Os modelos botânicos museológicos na concretização das aprendizagens essenciais
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- Escola Básica e Secundária Rodrigues de Freitas/ Porto
Referência Saraiva, A. B., (2024) Os modelos botânicos museológicos na concretização das aprendizagens essenciais, Rev. Ciência Elem., V12(1):008
DOI http://doi.org/10.24927/rce2024.008
Palavras-chave
Resumo
“A educação pelos olhos é a que menos cansa a inteligência, mas esta educação só poderá ter bons resultados se as ideias que ficam gravadas na mente da criança forem rigorosamente precisas.”1. Foi com esta ideia que Émile Deyrolle iniciou a publicação de painéis educacionais por volta de 1871.
Os modelos botânicos foram utilizados, desde sempre, para ilustrar e demonstrar a morfologia das plantas. Ao contrário dos espécimes vivos, a sua utilização não era restringida pela disponibilidade sazonal e eram ideais para demonstrar detalhes pequenos, ou efémeros, que são difíceis de preservar e/ou de observar.
Entre Ciência e Arte, as diferentes espécies foram representadas em ilustrações em caderno (feitas pelos próprios cientistas) e em ilustrações murais e modelos tridimensionaisproduzidos por artesãos que se inspiravam nos desenhos e nas instruções dos cientistas (FIGURA 1).
A partir do século XIX e início do século XX, as representações bidimensionais (quadros parietais) tiveram uma rápida difusão graças aos avanços na impressão litográfica que facilitou a produção mecânica, em série, de folhas murais coloridas, a um preço razoável2. Porém, foram os modelos tridimensionais que tiveram um enorme sucesso. Eram fabricados com formas padronizadas em termos de escala, estrutura, cor e textura que, através de uma representação simplificada, auxiliavam na compreensão da anatomia da planta (FIGURA 1).
A Botânica ao longo do tempo.
Aristóteles, filósofo grego (384—322 a.C.) é considerado o fundador das ciências como uma disciplina. Classificou os seres vivos em dois reinos, o Plantae e o Animalia. Das Plantas (em latim, De Plantis) é um tratado escrito em duas partes atribuído a Aristóteles (não se sabe com a certeza absoluta). Primeiramente traduzido para o árabe e depois para o latim, contém algumas observações como a do sexo das plantas.
Teofrasto (c.371–286 a.C.) “discípulo mais brilhante de Aristóteles e seu continuador à frente do Lyceu3” publicou em 10 volumes a História das Plantas, Historia Plantarum” escrita entre 350 a.C. e 287 a.C. que associa a Botânica, no seu sentido científico puro, à Botânica aplicada que explora as potencialidades úteis das plantas. Relativamente aos usos das plantas, Teofrasto, para além de referir as suas mais variadas aplicações na vida quotidiana, como as suas propriedades alimentares ou terapêuticas, refere também as utilizações de determinadas plantas em atividades e indústrias específicas, destacando-se, por exemplo, as utilidades da madeira.
Os nove volumes que chegaram aos nossos dias da “História das Plantas” de Teofrasto, constitui o tratado botânico mais antigo que influenciou muitos autores até ao renascimento. As plantas foram recolhidas, estudadas e classificadas durante as viagens, do filosofo e do seu mestre, à ilha grega de Lesbos localizada no nordeste do mar Egeu.
Depois da queda do Império Romano, no século V, todas as conquistas alcançadas na antiguidade clássica ficaram esquecidas tendo que ser redescobertas a partir da Idade Média.
Nos séculos XV e XVI a botânica desenvolveu-se como uma disciplina científica, separada do herbalismo (prática de construir herbários) e da medicina, embora continuasse a dar contribuições a ambas. O aparecimento dos herbários, em 1544, contribuiu muito para o desenvolvimento da botânica, já que era necessário conhecer as plantas para as descrever.
