A navegação oceânica que se praticava no século XV e XVI fazia-se seguindo a direção dada pela bússola magnética e estimando o caminho percorrido, ou então, seguindo uma direção da bússola e determinando a latitude com recurso ao astrolábio náutico ou ao quadrante náutico.

Mas a partir do final do século VIII e até ao século XI guerreiros, comerciantes e piratas nórdicos, habitualmente designados por Vikings, invadiram, exploraram e colonizaram grandes áreas da Europa e dominaram o Atlântico Norte durante séculos.

Fixaram-se na Gronelândia por volta de 950 d.C., e viajaram milhares de quilómetros em dracares, do próximo oriente, como Constantinopla, ao extremo ocidente como a Islândia, a Gronelândia e a Península Ibérica, onde chegaram em 840.



A denominada expansão Viking constitui uma parte importante da história medieval da Escandinávia, Grã-Bretanha, Irlanda e do resto da Europa em geral. A Póvoa de Varzim, no norte de Portugal e a praia da Nazaré, foram colonizadas pelos vikings, sendo a cidade de Braga muitas vezes saqueada, bem como o vale do rio Cávado, o que motivou a construção das muralhas da cidade de Guimarães.

Embora inventada pelos chineses no século I, a bússola magnética, ou agulha de marear, só começou a ser utilizada na Europa no século III como instrumento náutico que, a bordo, indicava constantemente a mesma direção, podendo assim ser usada para orientação. Pelo facto de esse polo magnético terrestre não coincidir com o polo geográfico, a agulha não apontará exatamente na direção norte-sul. Ao ângulo entre as direções norte-sul verdadeira e magnética chama-se declinação.

D. João de Castro foi um nobre português que foi cientista e escritor, tendo estudado matemática com Pedro Nunes. No século XVI registou valores da declinação magnética no Oceano Atlântico e no Oceano Índico que se revelaram úteis para o estudo do magnetismo terrestre. Notou que a presença de massas metálicas, como por exemplo canhões, nas proximidades das agulhas magnéticas, lhes alterava o comportamento. Embora nos navios de madeira este problema não fosse grave, pois bastava afastar as bússolas dessas massas metálicas, o mesmo veio a revelar-se muito importante nos navios construídos em metal.

Se atendermos a que os vikings, apesar de barcos em madeira, além de armas como espadas, machados, facas, lanças, arcos e flechas, utilizavam cotas de malha e elmos para sua proteção, as indicações dadas por bússolas magnéticas não eram fiáveis.

Como empreenderiam então os Vikings essas viagens sem recurso a bússolas magnéticas?

Na Gronelândia, nas ruínas de um convento do século XIII, foi achado, em 1948, pelo arqueólogo Christen Leif Vebaek, um fragmento em madeira de um círculo denteado com 16 dentes datado de cerca do ano 1000.



Se estivesse completo teria 32 dentes, à semelhança da Rosa dos Ventos de 32 pontas de uma carta náutica de 1492 da autoria de Jorge de Aguiar, que é a carta náutica assinada e datada mais antiga de Portugal.



Apesar de alguns investigadores considerarem que se tratava apenas de um objeto decorativo, outros sugeriram que o disco seria uma importante ferramenta de navegação. A descoberta de duas linhas gravadas na superfície do disco levou a concluir que este, com uma haste no centro, o gnómon, funcionaria como uma Bússola Solar, correspondendo as linhas ao traçado da sombra da projeção do gnómon. Terá sido usada durante as viagens que os Vikings faziam quando atravessavam o Atlântico rumo à Gronelândia.

Como utilizar uma bússola solar?

Um dia antes da partida, os navegadores marcavam no disco o fim da sombra projetada pelo gnómon em intervalos regulares. Ligando esses pontos, obtinham uma curva. Para obter a direção Norte-Sul bastava desenhar uma linha reta unindo o centro do disco com o ponto da curva mais próximo do gnómon. Uma vez no mar, bastava fazer coincidir o final da sombra do gnómon com um ponto da curva para se orientarem.



Nas bússolas com gnómon móvel, quando ao rodá-lo a sua sombra atingir a curva marcada no disco, a haste horizontal aponta para norte.

