas embaladas.

Outro caso que merece análise é a manteiga light ou manteiga magra. Como se sabe a manteiga é obtida do leite de vaca e a manteiga correntemente comercializada é composta por cerca de 83% de gordura, sendo o restante água e resíduos do açúcar do leite (lactose) e butirina (um tipo de gordura). É um alimento muito gordo, rico em gorduras saturadas, colesterol e com elevado teor em calorias, mas de fácil digestão, apesar do seu grande conteúdo em gordura.

A qualificação de light não se refere à cor, mas destina-se a transmitir a ideia de possuir menos gordura, ou menos calorias, o que é praticamente o mesmo dado que, basicamente, as abundantes calorias da manteiga provêm da gordura. Ao analisar a situação não pode deixar de surgir perplexidade — como será possível produzir uma manteiga com menos gordura que a “normal” quando a manteiga é gordura?

Ao comparar ambas as embalagens, da manteiga normal e da magra, vê-se que têm o mesmo peso, por exemplo 250g e têm o mesmo aspeto, diferindo só num preço, cerca de 20% mais elevado para a magra, onde certamente reside o interesse do produtor. Como é isto possível? A situação aproxima-se da conhecida “quadratura do círculo”. No final conclui-se que a redução do peso da gordura, que em certos casos é quase de metade, é compensada por água. Mesmo no caso de algumas destas manteigas magras serem um pouco mais baratas do que a normal o facto permanece – esta água acaba por ser vendida ao preço da manteiga, o que é um bom negócio e engana o consumidor, pois conseguiria o mesmo resultado – menos calorias por consumo – se comesse um pouco menos da manteiga normal, beneficiando de uma redução de, aproximadamente, menos 30 calorias por cada grama “poupado”. Na embalagem da Manteiga Magra vê-se que na sua composição entra também “amido modificado”. Mas o que é amido modificado? Qual o processo usado para essa alteração? Será benéfico, ou inócuo, para a saúde? Certamente que o comum dos compradores não saberá responder às perguntas apresentadas– claro exemplo que uma “escolha informada” não será acessível à maioria dos consumidores.

Os produtores deste tipo de manteiga ”light” conhecem bem a via que usam e, por isso mesmo, algumas embalagens, advertem que não deverá ser usada para cozinhar. Na verdade, lançando uma porção da manteiga light numa frigideira, a quase instantânea vaporização da água poderá provocar um espetáculo piróctico, com algum perigo para quem estiver por perto.


Ainda mais manteiga.

A chamada manteiga ghee começou, há tempos, a ser motivo de grande publicidade, pondo em relevo as importantes vantagens que oferece para uma alimentação “mais saudável”. Este produto é mais uma aquisição da cultura hindú, onde é considerada com poderes curativos, usada também em rituais religiosos e na culinária.

Em resumo, este tipo de manteiga é obtido aquecendo a manteiga comum de modo a que a água que contem se evapore, juntamente com outros componentes como hidratos de carbono e proteínas, ficando quase apenas a gordura, em 99,9%.

Apregoam que é de grande interesse para as pessoas com deficiência na enzima lactase necessária para, no intestino delgado, degradar o açucar do leite, lactose, que se encontra presente na manteiga corrente. Contudo, há um considerável exagero nesta afirmação, pois a quantidade deste açucar na manteiga corrente é muito pequena, cerca de 0,9g em cada 100g, quantidade que não provoca perturbações na generalidade dos adultos, que também consomem queijos sem distúrbios, ainda que se saiba que a enzima se vai reduzindo com a idade.


E mais escolhas informadas.