No século XVI, o botânico suíço Conrad Gessner publicou “Catalogus Plantarum” que incluía descrições de mais de 1.000 plantas (FIGURA 2) organizadas por ordem alfabética4.
Carl Linnaeus (1707–1778) possuía duas obras de Gessner, o que mostra que esta obra foi lida, valorizada e utilizada por naturalistas e médicos até meados do século XVIII5.
Carl Linnaeus criou o sistema de classificação binomial, que é usado até hoje para classificar os seres vivos. Em 1753 publica, pela primeira vez, na Species plantarum, que contém descrições de 5.940 espécies (distribuídas por 1.098 géneros), a classificação binominal para as plantas. Para estas, Lineu utilizou as suas características sexuais que tinham sido recentemente descobertas (FIGURA 3).
Os nomes comuns são frequentemente usados quando se fala de plantas, mas infelizmente, pode ocorrer confusão quando vários nomes comuns são usados para a mesma planta ou um nome comum é usado para mais de que uma planta. Usando a classificação científica introduzida por Lineu elimina a confusão potencial durante a comunicação sobre plantas (ou outros seres).
Lineu publicou vários livros com várias edições, alguns só para plantas. Em Genera plantarum, de 1737, descreve e caracteriza todos os 935 géneros então conhecidos de plantas. A 6.ª edição desta obra já enumerava 1.336 géneros. Em Classes plantarum (1738), Lineu organiza as plantas em 24 classes, baseadas no seu sistema sexual. A Philosophia botanica (1751) é considerada a primeira descrição da terminologia da sistemática botânica moderna6.
Atualmente o Código Internacional de Nomenclatura para Algas, Fungos e Plantas (em inglês ICN) é o conjunto de regras e recomendações que tratam dos nomes botânicos formais dados a plantas, fungos e algas7. Anteriormente era o Código Internacional de Nomenclatura Botânica (ICBN) mas ocorreu alteração no Congresso Internacional de Botânica de Melbourne, em julho de 2011, os botânicos portugueses descreveram, em 2023, 19 novas plantas para a ciência.
No século XIX, Charles Darwin (1809-1882) estudou a evolução das plantas e a sua adaptação ao meio ambiente. A pesquisa botânica que efetuou contribuiu para a sua compreensão científica das plantas e moldou as suas ideias sobre as origens da vida em geral. Descobriu, por exemplo, que a chave para a polinização das orquídeas era o toque da tromba de um determinado inseto, bem adaptada à forma da flor, tal como acontece com a planta Linaria vulgaris (FIGURA 4).
Darwin escreveu no seu diário a bordo do HMS Beagle que a sua mente era “um caos de deleite” enquanto se extasiava com a exuberância das florestas tropicais. A coleção de Darwin de “Todas as plantas em flor” das Ilhas Galápagos tornou-se a base para a primeira flora daquele arquipélago e forneceu a evidência mais forte da sua teoria da evolução8.
Os interesses botânicos de Darwin eram amplos e ecléticos, publicando diversos livros sobre temas variados relacionados com plantas. Um deles era sobre o estudo do comprimento dos estiletes e estames das prímulas9, que variava de espécie para espécie (FIGURA 5).
O mentor de Darwin, o naturalista Henslow, desenvolveu muito o seu conhecimento de História Natural enquanto ele era estudante. De 1829 a 1831 Darwin usou frequentemente o “Catalogo de plantas britânicas” publicado pelo seu mestre para o estudo e identificação de plantas.
Gregor Mendel (1822/84) foi um biólogo, botânico e monge. Descobriu as leis da hereditariedade em plantas, estabelecendo as bases da genética vegetal. Estudou durante anos a ervilheira- de-cheiro, Pisum sativum, (FIGURA 6) que lhe permitiu perceber como se transmitiam as características hereditárias ao logo das gerações.