Será que existe alguma relação entre uma bússola solar e um relógio de sol?

O relógio de sol é um instrumento que determina as divisões do dia através do movimento da sombra de um objeto, o gnómon, sobre o qual incidem os raios solares e que se projeta sobre uma base graduada, o mostrador ou quadrante. Suponha-se que a Terra é uma superfície cujo eixo de rotação passa pelo seu centro e que ela se encontra parada enquanto o sol se move de Este para Oeste. À medida que o sol efetua o seu movimento (aparente), a sombra do eixo cai no plano do equador e move-se 15° por hora.

Num selo postal das Ilhas Faroé está representada uma bússola solar.



Tomando, num local de latitude L uma superfície plana atravessada por um eixo perpendicular e colocando-a paralelamente ao plano do equador, se a partir da posição da sombra do eixo quando o sol passa no meridiano do lugar (meio-dia) se marcarem ângulos múltiplos de 15°, obtêm-se as marcações das horas do dia. Denomina-se equatorial com mostrador plano um relógio com estas características.



Podemos dizer que o relógio de sol e a bússola solar funcionam de modo inverso.

Enquanto num relógio de sol, a orientação do gnómon exatamente na direção norte-sul permite que a sua sombra no mostrador indique a hora, numa bússola solar é a direção da sombra do gnómon que permite determinar a direção norte-sul.

A bússola solar só permite navegar dentro da latitude para a qual foi construída, uma vez que o tamanho da sombra projetada pelo gnómon varia com a latitude. Para ser utlizada noutras latitudes há que traçar a linha correspondente à sombra do gnómon nessas latitudes. Mas com o traçado de várias linhas torna-se difícil a sua utilização, uma vez que é necessário memorizar qual a linha que está a ser utilizada.

A vantagem de uma bússola solar sobre uma bússola comum é que aponta para o norte verdadeiro.

Durante a Segunda Guerra Mundial, alguns exércitos que combatiam no deserto usaram bússolas solares.

Apesar de mais modernas, mais precisas, e contemplando uma escala para várias latitudes, baseavam-se no mesmo princípio.



Mas a bússola solar só funciona quando há sol, pelo que a sua utilização é limitada, nomeadamente no Atlântico Norte, tendo em conta as nuvens pesadas e a neblina da região.

Como conseguiriam então os vikings fazer longas viagens marítimas sem identificar um ponto de referência seguro?

Durante décadas, os investigadores sugeriram que as “pedras do sol“, mencionadas em contos vikings como “A Saga do Rei Olaf ”, eram a chave para navegar sob céus menos ensolarados. As pedras do sol da lenda podiam identificar a localização do sol mesmo que este estivesse oculto por nuvens, no entanto, nenhuma dessas pedras foi encontrada em embarcações vikings naufragadas.



“O tempo estava nublado e com neve, como Sigurður previu. Então o rei convocou Sigurður e Dagur. Ele pediu a esses homens que olhassem ao redor, ninguém encontrou o menor canto do céu azul. Então ele convocou Sigurður para apontar para o sol, que deu uma resposta firme. Então o rei mandou buscar a pedra do sol e, segurando-a acima dele, viu a luz sair e, assim, pôde verificar diretamente se a previsão de Sigurður estava correta.”


A “Pedra do Sol”, ao identificar a localização deste astro, daria aos marinheiros um ponto de referência seguro. Com efeito, no hemisfério norte o sol nasce aproximadamente a Este. Ao meio-dia, se estivermos voltados para o sol, ele aponta-nos o Sul, ficando a nossa sombra a apontar o Norte e, por fim, o sol irá pôr-se a Oeste.

Em 1977 foram encontrados por Bertie Cocheril, um pescador de Alderney, os restos de um navio do final do século XVI, possivelmente de origem inglesa, e que operava no Canal da Mancha, onde poderá ter desempenhado um papel na guerra entre Espanha e Inglaterra.

Nos destroços foi encontrada uma pedra transparente a pouca distância de um compasso de navegação.



A imagem mostra a pedra transparente ao lado de um compasso de navegação em cima de um canhão. Todos estes artefactos foram encontrados no local do naufrágio.

