Ciência na Escola
O Galo do tempo
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- AE/ Dr. Manuel Laranjeira
Referência Tavares, A. M., (2024) Ciência na Escola, Rev. Ciência Elem., V12(1):007
DOI http://doi.org/10.24927/rce2024.007
Palavras-chave
Resumo
O “Galo do tempo” é um objeto decorativo que tem incorporado um sal de cloreto de cobalto (2+), e que apresenta cores distintas na sua forma anidra e hidratada. Dependendo das condições climatéricas, o galo pode ficar com a cor azul ou com a cor rosa. Se o galo ficar rosa, é indício de que provavelmente o tempo ficará chuvoso e frio. Se ele ficar azul, o dia permanecerá quente sem previsão de chuva. Estas mudanças de cor podem ser interpretadas de acordo com o Princípio de Le Châtelier.
O Galo do tempo.
Nas décadas de 60, 70 e 80, o “Galo do tempo” era um objeto decorativo muito popular nas casas portuguesas cuja função era fazer uma previsão do tempo1. Foi criado por um português2, José Dias Cardoso, nos anos 60, tendo por inspiração o Galo de Barcelos. A ideia deste galo do tempo surgiu da criação de um higrómetro para medir a humidade do ar, usando um composto químico que mudava de cor. Dependendo das condições climatéricas, o galo do tempo pode ficar com a cor azul ou com a cor rosa. Se o galo ficar rosa, é indício de que provavelmente o tempo ficará chuvoso e frio. Se ele ficar azul, o dia permanecerá quente sem previsão de chuva.
Como poderemos explicar estas mudanças de cor?
O “Galo do tempo” tem incorporado um sal de cloreto de cobalto (2+) na sua superfície. Este sal, na sua forma anidra, apresenta a cor azul. Na sua forma hidratada, apresenta a cor rosa.
Para perceber estas mudanças de cor, nas aulas de Física e Química A, os alunos do 11.º ano implementaram uma atividade experimental para testar este efeito.
Prepararam uma solução aquosa de cloreto de cobalto (2+)-água 1/6 (cor rosa) à qual adicionaram algumas gotas de ácido clorídrico concentrado. Dividiram esta solução por três tubos de ensaio: um dos tubos serviu de controlo e ficou à temperatura ambiente; outro foi colocado num gobelé com água e aquecido até à ebulição; o terceiro tubo foi colocado num banho de gelo.
Como interpretar estes resultados?
Na solução preparada, estabeleceu-se o seguinte equilíbrio químico:
[Co(OH2)6]2+(aq) + 4 Cl- (aq) ⇌ [CoCl4]2-(aq) + 6\(\Delta\)H2O(l) \(\Delta\) H > 0
Rosa Azul
O equilíbrio químico pode ser perturbado por mudança da concentração de ião cloreto ou por alteração da temperatura. As mudanças de cor acompanhadas de mudanças na alteração do estado de equilíbrio podem ser previstas pelo Princípio de Le Châtelier3.
A solução aquosa de cloreto de cobalto (2+)-água 1/6 é cor de rosa, bem como o sal no estado sólido. Quando adicionamos o ácido clorídrico concentrado, a solução torna-se azul. Esta mudança ocorre devido a uma substituição de ligandos do ião de cobalto presente na solução. Na solução cor de rosa, há um excesso de moléculas de água e isto favorece a formação do ião hexa-aquacobalto (II), de fórmula [Co(OH2)6]2+, responsável pela cor rosa da solução. Ao adicionarmos o ácido clorídrico concentrado, o ião cloreto em excesso na solução vai substituir as moléculas de água como ligandos do átomo de cobalto, formando o íão tetracloretocobaltato (II), de fórmula [CoCl4]2-, responsável pela cor azul da solução. No equilíbrio estabelecido, os dois iões coexistem na solução e reagem entre si transformando-se um no outro.
De acordo com o Princípio de Le Châtelier, quando se provoca uma perturbação num sistema em equilíbrio, este evoluiu no sentido que tende a contrariar a perturbação introduzida, até se estabelecer um novo estado de equilíbrio químico. Assim, e atendendo a que a reação é endotérmica (no sentido direto), por variação de temperatura, observa-se o seguinte efeito sobre o estado de equilíbrio da reação:
- Quando o sistema em equilíbrio é aquecido, o sistema evoluiu no sentido direto, aumentando a concentração do anião [CoCl4]2-(aq) , enquanto diminui a concentração de reagente, até que um novo estado de equilíbrio seja estabelecido, verificando-se a intensificação da cor azul da mistura da reação;
- Quando a temperatura diminui, favorece-se o sentido exotérmico, ou seja, o sentido inverso, aumentando a concentração de catião [Co(OH2)6]2+(aq), resultando num tom mais rosa da mistura.