Encontram-se à venda batatas fritas bio/orgânicas ao lado de embalagens correntes, mas o preço chega a ser 32% mais elevado! É difícil aceitar que este considerável aumento traga qualquer benefício para o comprador, pois não há estudos credíveis que suportem a apregoada “composição melhorada”, ou “benefícios para a saúde”. Admitindo que os fabricantes destas batatas acreditam que elas provêm de campos onde se pratica a AB/AO, bem como os óleos usados na fritura, é sabido que a fiscalização das práticas desse tipo de agricultura é muito laxa e não pode dar garantias absolutas. Acresce que são grandes empresas que produzem essas batatas fritas e todos temos presentes casos de grandes empresas – de nome bem conhecido muitas delas — que colocaram os seus lucros acima da verdade na publicidade usada e, por vezes, acima da saúde dos consumidores até terem sido desmascaradas.

Existem rótulos que, embora rigorosos, são enganadores, com afirmações fatualmente corretas, mas incluídas de modo a levar o consumidor a pensar num certo sentido. Serve de exemplo o caso da manteiga light acima descrito, pois a informação de menos gordura, ou menos calorias, é verdadeira, mas induz em algo que é, bem vistas as coisas, um engano. Outro curioso exemplo de rótulos enganadores, mas fatualmente verdadeiros, é o dístico que se encontra em certas embalagens de batatas fritas onde, em destaque e letra correntemente vermelha, se pode ler “sem colesterol”. Este anúncio instiga na compra por parte de pessoas preocupadas como seu teor de colesterol sanguíneo. Muitas pessoas julgam que foi desenvolvido um novo tipo de batatas, diferente das já existentes, agora sem aquela molécula, ou que o processo de preparação consegue fazer desaparecer o indesejável colesterol. Na realidade, o título é uma verdade indesmentível! O rótulo poderia ser aposto nas alfaces, nos tomates, nos feijões, em quaisquer outras batatas, etc., pois as plantas simplesmente não possuem os genes para produzirem colesterol!

Dentro do mesmo estilo temos rótulos de batatas fritas que indicam “sem glúten”. Bem vistas as coisas, as batatas não podem ter glúten, pois também não têm genes para a produção deste composto, que só se encontra em sementes de alguns cereais, sendo um grupo de proteínas chamadas prolaminas. O caso do glúten é interessante, pois na verdade estas proteínas podem produzir alergias, por razões quer genéticas, quer não relacionadas com o DNA.

Impõe-se um comentário importante. Há uma perturbação auto-imune relacionada com o consumo de glúten — a doença celíaca (cerca de 1% da população) e outras pessoas (cerca de 6%) com a chamada “sensibilidade ao glúten”. Por reação ao Glúten estas patologias causam inflamação crónica do intestino delgado, com destruição das respetivas vilosidades e mucosa, o que acarreta absorção reduzida dos nutrientes, podendo casos extremos serem fatais.

O glúten ocorre em grãos de trigo (trigo mole, trigo duro e trigo espelta), cevada e centeio e é um conjunto de várias proteínas que têm um elevado teor dos amino-ácidos prolina e glutamina, os quais formam uma estrutura tridimensional, resistente à digestão pelas enzimas gástricas, podendo resultar fragmentos de considerável dimensão que, nos doentes com sensibilidade ou doença celíaca, provocam a resposta auto-imune referida. Além dos cereais referidos o Glúten encontra-se também nos híbridos triticales. Alimentos que não possuem glúten são os cereais arroz, milho, aveia e os chamados “pseudo-cereais” (plantas cujas sementes são reduzidas a farinha) como a quinoa, trigo sarraceno e amarantos.

Verificou-se em anos recentes um aumento de pessoas com a doença celíaca — talvez simplesmente por mais casos serem diagnosticados — mas logo surgiram vozes afirmando que a causa estava nas variedade de trigo resultantes de melhoramento. Esta afirmação levou a que se fizessem estudos em amostras de trigo guardadas em bancos de sementes, abrangendo um período de produção de 110 anos! Os resultados obtidos mostraram que não ocorreu aumento do Glúten ao longo dos anos, tendo-se encontrado uma variação aleatória do seu teor.

