We will rock you
Um exemplo de execução fundamentada de saídas de campo em Geologia
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- * DEP/ U. Aveiro
- ɫ CIDFF/ U. Aveiro
- ‡ AEE
Referência Sousa, R., Lopes, B., Rebelo, D., (2023) We will rock you, Rev. Ciência Elem., V11(4):045
DOI http://doi.org/10.24927/rce2023.045
Palavras-chave
Resumo
As atuais orientações para o ensino e aprendizagem das Ciências enquadram-se numa perspetiva de ensino focada na formação de cidadãos críticos, reflexivos e interventivos face aos desafios do quotidiano. Urge, assim, proporcionar aos alunos ferramentas e estratégias, que propiciem a edificação de aprendizagens ligadas à resolução das múltiplas situações problemáticas atuais e à luta por uma sociedade coesa, progressiva e inclusiva, numa perspetiva de educação científica para o desenvolvimento de comportamentos ecologicamente sustentáveis1.
Sendo a Geologia uma área científica com um papel preponderante na sociedade, urge mostrar o seu valor aos alunos, as gerações vindouras. Um dos fatores que pode contribuir para a renovação dos métodos e estratégias utilizados no ensino da Geologia é a utilização de metodologias alternativas em ambientes de aprendizagem diversificados, numa perspetiva holística e integradora1.
Pretende-se com o caso de estudo apresentado, descrever o processo que enquadra as saídas de campo enquanto atividades em ambientes exteriores à sala de aula9. Evitando experiências descontextualizadas conceptualmente, dá-se prioridade ao objetivo principal de desenvolver, trabalhar ou criar atitudes, procedimentos e conceitos geológicos básicos, essenciais para a compreensão e interpretação do meio natural.
Para que as saídas de campo possam permitir alcançar os objetivos educacionais propostos e se coadunarem com as atuais premissas para a Educação em Ciências, é determinante a complementaridade dos diferentes ambientes de aprendizagem na articulação de atividades realizadas no exterior (durante a saída propriamente dita) e no interior da sala de aula (antes e após a saída de campo)4, 7, 8. Tudo isto é fundamental para que as saídas de campo não assumam um carácter excursionista, mas que sejam orientadas em termos de processo e não de produto3, estando sempre implícita uma interação permanente entre o aluno e o meio, e atribuindo aos alunos um papel ativo na edificação do conhecimento e do raciocínio geológico4, 5, 6.
Nesta linha de pensamento, as saídas de campo, quando abordadas numa ótica de questionamento e de participação ativa dos alunos, constituem uma estratégia promissora e potenciadora de aprendizagens significativas, através da observação, recolha, interpretação e discussão de dados, estabelecendo uma importante interligação entre o conhecimento científico geológico e as metodologias intrínsecas à Geologia e propiciando o desenvolvimento de aprendizagens transversais aos diferentes currículos disciplinares8.
Caso de Estudo.
Serra da Freita.
Enquadrada nos domínios curriculares das Aprendizagens Essenciais de Biologia e Geologia do 11.º ano (curso científico-humanístico de Ciências e Tecnologias), nas áreas de competências inscritas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória e na Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, foi desenvolvida uma sequência didática centrada numa saída de campo à Serra da Freita (Arouca, Aveiro, Portugal). Esta sequência foi planificada, implementada e avaliada no âmbito de um projeto de investigação de um curso de mestrado. Para uma leitura mais aprofundada recomenda-se a leitura do correspondente relatório de estágio10.
Neste contexto, a sequência didática surgiu integrada no projeto interdisciplinar “A exploração do lítio em Portugal: controvérsias sociais e ambientais”, de uma turma de uma escola pública e assente nos Domínios de Autonomia Curricular (DAC). O projeto abrange diversas áreas do saber, nomeadamente, Biologia, Geologia, Física e Química.
A sequência didática foi planificada tendo em consideração três principais momentos de intervenção: pré-saída (TABELA 1); saída de campo (TABELA 2), e pós-saída (TABELA 3). Foi desenvolvida num contexto local de aprendizagem, a Serra da Freita, com vista à integração de uma saída de campo como parte integrante do currículo. Para tal, procurou-se atender aos pressupostos explanados no modelo de trabalho de campo formulado por Nir Orion4.
Foram concebidos materiais didáticos diversificados, específicos para um contexto geológico local, que deram apoio às atividades a desenvolver antes, durante e após a saída de campo. Na conceção destes materiais, valorizaram-se os seguintes aspetos: estudo de situações-problema relevantes e atuais, atendendo à proximidade geográfica dos alunos; relações entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente, numa perspetiva CTSA, explorando contextos reais e com significado para os alunos; promoção do trabalho colaborativo e utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC) na pesquisa, organização e divulgação da informação e na criação de recursos digitais, pelos alunos.
Componente pré-saída.