Apesar de ter comunicado os seus estudos e os resultados dos mesmos no artigo, “Experiências de hibridação em plantas” (1866), não teve reconhecimento em vida10. Este artigo é considerado um modelo de comunicação científica já que descreve, em linguagem acessível, como estabeleceu controlos rigorosos e como protegeu a integridade das suas experiências, tomando medidas para reduzir o risco de polinização pelo vento ou por insetos. O artigo reflete um compromisso absoluto com a observação cuidadosa e paciente e com o rigor na análise e na interpretação dos resultados. Na conclusão do artigo escreveu: «A validade do conjunto de leis sugeridas para Pisum requer confirmação adicional, sendo desejável, portanto, uma repetição das experiências mais importantes”.
Nos séculos XIX e XX foram criadas numerosas disciplinas como a ecologia, a fitogeografia, a citogenética e a biologia molecular graças a um grande número de investigações botânicas. Nas últimas décadas do século XX ocorreu uma conceção da taxonomia baseada na filogenia e nas análises moleculares de ADN e a primeira publicação da sequência do genoma de uma angiospérmica, Arabidopsis thaliana (FIGURA 7). A planta do tabaco, Nicotiana tabacum, também é usada como planta modelo na transgenia.
A ilustração na botânica.
O ensino em geral, e o das Ciências em particular, recorre a múltiplas formas de expor e transmitir conhecimento e, por isso, a imagem teve desde sempre um papel preponderante e imprescindível.
A ilustração botânica procurava desde a Antiguidade descrever as plantas e facilitar a identificação das suas propriedades medicinais (como já acontecia no antigo Egipto). As descrições eram feitas em forma de manuscritos e, mesmo que os originais fossem desenhados com rigor, as suas cópias nem sempre eram fiéis, e pormenores importantes iam sendo perdidos.
No início do século XIII, a obra, escrita por Alberto Magno, De Vegetabilis et Plantis e De animalibus, deu especial relevância à reprodução das plantas e animais. Em termos do estudo de Botânica os seus trabalhos são comparáveis, em importância, aos de Teofrasto. O interesse pela representação fiel das plantas medicinais introduziu um novo conceito de literatura, mais voltada para as imagens e para a descrição11.
A ilustração científica remonta ao período renascentista europeu (séc. XIV a meados do séc. XVIII) e apareceu com a constituição das Ciências modernas. Vieram ao mesmo tempo e cresceram juntas. As ilustrações de plantas e animais já eram anteriores ao Renascimento, mas não eram científicas, porque foram feitas antes da constituição das Ciências modernas11.
Dentre os precursores da ilustração científica, e que talvez já tivessem incorporado este conceito, estão Albrecht Dürer (1471–1528) com as suas aquarelas (o artista que desenhou o celebre rinoceronte do nosso rei D. Manuel), e Leonardo da Vinci (1452–1519) com a sua capacidade investigativa que lhe permitiu trabalhar em várias áreas. Ambos os artistas mostram que ilustrar tem que ser um ato consciente e uma interpretação do modelo para depois o comunicar através de imagens. Leonardo da Vinci representava através de seus desenhos, a sanguínea e sfumato, o que percebia e entendia das suas observações e depois comunicava, acrescentando anotações na própria folha (FIGURA 8).
“Das grosse Rasenstück” de Dürer, representa pela primeira vez, na arte europeia, as simples plantas de um prado ou da margem de um caminho ilustradas como motivo principal e, com tal rigor naturalista, que é possível identificar cada espécie representada. O botânico Carlos Aguiar descreveu, no seu blogue “Das plantas e das pessoas”, a designação científica das nove espécies representadas destacando, em pormenor, três encontradas em Portugal.
Leonhart Fuchs (1501-1566), um dos pais da Botânica moderna, escreve “De historia stirpium”, descrevendo e ilustrando cerca de quinhentas plantas pertencentes à flora alemã.