O Glúten é largamente empregue na industria alimentar. É usado para conferir elasticidade ao pão, como agente espessante e para conferir paladar e atributos sensórios a muitos produtos alimentares, encontrando-se desde os sorvetes, ketchup, cerveja, etc. e também em cosméticos. As pessoas com sensibilidade ao glúten têm que ter muito cuidado, procurando alimentos que o não tenham. Os alimentos “sem glúten” usam gorduras, amido e açucares para conseguirem características gustativas e de textura semelhantes àquelas que o glúten propicia. Não causa surpresa que os produtores de alimentos processados “sem-glúten” anunciem os seus produtos como sendo “mais saudáveis” e como sendo de grande vantagem em esquemas de redução de peso corporal — a verdade é que não há qualquer prova científica que dê suporte a qualquer daquelas afirmações, que são meras manobras publicitárias.

De acordo com a American Council on Science and Health (ACSH) as pessoas que têm patologias que as obrigam a evitar o glúten deverão seguir as seguintes regras na sua alimentação: comer poucos alimentos processados, preferindo peixe e carne frescos, produtos lácteos, ovos, frutos e vegetais; usando, se possível, pseudo-cereais; dos alimentos processados preferir aqueles que têm adicionado vitaminas e minerais, como ferro, zinco magnésio, cálcio, vitamina D, tiamina, niacina, riboflavina e folato.

Rótulos corretos mas de difícil interpretação e que são frequentes; alguns casos. Em muitos alimentos processados encontra-se a informação de possuírem “benzoato de sódio”, substância que surge também em várias pastas para os dentes. Ao consumidor corrente (no caso de ler os rótulos, parece serem apenas 20%) surgem logo dúvidas sobre se essa substancia é um conservante, ou se é destinado a aumentar o sabor, se é natural, ou de síntese, se provoca cancro em ratos de laboratório, etc.. Quer dizer, o comprador só poderá fazer a famosa “escolha informada” se souber as respostas aquelas perguntas, o que exigiria muito conhecimentos, que não fazem parte da cultura do comprador corrente.

Um outro exemplo é o que se encontra em muitas pastas dentífricas. A composição indicada nas bisnagas é muito detalhada: tetrasulfato de ´sódio, sílica hidratada, sorbitol, sulfonato de olefina, cloreto de zinco, sacarina, alantoina, goma Xantu, Cl74160, etc.. Para fazer a tal “escolha informada” o comprador tem de possuir bons conhecimentos de Química, mas só isso não chega, pois necessita de saber bem a fisiologia e o metabolismo humanos, para determinar se aquelas substancias são inócuas, se o não são, quais as doses toleráveis. Não esquecer que a composição indica também E220 e E228, substâncias que muito poucas pessoas saberão o que são e quais os seus efeitos.

Outro exemplo encontra-se nos vinhos e em muito alimentos processados — caso dos omnipresentes sulfitos. A legislação impõe controlo apertado na utilização dos sulfitos, sobretudo por poderem originar problemas em pessoas asmáticas. Os limites permitidos na EU são

  • 160 mg/litro para vinhos tintos
  • 260 mg/litro para vinhos brancos
  • 300 mg/litro para vinhos doces
  • 400 mg/litro para vinhos botritizados

obrigando à indicação no rótulo apenas se forem superiores a 10mg/L/Kg. Resta dizer que os produtores de vinho e de outros produtos que levam sulfitos, procuram usar as doses mínimas, precisamente para evitar que surjam problemas com a saúde dos consumidores. Começaram a surgir no mercado “vinhos sem sulfitos” o que deixa algumas interrogações sobre o período de duração dos mesmos e até sobre a sua limpidez. Por alguma razão os sulfitos já eram usados pelos romanos nos seus vinhos. Vale a pena dizer que a lista dos medicamentos correntes que contêm sulfitos é muitíssimo extensa, mostrando que o uso criterioso deste composto de enxofre não acarreta perigo para a saúde humana. Para finalizar o tema dos sulfitos diga-se que aquilo que surge em muitos rótulos indicando a presença de E220 e E228, como mencionado atrás, refere-se, precisamente, a sulfitos de sódio e de potássio.