A prefiguração calculada e cuidadosa da saída de campo assume um papel crucial para potenciar o trabalho a realizar, promover a capacidade de concentração e aprendizagem dos alunos no campo4 e reduzir ao máximo a sensação do novelty space, conceito relacionado com a consciencialização para o novo e com o grau de familiaridade ou de novidade do aluno relativamente ao meio a visitar.
Componente de prática de campo.
Objetivou-se que a saída de campo fosse uma atividade de caráter investigativo, procurando que os alunos fossem os protagonistas, participando ativamente na construção do conhecimento.
Na saída de campo realizada, existiram três paragens, e dentro das mesmas, diferentes estações:
- Paragem 1 – Mizarela, com três estações (P1/Estação 1 - Contacto litológico da Mizarela; P1/Estação 2 - Frecha da Mizarela e P1/Estação 3 – Aldeia da Mizarela).
- Paragem 2 – Castanheira com uma estação (P2/Estação 1 - Campo de dobras da Castanheira).
- Paragem 3 – Pedras Parideiras – Castanheira, com duas estações (P3/Estação 1 – Pedras Parideiras - Granito nodular da Castanheira e P3/Estação 2 - Casa das Pedras Parideiras - Centro de Interpretação).
A organização da sequência das paragens e correspondentes estações encontra-se associada a tópicos ou questões que surgiram da problematização inicial (que contextualiza a aprendizagem dos alunos), não precisando de obedecer a uma sequência pré-definida.
Nesta metodologia de organização das paragens, todos os alunos realizaram o conjunto de atividades proposto para as diferentes paragens (preconizado no guião de campo), em que a sequência de trabalho é definida pelo grupo de trabalho e pode diferir de um grupo para outro. Essa proposta de saída de campo exige um maior grau de autonomia dos alunos, que decidem a sequência em que vão realizar as tarefas propostas e o local mais adequado, dentro da área de estudo, para a sua concretização9.
Componente pós-saída.
Os momentos pós-saída foram sustentados por atividades de discussão e de síntese, retomando- se a exploração das questões que requerem maior grau de abstração.
A realização destas atividades refletem a importância da integração de metodologias de trabalho que empreguem a utilização de ferramentas digitais úteis para os alunos, pois ao “possibilitar aos alunos usar tecnologias digitais de forma criativa e responsável para informação, comunicação, criação de conteúdos, bem-estar e resolução de problemas”2, estamos a promover a competência digital dos mesmos, de uma forma contextualizada e integrada no processo de ensino e de aprendizagem.
Os resultados obtidos demonstraram que a implementação da sequência didática promoveu a construção ativa, pelos alunos, de diferentes aprendizagens conceptuais e sobretudo procedimentais e atitudinais. Estas aprendizagens, curricularmente contextualizadas, constituem-se percursoras de uma educação científica de base ancorada nos pilares teóricos mais atuais, tais como uma educação para o desenvolvimento sustentável1, fundamentais para o desenvolvimento de uma atitude esclarecida, crítica, interventiva e responsável.
Referências
- 1 KYLE, W. C., Expanding our views of science education to address sustainable development, empowerment, and social transformation, Disciplinary and Interdisciplinary Science Education Research, 2, 1. 2020.
- 2 LUCAS, M., & MOREIRA, A., DigCompEdu: Quadro Europeu de Competência Digital para Educadores, UA Editora. 2018.
- 3 MARQUES, L., & PRAIA, J., Educação em Ciência: actividades exteriores à sala de aula, Terræ Didatica, 5, 1, 10-26. 2009.
- 4 ORION, N., XXX, School Science & Mathematics, 93, 6, 325-331. 1993.
- 5 ORION, N., A Educação em Ciências da Terra: da teoria à prática – implementação de novas estratégias de ensino em diferentes ambientes de aprendizagem. In L. Marques, & J. Praia (Eds.), Geociências nos Currículos dos ensinos Básico e Secundário, Universidade de Aveiro, pp. 93-114. 2001.
- 6 ORION, N., A holistic approach for science education for all, Eurasia Journal of Mathematics, Science and Technology Education, 3, 2, 111–118. 2007.
- 7 ORION, N., The future challenge of Earth science education research, Disciplinary and Interdisciplinary Science Education Research, 1, 3. 2019.
- 8 ORION, N., Enhancing Environmental Education Through Nature-Based Solutions, Springer Cham., pp. 53-60. 2022.
- 9 REBELO, D. et al., Actividades en ambientes exteriores al aula en la Educación en Ciencias: contribuciones para su operatividad, Enseñanza de las Ciencias de la tierra, 19, 1, 15-25. 2011.
- 10 SOUSA, A. R. C., We will rock you: estudo das aprendizagens desenvolvidas por alunos do 11.º ano, no âmbito de uma saída de campo à Serra da Freita [Master’s thesis, Universidade de Aveiro], Repositório Institucional da Universidade de Aveiro. 2022.
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