Com o uso da gravura em metal (FIGURA 9) e a possibilidade de transmitir o conhecimento através de livros ilustrados, a compreensão e a perceção sobre os seres vivos aumentou o que fez com que a ilustração científica também florescesse aumentando a nova visão sobre o mundo.
Além da representação em livros, também foi importante a criação de jardins para permitir o estudo e conservação de espécies autóctones e, posteriormente, o estudo e a aclimatação de espécies exóticas provenientes do novo mundo. Mas, por razões climáticas e geográficas, era impossível manter estas plantas vivas para serem estudadas e por isso a herborização tornou-se prática recorrente a partir do século XVI.
Para o ensino da biologia como disciplina científica no final do século XIX eram necessários materiais didáticos que auxiliassem os alunos a observar as estruturas de menor tamanho. Claro que aprender com a ajuda de imagens ampliadas, ou da observação ao microscópio, era o meio mais adequado para descobrir o pormenor e promover o conhecimento, mas este instrumento não estava ao alcance de todos (FIGURA 10). Para além disto a preservação das plantas nos herbários também não era ideal porque, ao secarem, perdiam as suas características, as cores desbotavam, as texturas mudavam, o que dificultava a perceção dos detalhes anatómicos.
Foi necessário criar novos métodos de ensino que possibilitassem simular uma planta com alto grau de precisão e fidelidade em relação ao natural. Para documentar e representar as espécies foram criados os quadros parietais e os modelos tridimensionais que tiveram grande impacto na educação.
Quadros parietais.
Os quadros parietais (pendurados na parede para que toda a turma os pudesse ver) constituíram um importantíssimo recurso na educação nos séculos XIX e XX, já que auxiliaram na transmissão de conhecimentos. O seu auge aconteceu entre 1870 e 1920, período durante o qual foram produzidos em larga escala. De acordo com o International Project for European Identity – History on Wall Charts in an European Perspective12, os quadros parietais estão no centro da educação europeia desde meados do século XIX até à segunda metade do século XX, altura em foram gradualmente substituídos pelos meios digitais.
De todas as ciências representadas nos quadros parietais a botânica é o caso mais paradigmático. A Europa desfrutava de uma época de ouro da ilustração botânica pois os naturalistas exploravam o globo e transmitiam o seu conhecimento através da ilustração. Podemos citar como exemplo, o naturalista francês Augustin de Saint-Hilaire (1779/1853), o naturalista prussiano Friedrich von Humboldt (1769/1859), o próprio Darwin e o naturalista também britânico, Alfred Russel Wallace (1823/1913), que durante as suas viagens ilustravam os seus “achados” botânicos o que aumentava o fascínio pelo conhecimento do mundo natural.
O grande incentivo para o aparecimento dos quadros parietais como recursos visuais foram as grandes reformas de ensino que tiveram lugar na Alemanha no século XIX. A educação passou a ser um direito de todos o que aumentou o número de alunos por turma, ultrapassando, por vezes, a centena. Este número tornava inviável o estudo através de pequenas imagens em livros que circulavam pela sala. Os quadros parietais, ao serem visíveis de qualquer ponto da sala e ao transmitirem uma evidência científica, responderam a este problema, daí que os primeiros quadros parietais, produzidos com propósitos educacionais, tenham surgido por volta de 1820, na Alemanha. Eram publicados em séries e publicitados em revistas escolares, e recomendados pelas autoridades do sistema educativo, o que levou a que passassem também a serem utilizados noutros países, mesmo que mantendo a informação em alemão (FIGURA 11).
A rápida difusão dos quadros parietais, principalmente pela Europa, foi possível graças aos avanços da impressão litográfica que facilitou a produção mecânica em série a um preço razoável (FIGURA 12).