Ainda dentro da fileira do vinho vale a pena referir a comercialização de vinhos com a adjectivação de “vinho natural” e a de “vinho orgânico”. Qualquer destas designações tem subjacente a ideia de levar o consumidor a preferir estes produtos porque são melhores — a “natural” contrapõe- se “artificial” e a palavra “orgânico” deixa logo a indicação que os “outros” não serão tão saudáveis. Mas qualquer vinho é, basicamente, o resultado da fermentação dos açucares naturais — frutose e glucose — presentes no mosto obtido pelo esmagamento das uvas, levando à formação de álcool etílico, num processo mediado por leveduras (Sacchoromyces cerviseae), na chamada “fermentação alcoólica”.

A classificação de “vinho natural” parece ser atribuída a vinhos que usam as leveduras presentes sobretudo na película dos bagos das uvas e designadas “leveduras indígenas”, ou seja, sem recurso a leveduras extrínsecas, provenientes de laboratórios especializados na sua produção. Este é o caso de muitos vinhos feitos pela vasta maioria dos nossos pequenos agricultores, que vinificam pequenas quantidades de uvas e cujos vinhos podem corretamente entrar nesta classificação de “naturais” — são os frequentemente chamados “vinhos do lavrador”. Os vinhos com rotulagem de “orgânicos”, para uma informação verdadeira, deveriam antes ser apresentados como “vinhos feitos com uvas de agricultura orgânica”, pois, como já dito, o processo básico do fabrico do vinho é apenas um — fermentação alcoólica dos açucares das uvas.

Há uma nota de muito interesse em relação aos “vinhos orgânicos”. Basile Tesseron, que é um importante produtor de vinho de Bordéus, com vinhedos na sua propriedade Chateau Lafon- Rochet, que se situa na zona do Quatrièmes Crus, (segundo a listagem dos dez Crus feita por Napoleão III na Classificação Oficial dos Vinhos de Bordéus) que investiu grandes somas para mudar a sua produção para “vinho orgânico”, decidiu este ano voltar a fazer vinho pelos métodos correntes. A justificação que apresentou baseou-se nos efeitos que os produtos à base de cobre, usados nas vinhas para produção orgânica, têm sobre os organismos do solo, sabido como é que as características próprias do vinho obtido em cada terroir da região de Bordéus (e não só) são altamente dependentes do bioma do solo, o qual tem de ser preservado a todo o custo para manter as propriedades específicas do vinho aí produzido.

Recentemente surgiu um novo alerta, agora sobre Nitratos e Nitritos. Nitratos encontram-se em quantidades elevadas em muitas plantas usadas na nossa alimentação, tais como ruibarbo, alfaces, acelgas, beterrabas, espinafres, coentros, manjericão, brócolos, batatas, etc., plantas que contribuem com cerca de 80% deste composto de azoto disponível no organismo humano.

Sem entrar em fastidiosos pormenores do metabolismo do nitrato pode dizer-se ocorrer transformação em nitrito logo na boca por acção da saliva e de bactérias bocais e no meio acídico do estômago. O Nitrato e o Nitrito são importantes mediadores da produção de NO (óxido nítrico) molécula de sinal importante para muitos fenómenos fisiológicos, referenciados como produzindo efeitos benéficos para o correto funcionamento cardiovascular, nomeadamente na redução da hipertensão e aterosclerose, bem como na citoproteção em lesões isquémicas e proteção contra infeções. Foi encontrada uma proteína transportadora de nitrato na membrana das células animais. Há, pois, uma importante cadeia de NO3-, NO2- e NO. Assim, foram estudos recentes que vieram desfazer conceitos anteriores, que atribuíam carácter carcinogénico ao nitrito, pela eventual produção gástrica de N-nitrosaminas, transformação essa que é impedida por várias moléculas, incluindo vitamina C.