O compasso de navegação é um instrumento composto por duas pernas articuladas entre si que terminam em pontas afiadas.

É utilizado para medir, transferir ou marcar distâncias, nomeadamente em mapas. Em Lisboa, no Padrão dos Descobrimentos, Pedro Nunes é retratado segurando na mão direita um compasso de navegação.



Segundo investigadores da Universidade de Rennes, a pedra transparente é um cristal de calcite transparente, relativamente comum na Escandinávia, e denominado “Espato de Islândia“ que, ainda hoje, é usado em alguns instrumentos óticos.

Este cristal tem a propriedade de polarizar a luz solar, isto é, conforme mudamos a sua posição a pedra filtra a luz de formas diferentes, produzindo dois feixes diferentes, um “comum” e o outro “polarizado”. Esta propriedade ótica é denominada birrefringência.



A imagem ilustra o efeito ótico de duplicação de imagem num texto, quando observado através de uma amostra de Espato da Islândia.

Se olharmos o sol através deste cristal e o virarmos sobre si mesmo até as intensidades das duas imagens serem iguais, o cristal indica a direção do sol.

É possível que os marinheiros ingleses tenham aprendido técnicas de navegação com os Vikings, uma vez que estes navegaram nas mesmas águas e tinham invadido as Ilhas Britânicas séculos antes, sendo o cristal de calcite a “pedra do sol” dos Vikings, o que pode explicar a presença deste cristal nos destroços de um navio inglês.

Tratando-se de um navio do final do século XVI, é previsível que, além de uma bússola magnética, tivesse a bordo um astrolábio. No que respeita a bússolas magnéticas, as suas indicações seriam falíveis pela presença de grandes quantidades de metal a bordo, como atesta a imagem onde figura um canhão.

E saberiam usar um astrolábio?

Desde meados do século XV que em Portugal se praticava a navegação astronómica, como se depreende da leitura de “As relações do descobrimento da Guiné e das Ilhas dos Açores, Madeira e Cabo Verde”, de Diogo Gomes.

O “Regimento do Astrolábio” foi descoberto na Biblioteca de Munique por Joaquim Bensaúde, engenheiro e historiador português. Teve uma edição portuguesa, feita na oficina de Herman de Campos, nos inícios de 1500, existindo outra versão na Biblioteca Municipal de Évora. Durante muito tempo desconheceu-se que existia um exemplar, em excelente estado de conservação, na Biblioteca Apostólica Vaticana.



Esta obra esclareceu o problema da origem e progressos da ciência náutica portuguesa desde a segunda metade do século XV. É o mais antigo opúsculo conhecido e impresso com regras náuticas, por onde gerações de pilotos se iniciaram nas ciências da cosmografia e navegação.

Os portugueses simplificaram o astrolábio, criando o astrolábio náutico, cuja forma ficou reduzida a um aro com a sua suspensão e com dois diâmetros ortogonais no centro do qual gira uma mira habitualmente chamada alidade. A alidade dispõe de duas pínulas com orifícios que se alinhavam com o astro. Num dos seus extremos interceta uma escala de 0 a 90 graus gravada nos quadrantes superiores da roda.

Como medir a latitude L de um lugar com um astrolábio náutico?

Um observador aponta para o Sol a peça móvel que serve de mira e lê diretamente no mostrador do instrumento a distância zenital “Z”.



A declinação do sol “d”, isto é, distância angular do Equador ao paralelo do astro, depende do dia do ano e encontrava-se em tábuas que acompanhavam os navegadores nas suas viagens, como a Tábua Astronómica do Almanach Perpetuum, uma obra de Abraão Zacuto sobre astronomia publicada em 1496.



Para obter a latitude basta subtrair à distância zenital “Z” a declinação ”d”.



Mas para medir a altura do sol é necessário que ele seja visível e a “Pedra do Sol” torna-se imprescindível para a determinação da latitude.


“À maneira de nuvens se começam

A descobrir os montes que enxergamos;

As âncoras pesadas se adereçam;

As velas, já chegados, amainamos;

E, pera que mais certas se conheçam

As partes tão remotas onde estamos

Pelo novo instrumento do Astrolábio

Invenção de sotil juízo e sábio”


Os Lusíadas, Canto V