A litografia é uma técnica de impressão que envolve a criação de desenhos, com um lápis gorduroso, sobre uma placa calcária, fixando-se depois a gordura na rocha através de produtos químicos. A matriz rochosa ficava assim dividida em duas áreas: a que não tem o desenho e que retém água e repele a gordura e a desenhada que agrega gordura e repele a água. Toda a superfície é depois limpa com aguarrás ou querosene, para eliminar o pigmento usado no desenho preservando apenas a gordura. De seguida humedece-se toda a superfície com água. A colocação de tinta oleosa é feita com um rolo de couro ou de borracha e a tinta adere somente nas partes gordurosas. Para cada cor é usada uma placa calcária14.
Os quadros parietais permitiram ainda responder a uma série de dificuldades, nomeadamente económicas, pois as aulas de laboratório e as visitas de estudo eram recursos dispendiosos ou mesmo de difícil concretização. Também promoviam o desenvolvimento da memória visual, o estímulo de emoções, da imaginação e do desenvolvimento de padrões de estética13.
Para além de estarem associados ao património museológico escolar, os quadros parietais são considerados património histórico-cultural e estão interligados aos conceitos de herança cultural e de património histórico15. A importância da sua conservação e da sua divulgação torna-se cada vez mais pertinente já que, na maioria das vezes, não há conhecimento da sua riqueza histórica e cultural. Ao nível das Ciências Naturais os quadros não eram apenas imagens de plantas, animais e minerais, mas foram dos mais importantes meios para a lecionação em todos os níveis de ensino. Constituíam uma ferramenta que mostrou o papel crucial que a imagem teve na educação científica e na comunicação de ciência15.
Modelos tridimensionais.
Entre o final do século XVIII e o início do século XX, existia uma próspera indústria transformadora especializada no fabrico de modelos tridimensionais educacionais. Os centros de produção também estavam localizados, essencialmente, na Alemanha por contarem com biólogos de destaque e foram rapidamente exportados para o resto do mundo através de um circuito do qual participaram cientistas, artesãos, artistas, ilustradores, educadores e agentes comerciais. Os materiais eram selecionados em função do tipo de modelo a fabricar e do grau de requinte que era necessário atingir nas estruturas a representar. Usou-se inicialmente terracota, depois cera, que pela sua maleabilidade e plasticidade foi a substância mais apreciada para captar a natureza com extremo realismo, e depois o vidro16. Os modelos em vidro mais conhecidos são os que reproduzem plantas em tamanho real, as suas flores, e outros detalhes da anatomia, feitos entre 1887 e 1936 pelos artesãos alemães Léopold Blashka (1822/95) e o seu filho Rudolf Blashka (1857–1939), encomendados pela Universidade de Harvard. Durante cinquenta anos produziram 4.300 modelos das “Flores de Vidro” que representam 780 espécies.
Usou-se também a madeira, mas esta era um material pesado, caro e trabalhoso. A cera, embora quimicamente estável, era sensível a flutuações repentinas de temperatura, amolecendo e tornando-se quebradiça. Os modelos em vidro eram muito belos, mas a fragilidade do material era responsável pela baixa resistência ao impacto e uma das principais causas da sua deterioração mecânica. O gesso, que naquela época era outra alternativa acessível, também podia ser facilmente danificado por pancadas ou quedas durante a manipulação do objeto. Por isso, em meados do século XIX, iniciaram-se experiências com outros produtos de fácil aquisição que respondiam às necessidades do ensino16. Começou-se a usar a pasta de papel que misturada com trapos, aos quais eram adicionados ligantes e resinas naturais para proporcionar coesão, demonstrou ser um produto que poderia ser usado. A acessibilidade, o baixo custo, a leveza e a versatilidade fizeram com que o papier maché fosse um material utilizado para diversos fins. Favoreceu ainda a produção semi-industrial e contribuiu, no campo científico, para a criação de objetos de grande porte dotados de peças móveis e desmontáveis.