A molécula NO merece um comentário especial. É a mais pequena molécula produzida no nosso organismo (e nos outros mamíferos) e tem efeitos que se relacionam com os primeiros estádios da vida, controlando a circulação placentária e, a seguir, as contrações uterinas durante o parto. Vários estudos têm vindo a demonstrar a sua acção como neurotransmissor e na imuno-regulação e o seu enorme papel primário como relaxante da musculatura lisa. Esta molécula tem suscitado inúmeros estudos que obrigaram a rever vários dos paradigmas da medicina, sobretudo nas áreas de cardiologia, neurologia, gasteroenterologia e nefrologia. Foi proclamada “A molécula do ano” em 1992, pela revista Science (USA) e estudos relacionados com a sua importância biológica originaram 3 galardoados com o Prémio Nobel em 1998.

E já agora um comentário final — the last but not the least! — acerca da molécula NO. Basta referir que o conhecido medicamento Viagra actua inibindo uma enzima (phosphodiesterase- 5) num processo que vai permitir a libertação local de NO levando a relaxamento da musculatura lisa dos corpos cavernosos e do corpo esponjoso penianos, promovendo a erecção e actua igualmente no mecanismo da excitação do clítoris.


E há também os Food Zelots.

Os membros desta fileira reclamam-se de uma posição de elevada superioridade face aos “outros”, apregoando uma pureza de princípios, que baseiam em factos controversos e em dados de pseudociência, apresentando-se como um estrato socio-económico que proclama a preservação da natureza e a salvação do planeta. São paradigmaticamente vegan, ou veganos de acordo com a proposta tradução portuguesa, advogando uma forma extrema de Vegetarismo. Este movimento tem raízes antigas, atribuídas ao filósofo grego Pitágoras, no século VI a.C., por admitir que os animais possuíam alma, pelo que não deveriam ser usados como alimento.

A palavra vegan foi introduzida em 1944 pelo inglês Donald Watson, que criou a Vegan Society, que em 1988 enunciou os seus princípios fundamentais como“… a filosofia e modo de vida que procura excluir todas as formas de exploração e crueldade para com animais para comida, vestuário e qualquer outra finalidade”. As raízes deste movimento são muito antigas e radicam em princípios filosóficos/religiosos encontrados em uma religião da mndia antiga - Jain Dharma. Um vegano “ puro”não aceitará medicamentos que contenham produtos animais, tais como lactose, gelatina, etc.. Os animais não poderão ser usados para fins lúdicos, como hipismo, sendo interditas visitas a jardins zoológicos, aquários, etc.

Tratando-se de um movimento tão fundamentalista, que apresenta um certo grau de expansão, não admira que tenham surgido estudos com análises dos seus efeitos, podendo citar-se um deles com o título “Your Brain in Plants — Micro nutrientes and Mental Health” da autoria da médica Georgia Ede que é uma obra muito detalhada.

Vale a pena seguir um pouco os comentários desta médica acerca de ideias correntes na sociedade. Refere que geralmente admite-se que quem come produtos vegetais tem uma assegurada fonte de vitaminas — o que não é absolutamente certo, pois em muitos casos a bio-acessibilidade dessas moléculas é muito baixa, pelo que o organismo não poderá obter as doses de que necessita dessa molécula.

É útil relembrar conhecimentos sobre algumas vitaminas e outros elementos e ponderar os efeitos da sua carência, sobretudo a nível cerebral.

A vitamina A é importante para funções como a visão, aprendizagem e memória. Na verdade, as plantas não contêm vitamina A — possuem como percursor, os carotenoides, que o nosso organismo tem de converter em Retinol, em complexo processo enzimático. É bem mais fácil obter o Retinol a partir de alimentos animais. Esta é a conhecida causa da abundante cegueira infantil em países cuja alimentação é basicamente à base de arroz, como em países asiáticos e em alguns africanos. Esta uma das razões por que em países desenvolvidos muitos alimentos processado são aditivados com vitamina A.