O processo de hidratação/desidratação da estrutura cristalina CoCl2·6H2O, de acordo com o Princípio de Le Châtelier, pode ser influenciado de várias formas. Considerando-se que a desidratação é um processo endotérmico, um aumento de temperatura do meio ambiente irá favorecer a perda de moléculas de água da estrutura cristalina CoCl2·6H2O, prevalecendo a coloração azul do “Galo do tempo”. Por outro lado, uma elevada humidade relativa do meio envolvente (aumento da concentração de moléculas de água no ar), favorecerá o processo de hidratação da estrutura cristalina do CoCl2·6H2O, prevalecendo a cor rosa do “Galo do tempo”. Temperatura e concentração são fatores que influenciam simultaneamente o processo de hidratação/desidratação do galo do tempo, de forma dinâmica e competitiva4. Assim, a partir desta atividade experimental poderemos verificar que:
- Quando o tempo está seco o sal fica anidro, visto que a quantidade de água na atmosfera é baixa, e o equilíbrio evolui no sentido da reação direta, sentido em que há formação de [CoCl4]2-(aq). O galo fica azul, indicando que o tempo está seco, sem previsão de chuva;
- No entanto, quando o ar está húmido, o excesso de moléculas de água obriga o sistema a evoluir no sentido da reação inversa, de formação do sal hidratado [Co(OH2)6]2+(aq). O galo fica rosa, indicando tempo húmido com possibilidade de chuva.
Considerações finais.
No contexto do estudo do domínio “Equilíbrio Químico” e subdomínio “Estado de equilíbrio e extensão das reações químicas” da disciplina de Física e Química A de 11.º ano, a atividade experimental implementada centrou-se no desenvolvimento das Aprendizagens Essenciais “Prever o sentido da evolução de um sistema químico homogéneo quando o estado de equilíbrio é perturbado (variações de pressão em sistemas gasosos, de temperatura e de concentração)” e “Investigar, experimentalmente, alterações de equilíbrios químicos em sistemas aquosos por variação da concentração de reagentes e produtos, formulando hipóteses, avaliando procedimentos e comunicando resultados”5.
Esta atividade permitiu perceber como funciona o “Galo do tempo”, enquanto sensor químico para a previsibilidade de chuva ou tempo seco. Assim, num dia quente e seco, é favorecida a forma anidra do cloreto de cobalto, e o galo fica de cor azul. Num dia chuvoso, o sistema evolui de forma a favorecer a forma hidratada do cloreto de cobalto, e o galo fica de cor rosa.
As mudanças de cor observadas, interpretadas de acordo com o Princípio de Le Châtelier, permitiram fazer a ligação entre os conceitos teóricos de Química estudados nas aulas e o(s) contexto(s) em que esta ciência se manifesta no quotidiano. Permitiram ainda estabelecer a ligação entre o mundo submicroscópico dos átomos e das moléculas e o mundo macroscópico da observação das mudanças de cor ocorridas numa reação química, levando os alunos a perceber que um sistema em equilíbrio químico pode ser perturbado, evoluindo esse sistema para novo estado de equilíbrio.
A atividade experimental “o Galo do tempo” foi replicada pelos alunos do 11.º ano, nos dias abertos da escola, como forma de dar a conhecer aos alunos mais novos que a Química , ciência experimental, tem uma componente estética e está presente em tudo o que nos rodeia.
Referências
- 1 CARDOSO, J. & GAUDÊNCIO, R., Os galos do tempo, os meteorologistas das casas portuguesas nos anos 60, 70 e 80, Jornal Público. 2019.
- 2 CARDOSO, J. D. Lda, https://www.jdiascardoso.com/pt/pagina/3/empresa?p=pt/pagina/3/empresa&p=pt/pagina/3/empresa& p=pt/pagina/3/empresa&p=pt/pagina/3/empresa&p=pt/pagina/3/empresa&p=pt/pagina/3/empresa.
- 3 The equilibrium between two coloured cobalt species.
- 4 MAGRIA, R. et al., “Microlearning as a tool for scientific dissemination: thermal analysis of the portuguese good luck rooster”, Quim. Nova, Vol. 45, No. 2, 245-248. 2022.
- 5 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CIÊNCIA, Aprendizagens Essenciais – Ensino Secundário, Física e Química A, Direção geral da Educação, Governo de Portugal. 2018.
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