Um dos primeiros a usar o papier maché, na década de 1820, foi o Dr. Louis Jérôme Auzoux (1797–1880) que adaptou a técnica para criar espécimes desmontados do corpo humano, além de ter desenvolvido uma série de modelos zoológicos e botânicos. Com a expansão do ensino agrícola e de história natural, a procura cresceu e surgiram novos fabricantes que, como ele, expunham as suas criações em feiras internacionais e vendiam por meio de catálogos e distribuidores.
Os modelos tridimensionais foram feitos não só para “mostrar” a anatomia do ser, mas também para representar fenómenos como o da fecundação nas plantas (FIGURA 13).
Os modelos Brendel, um caso de sucesso.
Da década de 1860 até o final do século XIX, Robert Brendel (1821/1898) e o seu filho Reinhold (1861-1927) administraram uma empresa que fabricava modelos botânicos com sede em Breslau (atualmente Breslávia, na Polónia) e Berlim, na Alemanha. Robert e Reinhold reuniram uma equipa de criadores de modelos e botânicos (destacando-se o Professor Ferdinand Cohn, Diretor do Instituto de Fisiologia Vegetal da Universidade de Breslau) excecionais para criar modelos muito precisos que são universalmente reconhecidos como alguns dos melhores já criados.
Os modelos mostram uma qualidade que atingiu, na altura, um nível incomparável e foram vendidos, através de catálogos ilustrados (FIGURA 14), por correspondência ou através de revendedores, para todo o Mundo e premiados em feiras internacionais. Havia manuais de instrução científica, para apoio aos professores, editados por professores universitários de botânica17. Para formar as diferentes estruturas nos modelos utilizou-se uma grande variedade de materiais, tais como, madeira, papier maché, papelão, gesso, medula de junco, metal, barbante, penas, gelatina e contas de cola de vidro ou osso.
Muitos acessórios são formados por fio de metal e outras fibras (crina de cavalo, cânhamo ou seda). Alguns elementos foram feitos diretamente na estrutura metálica que servia de “esqueleto” para a forma desejada, enquanto que folhas, brácteas e pétalas ou modelos inteiros foram feitos de papelão prensado ou papier maché, preparado e pintado à mão. Algumas formas e modelos são em gesso com os detalhes pintados à mão. A cor é um pigmento à base de água, protegido por verniz goma-laca17.
Alguns modelos são compostos de um material transparente à base de gelatina tal como é o modelo da planta aquática Utricularia vulgaris (FIGURA 15). Certas partes da estrutura, como esporos, filamentos, membranas, recetáculos e órgãos dissecados, também são à base de gelatina.
Os modelos Brendel foram caracterizados e apreciados especialmente pelo seu grande tamanho (FIGURA 16) e pela característica de poder desmontar e remontar as peças (FIGURA 17), acrescentando uma dimensão extra ao papel do modelo na sala de aula17.
Cada modelo é colado a uma haste de vime, vertical ou curvada, inserida num botão montado numa base de madeira, ambos torneados e polidos em laca preta. Há bases com um, dois, três ou quatro botões, dependendo do número de elementos vegetais representados para um determinado modelo. O modelo é identificado por uma etiqueta, de papel ou de metal, afixada na base circular ou retangular. As etiquetas apresentam a nomenclatura científica em latim, o nome comum em alemão, o número de série, a ampliação do objeto e o nome da empresa, R. Brendel Berlin, tudo impresso em tinta preta (FIGURA 18). Os modelos mais antigos têm apenas o nome em alemão enquanto os nomes comuns dos modelos posteriores também são escritos em inglês, francês e italiano. Os modelos medem de 30 a 60 cm de altura. Os diâmetros da maioria das bases medem, em média, 12 ou 14 cm. São usados ganchos e dobradiças de metal para abrir e fechar algumas peças ou para protegê-las no seu lugar17.