Vitamina D3 que é importante na homeostasia do cálcio no tecido cerebral, e desenvolvimento deste e na função do hipocampus. O nosso organismo necessita da forma D3 (colecalciferol) que pode ser obtida por acção do Sol, ou de alimentos animais. A vitamina D2 (ergocalciferol) é a forma que se encontra nas plantas e o nosso organismo pode converter alguma em D3. Pessoas que recebem exposição solar razoável não terão deficiência desta vitamina e não precisam de a obter a partir da alimentação.

Vitamina K, na sua forma de K1 é muito abundante nas plantas, mas a forma MK4 é fundamental para a síntese de esfingolípidos, importante componente de membranas das células. A forma MK4 só existe em alimentos animais e o nosso organismo é capaz de converter alguma K1 em MK4, mas em quantidades insatisfatórias... Por isso há recomendações para que os seguidores de dieta vegano tomarem suplementos adequados e ingerirem soja fermentada (natto) que contem uma forma bacteriana de vitanina K, que é facilmente convertida em MK4.

Vitamina B12, Cianocobalamina, que é essencial para a síntese de DNA, RNA, hemácias e mielina (isolante de nervos). Não admira que a deficiência em Cianocobalamina cause graves perturbações, incluindo psiquiátricas. Esta vitamina não é produzida por animais nem pelas plantas tendo origem bacteriana, pelo que valores abaixo do desejável são comuns, ocorrendo em cerca de 86% dos adultos, sendo os mais reduzidos encontrado nos veganos, seguidos dos vegetarianos, mas mesmo os omnívoros apresentavam valores abaixo do desejável.

Vitamina B1 (tiamina), vitamina B2 (riboflavina), vitamina B3 (niacina), vitamina B5 (ácido pantoténico) vitamina B6 (piridoxina), vitamina B7 (biotina) e vitamina B9 (folato) formam o chamado Complexo B e actuam em ligação para obtenção de energia, construção de importantes moléculas e regulação de neurotransmissores, sendo de grande importância para funcionamento correto do cérebro.

No regime vegano ocorrem níveis baixos de vitamina B3 e B6 e B2. A deficiência em Riboflavina (vitamina B2) é uma situação geral em populações que não utilizam produtos lácteos. Ainda que estas vitaminas ocorram em plantas só um conjunto ponderado de plantas criteriosamente escolhido pode fornecer os níveis necessários.

Iodo é muito importante porque a sua deficiência nos estádios iniciais da vida prejudica o crescimento corporal e o desenvolvimento do cérebro. O iodo é necessário para a produção de hormona tiroide, indispensável paro o desenvolvimento do cérebro e seu correto funcionamento e a sua deficiência é considerado a mais comum causa de disfunções intelectuais, mas que pode facilmente ser corrigida e nos países da civilização ocidental é evitada por adição no sal.

Ferro é necessário para a hemoglobina/glóbulos vermelhos, mas é extremamente importante para o desenvolvimento do cérebro, no funcionamento do hipocampus, produção dos neurotransmissores serotonina, dopamina e norepinefrima e sinalização intercelular. Os alimentos animais são mais ricos em ferro do que a generalidade dos alimentos vegetais e encontram- se nestes numa forma que é de mais difícil absorção do que o ferro na forma Heme, o que indicia a vantagem dos alimentos provenientes dos animais.

Zinco é necessário no cérebro para a síntese de serotonina, activação de Vitaminza B12 e no processo de sinalização inter-celular e encontra-se em muito menor quantidade nos vegetais do que nos alimentos animais. Um estudo suíço de 2017 veio mostrar que 47% dos seguidores do regime vegano apresentação deficiência de zinco, em comparação dos 10% em omnívoros, mais uma vez mostrando a necessidade de aqueles usarem suplementos com este metal. Ácido omega 3 recebe esta designação por ser formado por três ácidos gordos: o eicosapentaenoico (EPA), docosahexaenoico (DHA), alfa-linolênico (ALA). DHA e EPA são necessários par o funcionamento cerebral, na produção de mielina, na flexibilidade das membranas celulares e formação das ligações inter-nervosas chamadas sinapses e para o sistema imunológico. Em comparação com os omnívoros os veganos apresentam menos 59% DHA e menos 53% de EPA e os Vegetarianos menos 31% de DHA e menos 28% de EPA. São cada vez mais frequentes recomendações de entidades europeias ligadas ao nutricionismo (como A Sociedade Alemão de Nutrição, A Academia Belga de Medicina, etc.) que recomendam que as mulheres grávidas, em aleitamento e as crianças não sigam regimes alimentares baseados em plantas, ou se o fizerem, que completem com os indispensáveis suplementos.

Tudo isto mostra que regimes alimentares propagandeados como benéficos para a saúde não propiciam essas vantagens, o que não admira, pois os seres humanos desenvolveram características de alimentação omnívora, desde há cerca de 2 milhões de anos se contarmos desde o Homo erectus. A experiência mostra que nas sociedades evoluídas e ricas surgem sempre indivíduos que se querem apresentar como possuidores de mentalidade superior e que constroem tendências, influências e movimentos, ou os perfilham e propagandeiam, nas que não têm suporte em ciência credível. Segue-se a isto a característica humana da ganância que leva a que uns tantos se aproveitem dessas “modas” que percorrem a sociedade, mostrando a justeza do aforismo popular “anda meio mundo a enganar o outro meio”.


Ex nihilo nihil fit.

Uma citação latina fica sempre bem e esta frase “nada vem do nada” consubstancia a indispensabilidade de trabalho para se obter algo de novo — de modo bem conhecido na investigação científica. Muito recentemente (maio, 2022) foi publicado um importante artigo científico na famosa revista Nature (UK). Resumidamente, os Autores informam que pelo ano de 2050 seria possível reduzir para metade a desflorestação e a produção de CO2 e metano da ruminação do gado, bastando substituir 20% do consumo de “carne vermelha”, tipicamente proveniente de bovinos, por proteínas produzidas em culturas de fungos geneticamente modificados. Outro aspecto muito interessante é o facto de afirmarem que, este material, contrariamente ao que sucede com os actuais “análogos de carne” (derivados de soja, minhocas e células animais produzidas em cultura) apresenta a consistência, paladar e valor nutritivo perfeitamente comparáveis ao tão apreciado bife! Parece quase demasiado bom para ser verdade, mas o grupo de cientistas é perentório na apreciação desta solução biotecnológica — salientando igualmente o recurso a menor número de animais e a preservação de grandes áreas de terreno para os seus fins naturais.


Pósfacio.

Os comentários feitos mostram que não se pode — ou deve — aceitar tudo que que surge como sendo bom e benéfico e verdadeiro. A crítica e a análise indispensáveis só podem decorrer da Educação, que é reconhecida como sendo a base do desenvolvimento e progresso racional das Sociedades. No âmbito da educação, lato sensu, há uma vertente que dará o maior contributo para atingir aquele desiderato — a ciência — no seu estudo e no conhecimento das práticas epistemológicas aplicáveis.Isto refere-se a qualquer ciência, considerada nas suas quatro condições: objetividade ao verificar a adequação das ideias aos factos, Racionalidade, ao procurar abarcar todo o domínio dos factos que conhece num sistema racional, revisibilidade, pois não é um sistema dogmático, sempre susceptível de revisão e autonomia, pois distingue-se da filosofia e da religião.

Na realidade o estudo da ciência — qualquer ciência — leva a que se distinga claramente a verdade do erro, a evidencia da opinião, a razão da emoção e que ensina a grande reverência pela verdade e inspira a sua procura de modo persistente e intransigente.