Há uma grande variedade de plantas (para além dos fungos) representadas nos modelos: plantas herbáceas; insectívoras (terrestres e aquáticas); de produção agrícola, como o milho; órgãos reprodutores de flores, quer de plantas mais pequenas, quer de árvores; frutos; gametófitos e gametângios de plantas inferiores como as hepáticas e os fetos. As espécies são normalmente autóctones da Europa, mas também há de outros continentes (FIGURA 19).
O Museu da Ciência da Escola Básica e Secundária Rodrigues de Freitas (Porto) tem no seu acervo 42 modelos da coleção Brendel, talvez uma das instituições de ensino em Portugal com um maior número destas peças. A maioria foi adquirida em 1935 após a construção do atual edifício (1932/33). No ano letivo de 2023/24 os modelos foram limpos, inseridos corretamente nas bases correspondentes e posteriormente colocados em dois armários expositores vidrados trazidos para o Museu para esse propósito (FIGURA 20).
Estão ainda a ser produzidos códigos QR para colocar junto aos modelos e foi elaborada a sua inventariação que já se encontra disponível no site18 da Secretaria- Geral da Educação e Ciência (FIGURA 21).
FIGURA 21. Imagem retirada do site da Secretaria- Geral da Educação e Ciência relativa à página do Museu da Ciência da Escola Básica e Secundária Rodrigues de Freitas.
Os códigos QR e o facto de os alunos poderem manipular alguns dos objetos são deveras importantes na aprendizagem de alunos invisuais ou de baixa visão da Escola Rodrigues de Freitas, uma escola de referência para os alunos com estas necessidades educativas.
Utilização dos Modelos bidimensionais e tridimensionais do Museu da Ciência nas aprendizagens dos alunos do Agrupamento de escolas Rodrigues de Freitas (Porto).
Os modelos botânicos podem ser utilizados para a concretização de algumas aprendizagens essenciais, transversais ou por domínio, do 1.º ciclo ao secundário.
Vamos propor algumas e o modo da sua concretização. Começamos pelo 1.º ciclo:
- Manipular, imaginar, criar ou transformar objetos técnicos simples;
- Agrupar, montar, desmontar, ligar, sobrepor etc., explorando objetos livremente.
- Relacionar as características dos seres vivos (animais e plantas), com o seu habitat.
- Compreender que os seres vivos dependem uns dos outros, nomeadamente através de relações alimentares, e do meio físico, reconhecendo a importância da preservação da Natureza.
Os alunos podem manipular alguns dos modelos tridimensionais, encaixando peças nos locais corretos através das cores e da forma dos objetos. Pela visualização das plantas nos quadros parietais apercebem-se de relações alimentares e das características dos seres (ver FIGURA 22).
Aprendizagens do 2.º ciclo:
- Perceber a diversidade dos seres vivos que vivem no planeta Terra e as interações que estes estabelecem com o meio;
- Caracterizar alguma da biodiversidade existente a nível local, regional e nacional, apresentando exemplos de relações entre a flora e a fauna nos diferentes habitats;
- Identificar os principais órgãos constituintes da flor, efetuando registos de forma criteriosa;
- Reconhecer a importância dos agentes de polinização, da dispersão e da germinação das sementes na manutenção das espécies e equilíbrio dos ecossistemas.
Os alunos podem observar e inferir as interações entre seres vivos e entre estes e o meio e reconhecer a biodiversidade local, regional e nacional. Podem, pela observação, identificar os órgãos constituintes da flor e reconhecer agentes da polinização (FIGURA 23).
Aprendizagens do 3.º ciclo:
- Explorar algumas das características da biodiversidade e das dinâmicas existente nos ecossistemas;
- Distinguir interações intraespecíficas de interações interespecíficas e explicitar diferentes tipos de relações bióticas.
- Interpretar informação relativa a dinâmicas populacionais decorrentes de relações bióticas, avaliando as suas consequências nos ecossistemas.
Os alunos podem visualizar, nos painéis, as relações bióticas (FIGURA 24). Podem ainda inteirar- se da noção de produtor fotossintético e da sua importância nos ecossistemas.
Aprendizagens de Biologia no secundário:
- Explorar acontecimentos, atuais ou históricos, que documentem a natureza do conhecimento científico.
- Realizar atividades em ambientes exteriores à sala de aula articuladas com outras atividades práticas.
- Interpretar dados experimentais sobre mecanismos de transporte em xilema e floema (FIGURA 25).
- Interpretar dados experimentais sobre mecanismos de abertura e fecho de estomas e de regulação de trocas gasosas com o meio externo.
- Interpretar ciclos de vida (haplonte, diplonte e haplodiplonte), utilizando conceitos de reprodução, mitose, meiose e fecundação (FIGURA 26).
- Interpretar os trabalhos de Mendel (mono e diibridismo) valorizando o seu contributo para a construção de conhecimentos sobre hereditariedade e genética.
Para além do que já foi exposto, os modelos do Museu da Ciência ilustram muitas das aprendizagens da componente de Biologia do secundário. Permitir que os alunos visualizem outras “imagens” das aprendizagens é uma mais valia na sua compreensão. As vindas ao Museu podem e devem ser acompanhadas da realização de uma mini atividade escrita.
Referências
- 1 https://deyrolle.com/pages/la-maison-deyrolle.
- 2 SÁNCHEZ, A. , Flora Artefacta. Historia, Tecnología y Conservación de la Colección de Modelos Botánicos Brendel en la Universidad Complutense de Madrid, 103-125103. 2021.
- 3 BRASETE, M. F., Teofrasto. História das Plantas, Tradução portuguesa, com Introdução e Anotação de Maria de Fátima Sousa e Silva & Jorge Paiva, Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra/ Annablume, Série “Diaita: Scripta & Realia”. 459 pp. ISBN 978-989-26- 1192-1; ISBN Digital: 978-98926- 1193-8. 2016.
- 4 ARAÚJO, A. V., Os 500 anos do pai da Bibliografia: da celebração ao gesto bibliográfico de Conrad Gesner (2016-1516), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
- 5 https://www.linnean.org/news/2017/03/27/26th-march-2017-rare-books.
- 6 BOTÂNICA GONÇALO SAMPAIO DEPARTAMENTO DE BOTÂNICA FACULDADE DE CIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE DO PORTO, https:// www.fc.up.pt/pessoas/jpcabral/index_files/GS_brochura.pdf.
- 7 International Code of Nomenclature for algae, fungi, and plants.
- 8 EXIBIÇÃO: “Jardim de Darwin: uma aventura evolutiva”, The Huntington.
- 9 https://ncse.ngo/charles-darwin-botanist.
- 10 Odisseia 12.
- 11 PEREIRA, R. M. A., ILUSTRAÇÃO BOTÂNICA de um Brasil desconhecido, Lisboa, 2011, Dissertação (Mestrado em Ilustração Científica) Universidade de Évora e Instituto Superior de Educação e Ciências. 2011.
- 12 http://historywallcharts.eu/about.
- 13 EVERTSON, J., Gráficos de parede em sala de aula e história bíblica: um estudo da tecnologia educacional em escolas primárias na Suécia do final do século XIX e início do século XX.
- 14 https://pt.wikipedia.org/wiki/Litografia.
- 15 SANTOS, A. L. et al., História da Ciência no Ensino. Revisitando Abordagens, Inovando Saberes, pp. 123-124.
- 16 ORTIZ, A. S. et al., Flora Artefacta. Historia, Tecnología y Conservación de la Colección de Modelos Botánicos Brendel en la Universidad Complutense de Madrid.
- 17 FIORINI, G. et al., Save the Plants: Conservation of Brendel Anatomical Botany Models.
- 18 https://edumuseu.sec-geral.mec.pt/inweb/ficha.aspx?id=1421&ns=407000&lang=PO&c=escolas&IPR=2082.
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